A jornalista Elissandra Batista realizou uma pesquisa com o objetivo de entender a relação entre o conhecimento científico e os saberes da população ribeirinha da ilha.
A cidade de Belém, no Pará, é cercada por mais de 30 ilhas. Uma diversidade de paisagens e de pessoas caracteriza a capital do Estado. Entre as ilhas, Cotijuba é a terceira maior delas e possui uma forte ligação com a construção da história local, desde a criação do seu nome, pelos primeiros habitantes, os povos tupinambás, até a relação com o rio, na produção do espaço social de seus residentes.
Partindo desse cenário, a jornalista Elissandra Batista realizou uma pesquisa sobre os processos comunicacionais do Projeto de Extensão ‘Ciência na Ilha: educação e divulgação científica na Amazônia‘, com o objetivo de entender a relação entre o conhecimento científico e os saberes da população ribeirinha da ilha de Cotijuba.
O ‘Ciência na Ilha’ é uma Feira de Ciências realizada pelo Clube de Ciências da UFPA, há 17 anos, em escolas das ilhas mais populosas de Belém. O evento leva oficinas e exposições de divulgação e iniciação científica para os estudantes ribeirinhos, contribuindo com o processo de desmistificação do saber científico e estimulando a troca de experiências entre cientistas e não cientistas. A ação extensionista é fruto de uma demanda das próprias comunidades ribeirinhas ao se perceberem envolvidas por um sistema científico que ainda muito se aproveita dos seus conhecimentos, saberes e modos de vida, sem nenhum ou com pouquíssimo retorno.
“O meu interesse pelo projeto, como objeto de pesquisa, surgiu no momento em que decidi fazer uma especialização, em 2017, especialmente por querer entender de que forma os processos comunicacionais do Ciência na Ilha contribuíam, de fato, para a troca de experiências entre o conhecimento científico e os saberes das comunidades ribeirinhas de Belém, considerando que fazer esse intercâmbio é uma das principais propostas da Feira de Ciências. Assim, depois da especialização, entendendo ainda a necessidade de focar e aprofundar a minha ideia inicial, resolvi continuar com a pesquisa no mestrado”,
destaca a autora.
Apesar da influência funcionalista, atividades aproximam cientistas e não cientistas
A pesquisa tem como foco as edições do projeto realizadas na Escola Estadual Marta da Conceição, na ilha de Cotijuba, durante os anos de 2017 e 2019, quando a pesquisadora pôde observar, na prática, os processos comunicacionais e, com isso, as relações estabelecidas entre cientistas e não cientistas, durante o evento. O estudo foi construído fundamentado em uma análise de conteúdo da programação documental de 15 edições da feira e, principalmente, em entrevistas, realizadas também via internet, com alunos e professores da escola ribeirinha e com alunos e professores do Clube de Ciências da UFPA.
Os dados da pesquisa revelam que, mesmo inserido nos processos da comunicação face a face, o projeto apresenta características múltiplas da Comunicação Pública da Ciência, com fortes traços do sistema unidirecional e funcionalista, que se restringe a uma simples transmissão de informações entre emissores e receptores. Mas, também, dentro das concepções dialógicas relacionais, o Ciência na Ilha ajuda a aproximar as pesquisas e os estudos científicos das práticas diárias da população, contribuindo com o processo de desmistificação da ciência, valorizando uma boa relação entre cientistas e não cientistas, para que, assim, se sentindo inserida no processo, a população também possa participar dele e lutar por políticas públicas de financiamento e por avanços do sistema científico e educacional brasileiro.
O estudo aponta, ainda, que, apesar da grande necessidade de investimentos financeiros e de colaboradores, a Feira de Ciências contribui também para o avanço de uma cultura científica, especialmente entre os alunos e os professores da Escola Marta da Conceição, em Cotijuba.
“Pela análise, podemos inferir que o projeto contribui para o diálogo e interação entre o conhecimento científico e os saberes da população ribeirinha da ilha de Cotijuba, não apenas apresentando e compartilhando produções acadêmicas com temáticas relacionadas ao modo de vida dessas comunidades, mas também, principalmente, por meio das interações e trocas que se estabelecem entre os diversos interlocutores durante a comunicação face a face. Acreditamos que o contato pessoal ainda é a forma mais efetiva de comunicação, diante das naturais dificuldades que sempre surgem quando se estabelecem diferenças em níveis ideológicos e de valores culturais, educativos e até mesmo nas falhas comunicativas entre os interlocutores”,
ressalta a pesquisadora.
Dissertação deve ser convertida em novos produtos
Após a conclusão da pesquisa, o trabalho segue sendo compartilhado e acrescentado. Na edição do Ciência na Ilha de 2022, realizada na mesma escola, os principais dados do estudo foram expostos para a comunidade escolar em forma de pôster de divulgação científica. Além disso, a pesquisadora busca novos desafios para o compartilhamento da pesquisa com os seus interlocutores e a sociedade em geral.
“Com o trabalho, ainda pretendemos produzir e construir produtos midiáticos, incluindo podcasts e exposição fotográfica, por exemplo. Dessa forma, pretendemos continuar movendo o circuito da comunicação que nos envolveu durante toda a prática da pesquisa. Assim, esperamos um maior alcance dos dados apresentados e, consequentemente, uma maior socialização do Ciência na Ilha, como uma prática híbrida dos modelos da Comunicação Pública da Ciência, aqui, na Amazônia”, finaliza Elissandra Batista.
Sobre a pesquisa: A dissertação Comunicação Pública da Ciência: uma análise dos processos comunicacionais do projeto Ciência na Ilha, em Cotijuba, Belém-PA foi apresentada por Elissandra Batista, no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM), da Universidade Federal do Pará, em 2022, com orientação da professora Rosane Maria Albino Steinbrenner.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio/UFPA, edição 167, escrito por Isabelly Risuenho