A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, dá um panorama sobre a situação da temporada do fogo que, em função da seca, tende a ser mais severa este ano. A entrevista foi divulgada na newsletter Um Grau e Meio, uma produção quinzenal e gratuita do IPAM com análises exclusivas sobre clima e meio ambiente. Confira a entrevista:
Qual o cenário que se apresenta para a temporada do fogo na Amazônia este ano?
O cenário é preocupante. Infelizmente o efeito da seca severa que atingiu a Amazônia em 2023 e se estendeu até o início de 2024, acabou por impactar a estação chuvosa de 2024, reduzindo sua extensão e intensidade. Este ano, as chuvas só começaram a cair em Roraima – último Estado a começar a chover – no final de março atrasando esse período em quase um mês.
Por outro lado, no ponto mais extremo ao sul da Amazônia, no estado do Mato Grosso, as chuvas param mais cedo em 2024 determinando o fim do período chuvoso, o que geralmente no fim de maio. Esse encurtamento da estação chuvosa depois de um período de seca extrema, não foi suficiente para recarregar o solo e os rios, que já iniciaram o período seco de 2024 em situação de estresse.
Quais os estados e municípios que podem ser mais impactados?
A seca de 2023 e início de 2024 acabou por afetar principalmente o norte da Amazônia, mais precisamente a região ao longo e a norte da calha do rio Amazonas. Estas regiões que compreendem o norte do estado dos estados do Amazonas e Pará, e Roraima e Amapá, essa região está muito suscetível devido ao estresse hídrico gerado anteriormente, mas essa região que tem seu período ápice de fogo em Outubro pode receber um impacto positivo do La Nina que em outubro já espera-se que esteja mais forte e antecipe o período de chuvas.
Isso significa que talvez a região mais preocupante seja mesmo aquela ao sul da calha do Amazonas que apesar de não ter sofrido o nível de seca extrema do norte da Amazônia, teve um período anômalo de seca e agora já dá indícios de estar muito inflamável. O Estado do Acre, Sul do Amazonas, Rondônia, norte do Mato Grosso e Sul do Pará entram nessa lista de regiões onde as atenções devem ser redobradas, ainda mais que essas são as regiões onde o desmatamento também se mostra bastante ativo.
Quanto tempo deve durar?
O auge do período seco em grande parte da região são os meses de agosto e setembro. Normalmente no meio do mês de outubro, já começam as chuvas no sul da região. O fenômeno La Nina, pode antecipar esse período chuvoso o que pode ser uma boa notícia para reduzir os riscos de incêndios na região. Eu diria que tudo vai depender de quando o La Nina ganha força e do nível de influência do aquecimento do Oceano Atlântico.
Por que os incêndios florestais se agravam nesta época?
É nessa época que grande parte da Amazônia está sem chuvas e as pessoas aproveitam para queimar as áreas recém desmatadas e fazer uso do fogo para renovar seus pastos. O uso descontrolado do fogo acaba por criar situação de riscos onde o fogo escapa para as florestas adjacentes e causa incêndios. O que acontece justamente no período que a paisagem está mais inflamável como um todo.
Quais as características destes incêndios florestais?
Normalmente os incêndios florestais na Amazônia tem características muito próprias. Devido ao nível de umidade e cobertura de copa, uma área de floresta afetada pelo fogo uma primeira vez tem uma característica onde as chamas são baixas, de 20cm a 50cm, e a frente de fogo é lenta.
Isso acaba matando grandes arvores que não tendo uma proteção de casca apropriada são expostas a altas temperaturas por um longo período. Uma vez que essas áreas de floresta são queimadas, favorecem que um segundo fogo tenha características diferentes, já sendo mais intenso e podendo chegar a copa dependendo do nível de seca do ambiente.
Quais atividades econômicas mais contribuem para os incêndios florestais?
Os incêndios são derivados das queimadas que finalizam o processo de desmatamento e é muito utilizado como ferramenta para a renovação de pastagem. Como a principal atividade econômica da Amazônia é a pecuária, ocupando cerca de 90% da área desmatada na região, e essa atividade usa o fogo como principal ferramenta de manejo, podemos afirmar que o uso descontrolado do fogo para a manutenção das áreas de pastagem são fontes importantes para os incêndios na região.
Que tipo de providência pode ser tomada para se antecipar e prevenir o cenário?
Em um cenário onde a paisagem está muito inflamável, a melhor coisa a se fazer é reduzir o fogo na paisagem e tomar medidas para controlar o uso do fogo onde ele é autorizado. Isso quer dizer, que a redução do desmatamento e incentivos para práticas agropecuárias sem o uso do fogo seriam medidas muito bem vistas nesse momento de extrema inflamabilidade das florestas da região.
O que é e por que existe uma temporada do fogo na Amazônia?
A temporada do fogo existe pois ele é usado como ferramenta na prática produtiva e de manejo do principal uso da terra da região, a pecuária. Seu uso vai desde a formação das áreas de pasto através do desmatamento até a manutenção dos pastos plantados, sendo uma forma barata de limpar os arbustos e plantas não palatáveis para o gado e favorecer a rebrota do capim plantado.
Há locais que estão lidando melhor com a situação do que outros? Como suas experiências podem ser um exemplo a ser replicado no bioma para a redução do fogo?
Eu vejo que é difícil imaginar a paisagem da Amazônia sem nenhum fogo acontecendo justamente pela sua importância na prática agropecuária, mas vejo o uso do fogo diminuindo e aonde ele tem que ocorrer, ser de forma controlada e responsável. Isso sem dúvidas vai reduzir e muito a possibilidade de incêndios que acabam por gerar uma situação de degradação e perda de qualidade das florestas e dos ecossistemas da Amazônia como um todo.
Um exemplo de que a redução e uso controlado do fogo reduzem o risco de incêndios ocorreu em 2023, quando de acordo com um estudo lançado recentemente pelo IPAM, indicou que os municípios que tiveram maior redução do desmatamento, também reduziram a área queimada, principalmente por incêndios. Esse esforço de redução do desmatamento precisa continuar, assim como o de controlar o uso do fogo.
*Com informações do IPAM Amazônia