Instalação do artivista Shaq Koyok, da Malásia, durante COP29. Foto: Climate Heritage Network
A COP29 foi concluída em Baku, no Azerbaijão, após duas semanas de negociações tensas. Ao longo de 30 horas, o encontro foi marcado por desentendimentos sobre a questão principal da COP: o financiamento da emergência climática. O resultado levou representantes de países em desenvolvimento a protestarem e contestarem o acordo.
Apesar dos enormes esforços dos defensores da cultura, os negociadores da COP, infelizmente, perderam a oportunidade de uma negociação favorável para o planeta e os seus povos, não conseguindo nem mesmo dar um pequeno passo em direção ao objetivo central do Apelo Global de abordar a falta de preocupação com os aspectos culturais dentro das políticas e planejamento climáticos internacionais.
No final, os delegados conseguiram garantir uma única referência à cultura nas decisões da COP. Esta referência pode ser encontrada na polêmica decisão do Programa de Trabalho de Mitigação, onde a discussão sobre “cidades: edifícios e sistemas urbanos” salienta a “necessidade de adaptar soluções aos contextos socioculturais e econômicos”. Esta inclusão baseia-se no amplo envolvimento do Grupo de Trabalho 3, encabeçado pela Cultural Heritage. Este esforço será ampliado em 2025 através da nova iniciativa “Imaginando futuros descarbonizados”.
Outro ponto alto para os delegados de cultura na COP tratou-se do reconhecimento que a cultura tem potencial para ser aliada na ação climática. O destaque foi feito na reunião ministerial sobre cultura e clima. Como resultado, ficou o compromisso de conquistar um plano de trabalho específico na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC.)
Uma uma série de eventos paralelos valiosos aconteceu, incluindo o Fórum Cultura e Clima, diversos eventos no Azerbaijão, como o ICESCO, instituições climáticas regionais, o Hub da Resiliência, além de ações em países como o Emirados Árabes Unidos, a Itália e a Grécia. Também houve forte presença de advocacy coordenado e energizado por defensores das artes, da cultura e do património que alcançaram os mais altos níveis da COP.
Nosso objetivo político central: solicitação de uma oficina cultural
A dimensão sociocultural é reconhecida, ao mesmo tempo, como uma barreira fundamental e como facilitadora da ação climática – mas a cultura recebe pouca atenção em comparação com outras condições facilitadoras, como o financiamento e a inovação tecnológica. A única referência da COP29 à cultura na decisão do Programa de Trabalho de Mitigação é uma exceção que provou mais uma vez a regra em Baku.
Para finalmente mudar este paradigma, antes da COP28 em 2023, milhares de organizações e líderes apoiaram o Apelo Global para Colocar o Patrimônio Cultural, as Artes e os Setores Criativos no Centro da Ação Climática, que apelam aos negociadores climáticos na COP para permitirem que a cultura contribui plenamente para soluções climáticas. A COP28, em Dubai, deu, então, um passo importante nesta direção com o lançamento do Grupo de Amigos da Ação Climática Baseada na Cultura, uma coligação internacional de membros da UNFCCC (o órgão das Nações Unidas responsável pelo clima e cuja sede fica em Bona, na Alemanha) que defende uma ação climática baseada na cultura.
Este ano, a campanha Apelo Global buscava unir entidades não-estatais e países membros do Grupo de Amigos em torno de uma proposta para incluir algumas palavras no documento final da COP29, expressando um pedido da COP para que os Órgãos Subsidiários da UNFCCC realizassem um ou mais workshops sobre questões relacionadas com a cultura e o patrimônio em 2025. Porém, a proposta não foi para frente.
Este passo aparentemente pequeno teria sido fundamental para uma decisão cultural mais signifcativa na COP30, levando a um Joint Work (JW) sobre cultura e ação climática em 2026. Os poucos avanços em Baku impediram que, em 2026, houvesse o primeiro plano de trabalho para a cultura.
A apresentação e adoção de uma Joint Work (JW) é um objetivo fundamental da campanha de Apelo Global. O fracasso da COP29 em proporcionar workshops culturais durante o evento torna mais difícil garantir que esta vitória da cultura ocorrerá na COP30 em Belém, Brasil. Também perde-se a oportunidade de entender o poder da cultura para impulsionar metas mais ambiciosas para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs do inglês Nationally determined contributions), compromissos que os países assumem para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
2ª Reunião Ministerial de Alto Nível sobre Ação Climática Baseada na Cultura
O Grupo de Amigos da Acção Climática Baseada na Cultura reuniu-se em Baku na 2ª Reunião Ministerial de Alto Nível na COP29, que teve lugar em 15 de Novembro de 2024. Esta reunião foi co-patrocinada pelo Ministério da Cultura do Azerbaijão e os copresidentes do Grupo de Amigos, Brasil e Emirados Árabes Unidos.
Num passo positivo, a Reunião Ministerial adotou Termos de Referência para o Grupo de Amigos que declararam que o objetivo do Grupo é o lançamento do primeiro Programa de Trabalho sobre Ação Climática Baseada na Cultura. A campanha Apelo Global instou os ministros a transformarem estas palavras em ações, decidindo trabalhar coletivamente para a inclusão de um pedido de workshop cultural nas decisões finais da COP29. A necessidade urgente desta ação foi fortemente expressada por Sua Alteza Real, da Jordânia, Enviada Especial da Rede do Patrimônio Climático para o Diálogo Ministerial.
O pedido do workshop cultural também atraiu o apoio de países membros do Grupo de Amigos, como Malta e Espanha. No final, porém, a Reunião Ministerial terminou sem decidir apoiar a cultura na decisão final da COP29.
A atenção agora se volta para a COP30 no Brasil
A COP29 foi uma oportunidade crítica para lançar as bases para a adoção, na COP30, de uma decisão de trabalho conjunto destinada a reforçar as ligações entre o clima e a cultura. O fracasso em fazê-lo deixa um caminho incerto para garantir uma vitória política para a cultura na COP30, criando o risco de que aquela que se espera ser a COP mais cultural da história não consiga, no entanto, preencher a lacuna cultural na política climática.
Uma lição da COP29 é que concretizar o potencial do Grupo de Amigos requer uma estratégia mais sofisticada. Para atingir nosso objetivo comum, um Plano de Trabalho para a Cultura precisaremos de um apoio robusto nas capitais nacionais e em todo o mundo. Por esta razão, o Apelo Global, sob a liderança de Alison Tickell da organização Julie’s Bicycle, reiniciará a sua campanha dirigida ao público em 2025, com o objetivo de criar um movimento público para colocar a cultura no centro da ação climática, para que os governos nacionais não possam ignorar.
Um primeiro teste ocorrerá em junho de 2025, quando os órgãos subsidiários se reunirem em Bonn, na Alemanha, para reuniões semestrais denominadas “SB62”. No SB62 será crucial garantir um sinal de que a cultura estará na agenda da COP30. Os intervenientes não estatais estão prontos para ajudar os governos nacionais a alcançarem este objetivo. Esforços como estes poderiam ajudar a garantir que o Brasil será lembrado como o lugar onde a lacuna cultural sistêmica da política climática foi finalmente preenchida.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Nonada Jornalismo, escrito por Andrew Potts, membro do Comitê Diretor da Climate Heritage Network