Mercúrio usado em garimpos ilegais na Amazônia entra por fronteiras com a Guiana e Bolívia

Relatório aponta que o Brasil é um dos principais destinos do mercúrio contrabandeado na América do Sul, usado principalmente em garimpos ilegais.

Mercúrio usado por garimpeiros na Terra Yanomami é apreendido em operação do Ibama. Foto: Reprodução

mercúrio usado em garimpos ilegais da Amazônia entra no Brasil por rotas de contrabando que passam, principalmente, pelas fronteiras com a Bolívia e a Guiana, segundo um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

O estudo aponta ainda que o Brasil é um dos principais destinos do mercúrio contrabandeado na América do Sul, usado principalmente em garimpos ilegais.

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A Guiana é a principal origem do mercúrio encontrado em Roraima, segundo o estudo. O país faz fronteira com o Brasil pelo município roraimense de Bonfim, ao Norte. O metal é usado em garimpos ilegais nas terras indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol, os maiores territórios indígenas do país e que vivem as consequências da atividade ilegal.

O mercúrio contrabandeado da Bolívia é usado com mais frequência em balsas no rio Madeira, em Rondônia, alvo do garimpo ilegal. Além de áreas de exploração em Mato Grosso, como na Terra Indígena Sararé.

Usado por garimpeiros para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo “limpo”, o mercúrio é um metal altamente tóxico ao ser humano. Após ser usado pelos garimpeiros, o mercúrio é jogado nos rios, causando poluição ambiental. Assim, entra na cadeia alimentar dos animais e afeta diretamente a saúde da população, principalmente os povos tradicionais.

Como consequência, o mercúrio no organismo pode causar graves problemas de saúde que afetam o sistema nervoso. O metal líquido fica retido no organismo devido à capacidade de bioacumulação.

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Rota pela Guiana

O relatório aponta que a rede de distribuição de mercúrio se espalha pela Guiana e por Roraima, com diversos pontos de venda e transporte.

Em Georgetown, capital da Guiana, o mercúrio é vendido tanto no atacado quanto no varejo. Entre a cidade e Boa Vista, capital de Roraima, empresas e pessoas transportam o produto pelos dois lados da fronteira.

“Atualmente, trata-se de comércio discreto, que pressupõe relação de confiança entre comprador e vendedor, os quais geralmente se conhecem ou são postos em contato por conhecido em comum. Diante de pessoas desconhecidas, revendedores do produto negam possuí-lo”, diz o estudo.

O mercúrio é transportado em dois tipos de recipientes: de aço, com cerca de 34 kg, e garrafas de plástico com 1 kg, chamadas de “pitchulas”.

De Georgetown, o produto segue para Lethem, cidade da Guiana na fronteira com Bonfim, município ao Norte de Roraima. As duas são consideradas cidades-gêmeas, por estarem ligadas pela divisa.

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Georgetown, a capital da Guiana. Foto: Amanda Mclean/Rede Amazônica

Segundo o relatório, a fiscalização policial e alfandegária é frágil nos dois lados da fronteira, “não havendo presença efetiva que dissuada o cometimento de ilícitos fronteiriços”.

O transporte dentro da Guiana ocorre com vans de turismo, que escondem o mercúrio entre eletrônicos e alimentos. Também há envio por avião, em aeronaves fretadas ou de empresas que levam materiais de mineração.

A entrada do mercúrio no Brasil ocorre principalmente pela ponte sobre o rio Tacutu, com apoio de olheiros e veículos batedores que aproveitam horários sem vigilância da Receita Federal ou da Polícia Federal. Também há casos de transporte por barcos e aviões clandestinos em áreas próximas à divisa.

Após cruzar a fronteira, o mercúrio é levado para Boa Vista em carros particulares ou táxis, escondido em fundos falsos, sob bancos ou perto do estepe. O estudo apontou que no trajeto entre Bonfim e Boa Vista, olheiros e motoristas trocam sinais de farol para avisar sobre fiscalizações.

Em Boa Vista, há vários revendedores que vendem o mercúrio a consumidores finais, de acordo com o estudo. De lá, o produto segue para os garimpos da Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas.

Cercado pela densa floresta amazônica, o território Yanomami é de difícil acesso. O envio do mercúrio para os garimpos ilegais é feito por avião ou barco, junto com combustível e alimentos.

O metal é levado em garrafas plásticas para reduzir o peso, facilitar o transporte e permitir o uso por várias semanas. O relatório aponta que a operação de retirada dos garimpeiros, iniciada em 2023, alterou a dinâmica com bloqueios em rios e estradas e redução da atividade ilegal na região.

Ele também mostra que o mercúrio vindo da Guiana também abastece a mineração no sul da Venezuela. Ele entra por Bonfim, é armazenado em Boa Vista e depois levado até Pacaraima, cidade roraimense na fronteira com o país venezuelano, em táxis legais ou clandestinos.

Leia também: Mercúrio é detectado em peixes do rio Madeira; estudo alerta ribeirinhos para riscos à saúde

Rota pela Bolívia

O mercúrio vindo da Bolívia entra no Brasil principalmente por terra, passando por cidades de fronteira em Rondônia Mato Grosso. Nas cidades bolivianas, o mercúrio é de fácil acesso.

De acordo com o relatório, as rotas usadas para levar mercúrio em Rondônia também servem para contrabando de cigarros e drogas. O principal fluxo de mercúrio para estado começa em Riberalta, na Bolívia. De lá, o produto segue para Guayaramerín, cidade-gêmea e Guajará-Mirim (RO).

“Para evitar a polícia e embaraços alfandegários, os contrabandistas que atuam na região de Guajará-Mirim se valem da existência de diversos portos clandestinos. O mercúrio, transportado em garrafas PET e frascos pequenos, atravessa o Rio Mamoré em pequenas embarcações até a margem brasileira”, explicou.

buraco deixado na terra yanomami por garimpo de mercúrio
Buracos deixados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami. Foto: Samantha Rufino/Rede Amazônica RR

De Guajará-Mirim, o mercúrio segue para Porto Velho, capital rondoniense, e depois pode ser levado até Itaituba (PA), o sul do Amazonas e outras áreas de garimpo no país. Outras rotas passam pelo município de Nova Mamoré e os distritos Vila Iata e Murtinho, em Rondônia.

Em Mato Grosso, o mercúrio entra pela fronteira em dois principais pontos: as cidades bolivianas San Matias e San Ignacio de Velasco, e os municípios de Cáceres (MT) e Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), a rota mais usada pelos contrabandistas.

O transporte é feito por terra e rios. Por terra, os contrabandistas usam estradas de chão, conhecidas como “cabriteiras”, e rodovias pavimentadas. O metal segue pelos rios Paraguai e Guaporé.

O relatório também aponta indica entradas pontuais de mercúrio vindas da Colômbia, do Peru e da Guiana Francesa, que abastecem garimpos próximos às fronteiras com esses países.

*Por Yara Ramalho, da Rede Amazônica RR

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