Tronco de árvore queimada em uma área da floresta amazônica no estado de Rondônia. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama via Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0)
Em 2025, a agenda ambiental brasileira caminha em uma encruzilhada. Enquanto os olhos do mundo se voltam para a cidade de Belém (PA), futura sede da Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP30), em novembro, vários alarmes soam na Amazônia em resposta a um aumento excessivo nos números de desmatamento.
Apenas no mês de maio, a derrubada de floresta atingiu 960 km², um aumento de 92% em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente.
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As cifras, no entanto, pintam um quadro ainda mais chamativo: monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já havia indicado em abril um aumento de 55% nos alertas de desmatamento este ano, dando a entender que uma tendência crescente — e em larga escala — estaria em andamento.
As previsões foram corroboradas em julho em um relatório semestral do governo, também baseado em análises do Inpe: entre janeiro e junho de 2025, um total de 2.090 km² de áreas da floresta amazônica esteve sob alertas de desmatamento, um número que supera as estatísticas do primeiro semestre de 2024 em 27%; o valor também é o mais alto para o período desde 2023.
Em nota, a pasta do Meio Ambiente disse que, durante os primeiros seis meses do ano, “as áreas sob alerta de ‘desmatamento com vegetação’, que correspondem a locais atingidos pelo fogo, cresceram 266%” na comparação ao mesmo período do ano anterior.
Autoridades, agora, tentam desvendar o quebra-cabeça para entender os motivos por trás dos números em alta. O caso intriga especialistas à medida que os relatórios trazem alguns aspectos atípicos: no começo de junho, quando expôs os dados em coletiva de imprensa, o secretário-executivo do Ministério, João Paulo Capobianco, disse que mais da metade (51%) do desmatamento detectado nos primeiros meses do ano se deu em trechos de floresta que já haviam sido queimados.
O problema ganha força de forma acelerada ano após ano: partindo de uma média de 6,6% entre 2016 e 2022, a parcela de área queimada no montante total de floresta perdida saltou para 21% em maio de 2024, até atingir os níveis recordes registrados no início de 2025.
Nas palavras de Capobianco, o governo brasileiro está frente a frente com um “fato novo”. Segundo ele, “o impacto dos incêndios florestais ao longo da história foi relativamente baixo sobre a taxa de desmatamento”. Esse padrão, no entanto, tem se alterado. “Agora, com o agravamento das mudanças climáticas, com a maior fragilidade da cobertura florestal, primária inclusive, estamos começando a assistir a uma mudança de cenário que comprova os alertas que vinham sendo feitos pela ciência (…)”, disse.
Do ponto de vista do poder público, explicar o que ocorre na Amazônia é tão importante quanto encontrar soluções para evitar uma avalanche de más notícias climáticas na antessala da COP30. Mais ainda, o momento atual é particularmente desafiador para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem na conservação ambiental um dos pilares de seu terceiro mandato, iniciado na sequência dos anos de desmonte ambiental sob Jair Bolsonaro (2019-2022).
Embora o desmatamento na Amazônia tenha caído 30% já nos primeiros anos desde a volta de Lula (considerando dados que vão de agosto de 2023 a julho de 2024, no que se tornou o menor nível em nove anos), os últimos relatórios colocam um ponto de interrogação no horizonte do governo. Para aumentar a dor de cabeça das autoridades, a próxima compilação anual deve ser anunciada às vésperas da conferência em Belém — e, caso os números tragam um panorama negativo, questionamentos sobre a situação do maior bioma brasileiro serão inevitáveis.
Como o fogo redefine a crise do desmatamento
Segundo Capobianco, análises técnicas recentes confirmam alertas trazidos pela ciência. “A floresta tropical, que é naturalmente imune a grandes incêndios pela sua umidade, está sofrendo um impacto muito grande das mudanças climáticas, reduzindo a sua resistência a incêndios e se tornando mais vulnerável. Os dados infelizmente começam a aparecer nas estatísticas”, disse o secretário, em junho.
O governo federal já trabalha há um bom tempo com a hipótese de que muitos desses incêndios são criminosos. Muitos desmatadores se aproveitam da baixa fiscalização para incendiar a floresta como forma de acelerar o processo de derrubada e “limpeza” de vastas áreas de vegetação nativa.
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A Mongabay questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre se os incêndios criminosos já são observados por autoridades como uma “nova tática” para a subtração da floresta. A pasta não respondeu especificamente à pergunta enviada, mas reiterou a preponderância inédita de incêndios nos estudos recentes sobre desmatamento.
A luta contra as chamas se tornou uma prioridade para o Brasil nos últimos tempos. Em 2024, uma “guerra” foi anunciada contra uma epidemia de focos de incêndio que ameaçou não apenas a Amazônia, mas também os biomas do Cerrado e do Pantanal — ambos igualmente biodiversos. Estudos mostraram que o fogo também foi o principal agente de destruição em áreas de Mata Atlântica.
Os esforços não pararam em 2025. Entre fevereiro e março, para se antecipar a uma nova temporada de incêndios, o governo decretou emergência ambiental em diversas áreas vulneráveis às queimadas florestais. Em seguida, foi dada a largada a uma campanha nacional de prevenção aos incêndios — essa, com foco em regiões amazônicas e desenvolvida em parceria com estados e municípios. A iniciativa, segundo o documento, tem o objetivo de “conscientizar a população local sobre as consequências das queimadas não autorizadas”.

No entanto, nenhum dos alertas recentes foi tão a fundo nas reais dimensões da crise como o Relatório Anual do Fogo, desenvolvido pelo MapBiomas. Divulgado no final de junho, o estudo revelou que a Amazônia registrou, em 2024, a maior área queimada desde 1985 (ano inaugural da série histórica), destacando-se como “o bioma que mais queimou no país” no último ano.
“Foram aproximadamente 15,6 milhões de hectares queimados, um valor 117% superior à média histórica. Essa área correspondeu a 52% de toda a área nacional afetada pelo fogo em 2024, tornando a Amazônia o principal epicentro do fogo no Brasil”, diz a análise.
Os dados e inferências trazidos em junho aumentam a preocupação de especialistas sobre a correlação entre o atual surto de incêndios e o crescimento do desmatamento.
Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), diz que diferentes condições ambientais transformaram a floresta em uma “presa fácil” para incendiários oportunistas.
“Em 2024, como a floresta estava seca, inflamável e propensa à propagação do fogo, o bioma criou uma ‘oportunidade’ para grileiros e outros interessados em invadir a área e mudar o status da floresta usando o fogo”, disse, em entrevista à Mongabay. “As condições climáticas permitiram essa estratégia: usar o fogo como ferramenta direta para converter floresta em ‘não-floresta.’”
Segundo a especialista, queimar a natureza se tornou uma forma mais segura para quem busca limpar os terrenos de mata e escapar impune. “[Usar o fogo nesse contexto] ofereceria aos criminosos menos risco, por exemplo, de ser pego em flagrante. É diferente do caso do desmatamento ilegal [tradicional], que exige que os desmatadores tragam pessoas, maquinário, etc. Muitas pessoas que querem desmatar ilegalmente se beneficiam das condições do bioma — e usarão o fogo para isso.”
Incêndios florestais: novos padrões, novos riscos
Em seu novo relatório, além da enorme extensão de área queimada, o MapBiomas cita uma “mudança em termos qualitativos.” De forma inédita, a vegetação florestal foi a classe de cobertura mais afetada pelo fogo na Amazônia — foram 6,7 milhões de hectares de floresta atingidos diretamente pelas chamas em 2024, o equivalente a 43% da área queimada em todo o bioma; o patamar também supera a quantidade de pastagem queimada (33,7%).
“Historicamente, as pastagens sempre haviam sido a classe mais atingida pelo fogo”, diz a pesquisa.
Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, essas alterações chamam a atenção ao revelarem um novo método de degradação florestal. Isso, por sua vez, traz perigos adicionais para um bioma que se torna, nas palavras do especialista, “cada vez menos resiliente.”
“Incêndios [geralmente] ocorrem depois que a floresta é desmatada”, disse. “Alguém entra em uma área, derruba a floresta e a incendeia, dando início ao processo de ‘limpeza’ do local. Agora, o que surpreende em análises recentes é que essas florestas estão sendo queimadas antes mesmo de serem desmatadas”.
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A crise que faz a Amazônia arder não se limita às fronteiras do Brasil. Nos últimos anos, o fogo vem se espalhando, e de forma agressiva, por todos os nove países amazônicos da América do Sul, mostrando a face continental da crise. Em 2024, mais de meio milhão de focos de incêndio foram registrados na porção sul das Américas — os números mais altos em 14 anos.
Astrini diz que essa dinâmica pode manter a floresta em um ciclo de destruição que se retroalimenta.
“Estamos falando de partes da floresta que estão sendo derrubadas ainda vivas, acelerando o processo de desmatamento. E essa ação acelerada, como observado pelas autoridades, acontece à medida que as regiões inteiras se tornam cada vez mais quentes, mais vulneráveis e mais expostas à perda florestal. A agressão contínua à floresta, juntamente com o aquecimento global, torna o bioma menos resiliente. O resultado: torna-se fácil desmatar a Amazônia usando fogo”, diz o secretário.
Fogo e agricultura impulsionam a degradação do solo no sul da Amazônia
Ações, desafios e oportunidades às vésperas da COP
À medida que o desmatamento avança na Amazônia, e enquanto a COP30 se aproxima, o Brasil busca soluções para um problema incômodo.
O primeiro item de um novo pacote de ações foi anunciado em junho, quando o presidente Lula confirmou a liberação de 825,7 milhões de reais do Fundo Amazônia para reforçar a fiscalização da floresta. Foi o maior repasse financeiro já concedido pelo fundo desde a criação da iniciativa, em 2008.
O governo diz que o plano, com duração prevista de 60 meses, visa “ampliar a presença do Estado” na Amazônia, bem como “modernizar a resposta ao desmatamento ilegal.” O programa inclui a compra de grandes equipamentos, como helicópteros e drones, além da instalação de centros de treinamento e monitoramento e o uso de sistemas de inteligência artificial para fiscalizar áreas remotas de difícil acesso.

Magno Botelho Castelo Branco, professor de Mudanças Climáticas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, fala em um ajuste de expectativas.
“Em certa medida, sempre há a percepção de que os governos [em exercício] podem fazer mais”, disse. “No entanto, o governo brasileiro conta com alguns elementos que jogam a seu favor: a atual gestão pode mostrar que está investindo mais, que as taxas [de desmatamento] caíram em geral e que a mudança climática é algo que frequentemente foge ao controle. Além disso, os países mais ricos são emissores históricos [de gases de efeito estufa]. Caso notícias ruins [sobre desmatamento] surjam [perto da COP], pode ser o momento de pedir mais apoio”.
Botelho se diz preocupado com a mudança nos padrões de desmatamento na Amazônia. Para ele, isso também reforça a necessidade do Brasil manter suas metas de “desmatamento zero” até 2030 — ainda que o objetivo se mostre desafiador.
“As metas são ambiciosas, utópicas, mas precisam ser buscadas. Enquanto isso, o Brasil precisa dizer ao mundo que a Amazônia é gigante e que lidar com a crise dentro dela não é fácil. E dizer aos países preocupados com a destruição da floresta que eles também têm potencial para contribuir muito mais, inclusive destinando verba ao Fundo Amazônia”, disse.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Lucas Berti
