Um estudo listou 22 registros da espécie nos últimos 25 anos. A hipótese dos pesquisadores é a sua perda de habitat, desmatamento e o processo de savanização da Amazônia
O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) é o maior animal carnívoro da América do Sul, geralmente visto em áreas da região do cerrado, chaco e pampa. Sua distribuição geográfica é limitada ao norte pelas florestas do bioma Amazônico, e a nordeste pelos biomas da Caatinga e Mata Atlântica, além de habitar nos campos no sul do país.
No entanto, um estudo recente realizado pela Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) e do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA) apontou registros inéditos da espécie na Amazônia. A pesquisa registrou 22 ocorrências de Guará na Amazônia, em 25 anos. Destas 25 aparições, 10 delas são novos registros, com isso expandindo a distribuição da espécie em 51 mil km².
Os novos registros foram obtidos a partir de pegadas, observação direta e animais atropelados em rodovias. Os atropelamentos foram registrados durante deslocamento em rodovias dentro dos limites do estado de Rondônia, principalmente no trecho de aproximadamente 200 km da BR-364, que liga os municípios de Vilhena e Cacoal.
“Nossos dados levantam a hipótese de que o lobo-guará vem passando por um processo de expansão da distribuição, haja vista que registros da espécie nessas novas áreas têm sido muito recentes”, afirma Almério Câmara Gusmão, da Unemat, um dos autores do estudo.
O animal pode chegar a 90 centímetros de altura e com peso entre 20 a 33 kg. Apesar de ser considerado uma espécie onívora, o lobo-guará é um importante dispersor de semente e alta capacidade de deslocamento. Um único indivíduo da espécie pode ocupar uma área de até 115 km².
Em contexto histórico, o bioma amazônico seria o limite para a ocorrência do lobo-guará, entretanto, com a ocupação humana em regiões do Cerrado tem causado sérias modificações na paisagem natural nos últimos 50 anos. A vegetação de floresta úmida nativa foi alterada para pasto e monocultura de grãos, tornando-se terreno propício para a propagação de espécies típicas da savana, como a lobeira, ou fruto-do-lobo (Solanum lycocarpum), uma espécie de tomate selvagem. Curiosamente, esse fruto é um dos principais alimentos da dieta do lobo-guará.
Com as mudanças do ambiente amazônico vindas do desmatamento e monoculturas de grãos, estão proporcionando um ambiente acessível ao animal, que vai em busca da fruta-do-lobo.
Mas por que isso seria um problema ?
Bom, o lobo-guará não é uma espécie que “se dê muito bem” na floresta amazônica, por seu habitat natural ser lugares como campos e regiões de savana, como o caso dos biomas cerrado e pampa. A perda da região amazônica, e o processo de savanização, está trazendo preocupações para os pesquisadores. O Cerrado está “invadindo” o bioma Amazônia, de acordo com estudos, o processo da savanização da região pode ser irreversível.
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O avanço do desmatamento no bioma amazônico brasileiro devido à pecuária e a expansão da agricultura, indicam uma perda de 40 % de cobertura florestal nos próximos 30 anos.
Além disso, o lobo-guará é considerado quase ameaçado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e “vulnerável” pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O Cerrado, sua principal morada, perdeu 28,5 milhões de hectares de vegetação nativa entre 1985 e 2019, sendo o bioma que proporcionalmente mais viu a sua área desaparecer, segundo levantamento do MapBiomas.
Em termos de hectares, a Amazônia foi o bioma mais afetado e o Brasil, como um todo, perdeu no mesmo período o equivalente a 10% do território nacional em áreas de vegetação nativa. A perda de habitat natural é a ameaça mais significativa para o maior canídeo da América do Sul. Estima-se uma população de 24 mil indivíduos no Brasil, com apenas 4% vivendo em ambientes conservados.
A transformação das áreas naturais de ocorrência do lobo-guará em áreas urbanas ou agropecuárias potencializa ameaças à espécie. A diminuição da qualidade dos ambientes, com menos presas e menos frutos disponíveis, acaba trazendo ao encontro de humanos, aumentando os atropelamentos em rodovias, além de adquirir doenças resultantes da proximidade com animais domésticos e conflitos com humanos, que podem ser vistos como ameaça pelas pessoas. Além disso, os lobos-guará são considerados predadores de galinhas e outras aves de criação.
A fragmentação da vegetação nativa impede o acesso a áreas adjacentes, atrapalhando a conectividade e fazendo com que certas populações fiquem isoladas. Sujeitas à reprodução consanguínea, essas populações correm o risco de perder a diversidade genética e até de sumir.
*Para ter acesso ao estudo, basta acessar o link: https://bit.ly/3BcE3TY