As dúvidas sobre o boto-do-Araguaia, mais recente espécie de golfinho de rio registrada na Amazônia, vão desde aspectos fisiológicos, até vocalização e biologia.
Além de povoarem os rios e o imaginário popular na Amazônia, eles também instigam a busca por respostas na ciência. Os botos, mais especificamente os da espécie boto-do-Araguaia, ou Inia araguaiaensis, são o foco de um projeto coordenado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), campus Belém. O estudo vai fazer um mapeamento da saúde dos animais, desde aspectos fisiológicos, até vocalização e biologia.
As dúvidas sobre esses animais tem um motivo. O boto-do-Araguaia é a mais recente espécie de golfinho de rio registrada na Amazônia, sendo identificada por cientistas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) somente em 2014. A espécie se soma às já conhecidas nos rios amazônicos: Inia geoffrensis e Inia boliviensis, além da Sotalia fluviatilis.
O lar do Inia araguaiaensis é a bacia Araguaia-Tocantins, que abrange os estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, além do Distrito Federal. No Pará, o polo reúne 45 municípios, entre eles Mocajuba e Cametá, onde serão desenvolvidas as atividades de campo da pesquisa. No total, serão avaliados 14 botos de Mocajuba e 13 de Cametá.
“São regiões que tem recebido muitos turistas, especial em Mocajuba, com a região de mercado, e os animais acostumaram-se com a presença humana, então não sabemos ao certo como essas interações estão sendo demonstradas no aspecto fisiológico dos animais. A priori faremos uma análise hormonal, com a avaliação de dois hormônios, o Cortisol e o sulfato de desidroepiandrosterona (DHEAs), para avaliar o nível de stress, juntamente com pesquisadores que vão fazer a análise acústica, além de coleta de sangue, hematologia, bioquímica, ou seja, toda a saúde desse animal será mapeada pelo projeto, o que nos ajudará a sanar várias dúvidas sobre a espécie”,
explica Layane Maia, doutoranda que integra o projeto e que vai fazer a análise hormonal dos animais.
Apesar do registro científico recente, a espécie já é considerada “vulnerável” e já integra a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. De acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), “vulnerável” é quando uma espécie tem um risco elevado de extinção na natureza, exceto se as circunstâncias que ameaçam a sua sobrevivência e reprodução melhorem.
No caso dos botos, a vulnerabilidade é causada principalmente pelas interações negativas com atividades pesqueiras e pela perda ou destruição de habitat. Outro fator é a questão cultural, o que também é uma preocupação dos pesquisadores do projeto. Além das histórias sobre o homem charmoso, vestido de branco, que aparece em noites de lua cheia para seduzir moças ribeirinhas e depois se transforma em boto, os animais também são vítimas de outras situações.
“Ainda é muito comum o comércio de subprodutos desses animais, de órgãos e tecidos pra diversas finalidades, desde atrativo sexual, amuleto e tratamentos de algumas doenças. Quando vamos à comunidade e levamos os dados científicos, eles conseguem perceber o valor do animal dentro daquele ambiente, o valor ecológico dele. O boto carrega um valor mágico e religioso muito grande, então junto à parte de estudo hormonal e comportamental, é feito um trabalho de educação ambiental e sensibilização. A população está sempre acompanhando o movimento, então conseguimos fazer essa ligação entre a comunidade e a academia. Boto é um animal topo de cadeia, uma sentinela, saber que eles estão ali é um sinal de como está a saúde daquele rio”, explica Layane Maia.
Avaliação
“Esses estudos ajudam a entender sobre aspectos importantes do comportamento da espécie em seu ambiente natural. Isso nos dá subsídios para manejar melhor a espécie, proporcionando resultados mais claros de como deve ser a interação animal-homem. Estudos in situ [na natureza] sempre contribuem bastante para a conservação, pois são sempre muito menos abundantes do que os realizados em cativeiro [ex situ]. Assim, o conhecimento gerado pode fornecer informações inéditas para espécie”,
explica.
A equipe já fez viagens de campo e coletou material para ser analisado. O estudo já foi aprovado pela Comissão de Ética e Uso de Animais (CEUA) da UFRA e deve ter a duração de três anos. “A cada visita estamos adaptando as técnicas de manejo, para causar menos impacto aos animais e também vamos convidar outros profissionais, que já tem experiência nessa contenção, e que podem nos auxiliar durante a pesquisa”, diz o coordenador.
Os recursos do projeto serão aplicados em compra de equipamentos, reagentes, bolsa, logísticas e viagens de campo. O projeto também tem a parceria dos pesquisadores Angélica Rodrigues e Gabriel Melo-Santos, do Instituto Biologia e Conservação dos Mamíferos Aquáticos da Amazônia (BioMA); do professor. Abelardo Júnior da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e do professor Rinaldo Mota, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Parcerias
*Por Vanessa Monteiro, da Ascom Ufra