Dados mostram que cada vez mais os rios encolhem e cidades avançam. Na foto, a cidade de Lábrea, no Amazonas. Foto: Reprodução
Nos últimos anos, o Brasil tem vivido transformações profundas em seu território, refletidas em fenômenos como rios que recuam, expansão urbana acelerada e alterações na vegetação. Essas mudanças impactam diretamente a segurança hídrica, infraestrutura, agricultura e a vida das cidades, desafiando governos, empresas e comunidades a entender a velocidade e a magnitude das transformações.
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Dados mais recentes do MapBiomas mostram que as áreas urbanizadas no Brasil somavam 4,1 milhões de hectares, ou 0,5% do território nacional, em 2023. Desde 1985, o crescimento foi de 2,4 milhões de hectares a um ritmo de 2,4% ao ano.

Considerando os temas abordados na COP30, realizada em Belém (PA) neste mês, os dados de satélite se posicionam cada vez mais como aliados estratégicos, fornecendo transparência e rastreabilidade para políticas públicas, compromissos corporativos e projetos de restauração.
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Do espaço, é possível verificar se rios e reservatórios estão em recuperação, se áreas de vegetação estão sendo preservadas e como a expansão urbana interage com ecossistemas e recursos hídricos.
“O grande desafio hoje não é apenas coletar imagens, mas transformar dados em decisões. A integração de satélites, inteligência artificial e informações socioambientais cria uma nova fronteira de monitoramento, permitindo agir de forma preventiva e estratégica diante de mudanças rápidas”, explica o especialista em GIS e Sensoriamento Remoto, Ph.D. em Engenharia Mecânica (Satélites), Adriano Junqueira.
Adriano explica que, hoje, os satélites nos permitem observar essas mudanças com precisão diária e em escala nacional. “Constelações capturam imagens e transformam a observação da Terra em uma ferramenta prática para medir, analisar e agir diante dessas transformações. Essa capacidade não apenas amplia a cobertura espacial, mas também fornece séries temporais contínuas, essenciais para identificar padrões sazonais, anomalias e tendências de longo prazo”.
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Rios em retração e escassez hídrica: como os satélites podem ajudar?
Em 2023–2024, a seca afetou 59% do território brasileiro, provocando escassez de água e uma grave perda de meios de subsistência e de colheitas, segundo dados da ACAPS. As áreas mais atingidas incluem os estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins, que fazem parte da região Amazônica, nas porções noroeste e centro-oeste do país

O monitoramento por satélite permite acompanhar rios, lagos e reservatórios, detectando variações de nível, assoreamento e mudanças no regime hídrico. Índices como o NDWI (Normalized Difference Water Index) ajudam a mapear alterações na cobertura de água, revelando trechos que secam ou recuam antes mesmo que a escassez seja perceptível no solo.
“Essas informações são fundamentais para planejamento urbano e agrícola, permitindo que autoridades emitam alertas para a população sobre os níveis da água, operadores de hidrelétricas ajustem a gestão de reservatórios e produtores adaptem o manejo agrícola, para citar apenas alguns exemplos”, explica Adriano.
“Além disso, ao combinar imagens de alta frequência com modelos de evapotranspiração – parâmetro que representa toda a água perdida para o ar, que não permanece no solo nem é absorvida pelas plantas – e dados históricos de uso do solo, é possível estimar a disponibilidade hídrica com maior precisão e identificar regiões mais vulneráveis a períodos de seca prolongada”.

O uso de dados de satélite também viabiliza a análise integrada de bacias hidrográficas inteiras, considerando tanto a oferta de água quanto a demanda urbana e agrícola. Com isso, governos podem tomar decisões mais embasadas sobre consumo, distribuição e conservação, antecipando impactos que podem afetar milhões de pessoas.
Estudos mostram que o monitoramento de recursos hídricos permite identificar indicadores precoces de riscos relacionados à água.
“A resolução geográfica e a frequência temporal dos dados de satélite ajudam as agências a localizar onde estão ocorrendo eventos como secas repentinas, enchentes, deslizamentos e vazamentos de óleo — e a compreender as dinâmicas dessas mudanças no dia a dia, especialmente em áreas remotas e de difícil acesso”, ressalta Adriano Junqueira.
Expansão urbana e as cidades sob o olhar do espaço
Segundo o Censo 2022, 87% da população brasileira vive em áreas urbanas. Do total de 203,1 milhões de pessoas da população brasileira, 177,5 milhões (87,4%) residem em áreas urbanas, enquanto 25,6 milhões vivem em áreas rurais. Em relação a 2010, quando o grau de urbanização foi de 84,4%, houve aumento de 16,6 milhões de pessoas morando em áreas urbanas e queda de 4,3 milhões vivendo em áreas rurais.

O crescimento das cidades brasileiras pode ser observado quase em tempo real a partir do espaço, com imagens diárias mostrando novas áreas construídas e alterações no uso do solo, o que permite o acesso a dados estratégicos para planejamento, conforme pontua Adriano. “O acompanhamento contínuo permite detectar tendências, comparar com padrões históricos e apoiar políticas de desenvolvimento sustentável.
Além disso, os dados de satélite ajudam a analisar conectividade entre áreas urbanas e ecossistemas naturais, revelando pressões sobre zonas verdes, rios urbanos e habitats críticos. Isso dá recursos para auxiliar em decisões que integrem desenvolvimento urbano com estratégias de conservação, reduzindo conflitos entre crescimento das cidades e preservação ambiental”.
Vegetação e áreas naturais: dos impactos às oportunidades
A combinação de dados ópticos e índices de vegetação, como o NDVI (Índice de Vegetação por Diferença Normalizada, indicador de sensoriamento remoto que mede a saúde e a vitalidade da vegetação), permite mapear áreas degradadas, florestas em recuperação e pressões sobre ecossistemas sensíveis.
“Essa análise é de grande importância para iniciativas de preservação, restauração ambiental e monitoramento de emissões de carbono associadas ao uso da terra, ajudando a transformar compromissos climáticos em ações concretas”, destaca Junqueira.
Além disso, a análise temporal possibilita acompanhar a regeneração de ecossistemas e mensurar impactos de intervenções humanas, como reflorestamento, restauração de matas ciliares e manejo sustentável de áreas agrícolas. Com isso, governos, empresas e ONGs podem planejar ações com base em evidências sólidas, priorizando locais e estratégias com maior potencial de impacto positivo.
Transparência e dados para decisões estratégicas
Ao integrar diferentes camadas de informação, como cobertura de água, vegetação e uso do solo, é possível identificar correlações complexas, como a relação entre expansão urbana, consumo hídrico e pressões sobre ecossistemas.
“Essa visão integrada oferece uma compreensão mais completa do território brasileiro, permitindo não só reagir a mudanças, mas antecipá-las e mitigá-las com planejamento eficaz. O futuro do Brasil, entre rios que encolhem e cidades que avançam, pode ser visto do espaço, tornando o invisível visível e as ações necessárias mais assertivas”, conclui Adriano Junqueira.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Tribuna, escrito por Daniella Pimenta
