Projeto Ywy Ipuranguete é criado para conservação da biodiversidade em Terras Indígenas

Com investimentos do Fundo do Marco Global para a Biodiversidade, a iniciativa destinará recursos estratégicos para monitoramento ambiental e fortalecimento da governança indígena.

Foto: Rony Elou/MPI

O Projeto Ywy Ipuranguete – Conservação da Biodiversidade em Terras Indígenas, lançado no dia 18 de março pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília (DF), fornecerá apoio a 15 Terras Indígenas por meio da implementação de Instrumentos de Gestão Territorial e Ambiental.

A meta é promover proteção territorial, soberania alimentar, geração de renda sustentável, fortalecimento institucional e preservação das culturas e tradições indígenas. Os objetivos incluem auxílio para a redução do desmatamento e aumento da resiliência climática.

Em alinhamento com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e com o investimento de U$ 9 milhões, a iniciativa destinará recursos estratégicos para monitoramento ambiental e fortalecimento da governança indígena, garantindo que as comunidades tenham condições de proteger e gerir seus territórios de forma autônoma e sustentável. As ações de Gestão Territorial e Ambiental nas Terras Indígenas abrangidas pelo projeto contemplam cinco biomas, nos estados de Mato Grosso Do Sul, Bahia, Ceará, Pernambuco e Pará.

“Hoje vivemos um momento histórico ao colher os resultados de uma ação que foi engavetada após 2016, durante a gestão Temer. Temos cinco biomas contemplados e estamos com o Pampa na mira para as próximas ações do Ministério. O diferencial é que esse projeto também abrange áreas sem processo de demarcação concluído, porque o Estado não pode negar acesso a políticas públicas aos povos indígenas, enquanto aguardam a finalização da demarcação de seus territórios”, defendeu a ministra.

A iniciativa apoiará diretamente as atividades previstas em oito instrumentos de gestão indígena, tais como os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), em 15 Terras Indígenas e nove povos, ampliando a resiliência a pressões externas que degradam o meio ambiente. A implementação dos PGTAs será realizada de forma participativa, com protagonismo dos povos indígenas, expressando suas prioridades e respeitando as particularidades culturais e históricas de cada povo.

Ywy Ipuranguete significa ‘terra bonita’ em tupi-guarani, em referência à fertilidade e rica sociobiodiversidade dos territórios indígenas. Coordenado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e gerido pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), o projeto tem vigência até 2030 e será executado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), com acompanhamento técnico da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

“O total de área contemplada pelo projeto é um pouco maior que a Paraíba e um pouco menor que a Noruega. Com seu conhecimento sobre o uso sustentável de seus territórios, os indígenas precisam de reconhecimento e valorização para que o futuro do país e do planeta esteja garantido”, disse a secretária-geral do FUNBIO, Rosa Lemos de Sá, que definiu a ação como um legado de conservação.

O financiamento é proveniente do recém criado Fundo do Marco Global para a Biodiversidade (GBFF), atualmente gerido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), que também coordena outros fundos voltados para enfrentar os desafios ambientais e climáticos do planeta. O projeto foi aprovado na primeira lista de projetos do GBFF, em junho de 2024.

Durante o evento, o diretor de estratégia e operações do GEF, Claude Gascon, classificou “o projeto como inovador por transferir recursos diretamente para os povos indígenas ao passo que serve de modelo para outros países protegerem a biodiversidade em seus territórios”.

Histórico

A elaboração dos PGTAs e outros modelos de gestão indígena sempre ocorreu de forma autônoma nos territórios indígenas. O grande diferencial do Ywy Ipuranguete é que o projeto garantirá recursos para sua implementação, suprindo uma lacuna histórica em políticas ambientais e indigenistas. Por isso, o Ywy Ipuranguete é um marco para a proteção ambiental e a garantia dos direitos indígenas no Brasil.

Em seu pronunciamento, a minsitra relembrou dos primórdios dos PGTAs, em 2002, primeira oportunidade em que o GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente) apoiou projetos em territórios indígenas. À época, foi desenvolvido o Projeto GATI, antecessor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), pelo movimento indígena, junto com a Funai e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), entre outras organizações. Na oportunidade, foram elaborados 34 projetos de gestão ambiental e territorial, passo que evidenciou a necessidade de ampliar a iniciativa por todos os territórios, com a participação ativa dos povos indígenas na construção de políticas públicas.

A PNGATI foi instalada pelo Decreto 7.747, de 5 de junho de 2012, com o objetivo de proteger, recuperar, conservar e usar de modo sustentável os recursos naturais das terras e territórios indígenas. As diretrizes são fundamentais à garantia dos direitos territoriais indígenas ao expressarem o reconhecimento da autonomia sociocultural e a valorização do protagonismo dos povos indígenas por parte do Estado brasileiro.

Após sete anos de paralisação, a PNGATI foi retomada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023, ano que também foi reinstalado o seu Comitê Gestor, por meio do Decreto 11.512/2023, com a coordenação do Ministério dos Povos Indígenas.

Também segue em tramitação na Câmara dos Deputados projeto de lei da PNGATI (PL nº 4.347/2021), de autoria da então deputada federal Joenia Wapichana, atual presidenta da Funai. Sua aprovação é uma das prioridades do Ministério dos Povos Indígenas. Em junho, o texto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), mas ainda precisa ser analisado pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) antes de passar pelo plenário da Câmara e do Senado.

“O projeto de lei precisa se tornar política de Estado, pois cria parcerias descentralizadas para além da Amazônia. Como Funai, estamos trazendo novos projetos para avançar com a estratégia que são os PGTAs”, defendeu Lucia Alberta da Funai, durante o evento.

Metas

O projeto tem como resultados esperados contribuir para os benefícios ambientais globais ao melhorar a gestão e integridade das TIs, estimadas em cerca de 6,4 milhões de hectares de Terras Indígenas, com gestão em cinco biomas brasileiros (Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica). Tomando como base dados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE, cerca de 57 mil indígenas, dos quais cerca de 50% são mulheres, serão beneficiados.

Alinhado à Convenção das Partes (COP), mecanismo principal da Convenção sobre Diversidade Biológica, que reconheceu o papel dos povos indígenas para a conservação da biodiversidade global, o projeto visa reduzir o desmatamento e a degradação dos habitats naturais, colaborando diretamente para a conservação da biodiversidade, a mitigação das emissões de gases com efeito estufa e o aumento da resiliência destas áreas e populações vulneráveis. A manutenção destes habitats também contribui para a manutenção dos ciclos hídricos nas regiões onde estão localizados. Além disso, a elaboração e implementação dos PGTAs produzirá conhecimento para facilitar a implementação de outros destes instrumentos no futuro, o que auxilia a eficácia da gestão de TI em outras áreas.

O Fundo Global para a Biodiversidade foi criado em 2023 para apoiar a implementação das metas Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework. O acordo foi adotado durante a Conferência da Partes (COP) 15, realizada em 2022, possui 23 metas até 2030 que buscam, em conjunto, atingir quatro objetivos até 2050, tais como a Conservação e Usufruto Sustentável da Biodiversidade e a repartição, inclusive com Povos Indígenas, dos benefícios gerados pela utilização dos recursos genéticos.

“Esse é um momento de convergência de esforços e saberes pela conservação da biodiversidade e equilíbrio do planeta. Além de vivermos uma emergência climática, há grande pressão sobre as Terras Indígenas. Os indígenas são os protagonistas das soluções que tanto precisamos para o planeta e a PNGATI transforma política em ação concreta nos territórios”, afirmou a coordenadora-executiva do IEB, Andréia Bavaresco, organização que será a executora do projeto nos territórios, em apoio aos povos indígenas.

Financiamento direto para os povos indígenas

No mesmo evento, o MPI, representado pela ministra Sonia Guajajara, e o FUNBIO, representado pela sua secretária-geral, Rosa Maria Lemos de Sá, celebraram a assinatura de um Acordo de Cooperação para a criação de um mecanismo de financiamento para a implementação da PNGATI. Trata-se de um mecanismo para o financiamento direto, sem intermediários, para viabilizar a política nacional em longo prazo.

A princípio, o mecanismo de financiamento da PNGATI está em fase de estudos jurídicos, financeiros e de governança com apoio do Funbio, instituição sem fins lucrativos que possui 28 anos de atuação com expertise na arrecadação de recursos para investir em sociobiodiversidade.

O acesso direto a recursos para a implementação da política está em processo de planejamento, e contará com a captação de recursos privados, provenientes de doações nacionais e internacionais, para alavancar as ações voltadas à gestão territorial e ambiental em territórios indígenas. O mecanismo foi inicialmente discutido em reunião do Comitê Gestor da PNGATI, em dezembro, e prevê o desembolso direto para organizações indígenas, reforçando a autonomia dos povos e fortalecendo as capacidades  de concretização.

Conforme informou a secretária-geral do Funbio em dezembro, os recursos virão de doações bilaterais de ONGs, de filantropia e de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e são captados por um mecanismo que recebe o dinheiro vindo do exterior de maneira ágil, transparente e menos burocrática.

Ambos os projetos anunciados no evento são medidas concretas que reforçam a importância do financiamento internacional para a conservação da biodiversidade, para o combate aos efeitos da emergência climática e para a reparação histórica, com a efetivação dos direitos dos povos indígenas, principais atores para as soluções aos desafios globais da atualidade.

Em novembro, a ministra dos Povos Indígenas participou da COP 29 do Clima, em Baku, capital do Azerbaijão. A Conferência, que antecede a COP de Belém, tratou da definição do novo objetivo de financiamento climático. A ministra defendeu o financiamento direto aos povos indígenas e o compromisso dos países desenvolvidos com as decisões do Acordo de Paris. A cúpula reuniu 198 países.

Na Conferência, Guajajara participou de um evento para discutir a promoção dos direitos dos guardiões das florestas e a defesa do aumento do financiamento direcionado aos povos indígenas e às comunidades locais. Em sua fala, ela reforçou o compromisso do governo federal com a demarcação dos territórios indígenas até o fim da gestão e cobrou por mais comprometimento dos países desenvolvidos com as metas de financiamento do Acordo de Paris, para que sejam criadas estruturas e condições para o cumprimento das metas.

Organizações indígenas representadas

A solenidade contou com diversos representantes dos povos indígenas que fazem parte do projeto: Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Pankararu, Tremembé, Terena, Kadiwéu, Guarani Kaiowá, Munduruku e Kayapó. Desde terça, as lideranças indígenas estão em Brasília para participae da oficina inaugural do projeto, realizada até quarta-feira (19).

Também participaram da solenidade a secretária-geral do FUNBIO, Rosa Lemos de Sá; a coordenadora executiva do IEB, Andréia Bavaresco; o diretor de estratégia e operações do GEF, Claude Gascon; a gerente de parcerias do GEF, Adriana Moreira; a substituta da presidenta da FUNAI, Lucia Alberta; deputada federal Célia Xakriabá e representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).

Territórios indígenas contemplados pelo projeto:

Terra IndígenaPovoUFBiomaÁrea (ha)Pop.
Águas BelasPankararuBAMata Atlântica15.10011.565
Barra VelhaPataxó8.242
Caramuru/ParaguaçuPataxó54.100
ComexatibáPataxó28077
Coroa VermelhaPataxó1.500
Tremembé da Barra do MundaúTremembéCECaatinga3.580980
DouradosGuarani-KaiowáMSCerrado3.47413.673
LalimaTerena, Kadiwéu538535,781.311
KadiwéuTerena, KadiwéuPantanal3000,218.299
CachoeirinhaTerenaPantanal/Cerrado73.188
Taunay/IpegueTerena538.535
MundurukuMundurukuPAAmazônia2.381.7959.282
KayapóKayapó3.284.0046.365
Entre SerrasPankararuPECaatinga7550,099.556
PankararuPankararu13.737
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