Foto: Nilmar Lage/Greenpeace
O Amazonas é o maior estado brasileiro em extensão, onde vivem 3,9 milhões de pessoas. E por estar inteiramente inserido na floresta amazônica, é um dos mais dependentes dos rios, já que além de fornecer água e comida, os enormes cursos d’água da região conectam pessoas e permitem o acesso a serviços, como saúde e educação. Mas e se todos os rios secarem?
É uma pergunta difícil de responder e até de imaginar. Mas em 2024 deu para ter uma ideia de como seria, já que este ano os principais rios da Bacia Amazônica atingiram os níveis mais baixos da história, e o que se viu foi caos, abandono e privação. Em muitas regiões, os rios literalmente sumiram, enquanto em outras, transformaram-se em pequenos fios de água, afetando milhares de pessoas.
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Todos os 62 municípios do Amazonas decretaram estado de emergência devido a estiagem severa, e segundo estimativas da Defesa Civil do estado, mais de 850 mil pessoas foram diretamente afetadas pela seca.
Problemas como o desabastecimento de itens de primeira necessidade, o fechamento de escolas e a impossibilidade de exercer o direito ao voto, vulnerabiliza, ainda mais, a vida de populações que já são historicamente invisibilizadas e abandonadas pelo Estado.
Estamos falando do mais básico de todos os direitos, como à água, por exemplo. Imagine viver na maior bacia hidrográfica do mundo, e não ter acesso a água potável. Pois segundo o instituto Trata Brasil, 20% da população do Amazonas não tem acesso à água tratada e em diversas localidades, a única água disponível é a do rio.
Assim, durante a seca, muitas comunidades tiveram poucas opções: beber água com lama e ter problemas intestinais; recorrer a um poço, se sua comunidade tivesse a sorte de ter um; ou contar com a doação de garrafas de água.
“Nossos rios são de suma importância para a gente, tanto em relação a transporte, como de acesso a água. Nossa água, que era tão saudável, não está mais como a dez ou 20 anos atrás. Esses impactos estão chegando cada vez mais para nós”, relatou Elizabeth Lopes, da comunidade quilombola São Francisco do Bauana, em Alvarães (AM).
O preço dos alimentos e a escassez de pescados também pressionou a segurança alimentar das pessoas. E a dificuldade de chegar às escolas afastou 4,3 mil alunos dos estudos, em 19 municípios do Amazonas.
Em agosto, a professora Miscelina Nunes Rodrigues, da Comunidade São Francisco do Arraiá, em Tefé, relatou que já enfrentavam problemas com a entrega da merenda da escola, e até mesmo de acesso dos estudantes.
“As aulas estão funcionando até o momento, mas tem criança de outros lugares que já não estão conseguindo acessar a escola. Quando o rio está cheio, a canoa vem até aqui. Mas quando está seco assim, não tem transporte para trazer as crianças”, explicou Miscelina.
Para onde foram os rios?
Em 2024, a Amazônia enfrentou sua segunda seca recorde consecutiva. Graças a um El Niño persistente, aliado ao aquecimento das águas do Atlântico norte, as chuvas não deram conta de recuperar os rios amazônicos no último ano. Mas verdade seja dita, não é como se cientistas nunca tivessem apontado que um dos efeitos das mudanças climáticas seria a ocorrência de eventos climáticos extremos como secas severas na Amazônia.
No Brasil, esses eventos climáticos têm se agravado em frequência, intensidade e abrangência, e não apenas em forma de seca, mas também de chuvas em excesso e temperaturas elevadas. O El Niño, por exemplo, é um evento climático que ocorre naturalmente, mas que ganhou força em um ambiente que já está mais quente.
As atividades que mais contribuem no mundo para a piora do aquecimento global são a exploração e queima de combustíveis fósseis. Mas no caso do Brasil, o desmatamento e as queimadas ilegais são os principais responsáveis por essas emissões.
A combinação perigosa entre queimadas e fumaça nessas localidades tornam a situação ainda mais alarmante, já que o efeito na saúde da população local é largamente sentido havendo, segundo estudos da FIOCRUZ, um aumento de 100% das internações com problemas respiratórios no período seco.
Além disso, a baixa formação de gelo nos Andes tropicais, outro efeito das mudanças climáticas, impacta o ciclo de inundação dos rios, já que seu degelo é fundamental para esse processo na bacia do Rio Solimões, por exemplo.
Os períodos de estiagem têm se tornado cada vez mais severos e prolongados na Amazônia e no Brasil como um todo. A estiagem deste ano começou meses antes do planejado no Amazonas, e durou mais tempo que de costume. De acordo com dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemadem), a partir da década de 90, as secas no Brasil tornaram-se mais frequentes e intensas, e a situação se agravou ainda mais a partir de 2016.
Por enquanto, os rios seguem por aqui, mas se não acabarmos com o desmatamento e levarmos a sério o combate às mudanças climáticas, o pesadelo de um mundo sem a Amazônia e seus rios pode um dia se tornar real.
Estiagem esperada, reação lenta
Em um ano de eleições municipais, quase 16 mil pessoas ficaram impedidas de votar no Amazonas devido a seca recorde, segundo dados da Justiça Eleitoral do Amazonas.
Tentando não repetir a tragédia decorrente da seca recorde do ano passado, em 2024 o governo do Amazonas afirma ter colocado um Plano de Contingência das Ações de Vigilância em Saúde para Estiagem no Amazonas em março, com envio de medicamentos aos municípios mais afastados, e ter distribuído 3 mil toneladas de alimentos, além de purificadores de água e caixas d’água. Mas muitos sofreram, e ainda estão sofrendo, com a seca no estado.
“Infelizmente, as mudanças climáticas são reais e não uma discussão do futuro. Está acontecendo agora, e estamos cada vez mais sentindo seus efeitos, através dos eventos climáticos extremos, como é o caso das secas recordes na Amazônia e no Brasil”, afirma Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace.
Rômulo alerta que governos de todas as esferas não podem mais esperar a crise bater à porta para agir.
“É fundamental que planos de adaptação e mitigação dos efeitos dessas mudanças sejam transformados em lei e política permanente. Mais que isso, que recebam financiamento adequado para sua execução e que não fiquemos a cada ano dependendo de ações emergenciais”.
As populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas do Amazonas têm sido as primeiras a sofrer as consequências da seca e estiagens dos rios no norte do país e as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos, mas são justamente as que menos contribuíram para essa emergência climática e que menos recebem apoio. Por outro lado, são estas mesmas populações que estão na frente quando se trata de soluções por meio de tecnologias sociais para enfrentar a crise climática.
Vivemos num mundo em mudança, graças à ação humana. E apenas a ação humana pode reverter esse cenário. Precisamos agir para frear a crise climática. Municípios, estados e países precisam avançar, e muito, na adaptação às mudanças climáticas.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Greenpeace, escrito por Rosana Villar