Há menos de um ano da seca histórica que deixou milhares de ribeirinhos sem água e paralisou operações de uma das maiores hidrelétricas do Brasil, o rio Madeira entrou em “cota de alerta” após ficar abaixo dos 5 metros em Porto Velho (RO), conforme a Defesa Civil Municipal. Nos 15 primeiros dias de junho, o nível do rio diminuiu quase 3 metros.
Especialistas acreditam que os meses de agosto e setembro poderão apresentar o ápice da estiagem em 2024. Desde o início de junho, o nível do Madeira tem diminuído na capital, segundo dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Em 20 dias, a cota do afluente caiu de 8,23 metros (1° de junho) para 4,15 metros registrados no dia 19 de junho (até o momento essa é a menor cota de 2024).
Com o avanço da seca, ribeirinhos relataram apreensão, e poços começaram a ser escavados em comunidades ribeirinhas. A seca extrema que o Norte enfrenta desde outubro do ano passado, está relacionada a dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas — comprometendo o nível do manancial.
- Oceano Atlântico Norte mais aquecido que o normal, e mais quente que o Atlântico Sul.
- Fenômeno El Niño, que causa atrasos no início da estação chuvosa e enfraquecimento das chuvas iniciais do período.
Em resposta a essa queda, a Defesa Civil Municipal decretou “cota de alerta”: medida adotada quando o nível do rio Madeira fica abaixo de 5 metros. No mesmo período, em 2023, o rio estava 4 metros acima dessa marca, com 8,39 metros — a média para o mês é de 7 a 8 metros.
Seca mais severa e alerta
Especialistas do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) apontam que a seca será mais severa neste ano. Com a formação de bancos de areias, o retrato da crise hídrica já pode ser vistos ao longo do afluente.
Segundo o boletim hidrológico da Bacia do Rio Madeira (SAH Madeira), a tendência é que o processo de vazante no Rio Madeira em Porto Velho continue.
A vazante é a fase em que o nível da água do rio reduz, processo que ocorre geralmente após um período de cheia, caracterizada pela redução gradual do volume de água que flui pelo curso do rio.
Em todos os pontos de monitoramento do SAH Madeira, os níveis do afluente estão abaixo da faixa de normalidade para este período do ano. Em Jirau-Jusante Beni, o rio apresenta a cota histórica mais baixos registrada para a temporada.
Esse processo de “seca” está relacionado as precipitações de chuvas observadas nos últimos dias e previstas para as próximas semanas em pontos de monitoramento do Madeira, conforme informações do SGB.
Baixos índices de chuva
Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os índices de chuva estão abaixo da média em Rondônia. Em Porto Velho, por exemplo, ainda não houve acumulado de chuvas em junho. No ano de 2024, essa redução das precipitações iniciou em maio: período que marca o início da transição da estação chuvosa para a estação seca na região Amazônica.
Segundo o doutor em geografia e hidrossedimentalogia, Michel Watanabe, a previsão de chuvas para o período de estiagem deste ano é menor em comparação com o ano de 2023.
O boletim do tempo do Inmet para os próximos dias indica muito sol e possibilidade de chuva reduzida em todo o estado de Rondônia. No entanto, no oeste de Rondônia, pode chover isoladamente em algumas áreas.
Eventos climáticos
A redução dos níveis dos rios causado pelas baixas precipitações, continua relacionado ao evento climático que assolhou a região Norte, fez o Madeira chegar a níveis críticos e que inibe a formação de nuvens e chuvas: o El Niño.
Tradicionalmente, o fenômeno El Niño causa secas no Norte e Nordeste do país — e chuvas abaixo da média — principalmente nas regiões mais equatoriais; além de provocar chuvas excessivas no Sudeste e Sul do país. O El Niño é a fase positiva do fenômeno chamado El Niño Oscilação Sul (ENOS). Ou seja, quando ele está em atuação, o calor é reforçado no verão e o inverno é menos rigoroso.
Conforme o Censipam, o fenômeno está perdendo intensidade sobre a região do Pacífico Equatorial e deve passar por uma fase de neutralidade antes de se configurar como La Niña, sua fase oposta. Mesmo com a perda de intensidade, ele ainda deve exercer influência sobre o clima de Rondônia.
Segundo o International Research Institute for Climate and Society, os dois fenômenos, El Niño (EN) e La Niña (LN), têm as seguintes características:
- tendem a se desenvolver entre abril e junho;
- duram entre 9 e 12 meses;
- atingem o pico entre outubro e fevereiro;
- podem persistir por até aproximadamente 2 anos;
- recorrem em intervalos de 2 a 7 anos.
De acordo com meteorologistas do Censipam, a La Niña comece a se manifestar sobre o Pacífico Equatorial entre julho e setembro, mas os efeitos dessa mudança climática devem demorar a ser percebidos no estado, sendo mais evidentes próximo ao final deste ano (2024).
Aquecimento do oceano
O segundo fenômeno afetando a Amazônia é o aquecimento anormal das águas do Oceano Atlântico, que também reduz a quantidade de chuva na região.
Com a água dos oceanos mais quente, as correntes ascendentes carregam ar aquecido para a atmosfera. Esse ar segue até a Amazônia por meio de duas correntes descendentes, onde vai diminuir a chuva.
O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos explica que, no setor mais a oeste, onde está localizado o rio Madeira, o Dipolo do Atlântico acaba tendo maior influência, pois esse aquecimento maior das águas do Atlântico Norte desfavorece a formação de nuvens de chuva sobre esta região.
Escavação de poços em comunidades ribeirinhas
Maria de Fátima mora na comunidade ribeirinha Terra Firme, na região do Baixo Madeira, em Porto Velho. Ela relata que ver o rio secando dia após dia é desesperador e afirma que neste ano a seca será mais severa do que em 2023.
“É desesperador, ta ficando muito dificil para a gente aqui da comunidade. Estamos achando que vamos ficar “ilhados” nesse ano. A seca está pior do que de 2023″, explica.
Outra preocupação é o acesso à água. Atualmente, a população da comunidade busca lugares onde há minas de água, que podem desaparecer com a seca do rio, segundo a moradora.
Uma alternativa encontrada pela administração municipal é a escavação de poços artesianos nas regiões do Baixo Madeira: cerca de cinco comunidades serão atendidas. Os estudos para a perfuração começaram nas localidades de Terra Firme e Papagaios. Em seguida, será a vez de Santa Catarina, Calama e Demarcação.
Após a identificação dos locais, serão escavados os poços e construídos os sistemas de captação, armazenamento e abastecimento de água nessas localidades, de acordo com a Prefeitura de Porto Velho.
Esse trabalho de identificação de locais adequados para perfuração é garante volume e qualidade de água. Os métodos aplicados se baseiam em encontrar o topo da coluna da água subterrânea através de pulsos elétricos emitidos no solo. Geralmente, o processo é rápido e fácil de se realizado.
Recuperação de nascentes
O especialista em geografia e hidrossedimentalogia, Michel Watanabe, explica que com os baixos volumes de chuva em várias regiões do estado, é possível que os reservatórios e mananciais não atinjam suas cargas máximas, o que pode afetar o fornecimento de água durante o verão.
Um dos projetos desenvolvidos pelo estado é trabalhar na recuperação e proteção de nascentes e cursos hídricos, importantes para a manutenção do abastecimento de água em várias regiões de Rondônia.
De acordo com o Governo, o ‘Projeto Recuperar’ visa promover e recuperar nascentes nas áreas rurais e urbanas degradadas por atividades humanas, além de dar segurança ambiental nas áreas de preservação permanente.
Uma das cidades que já recebem ações do projeto é Espigão d’Oeste (RO), que enfrentou, na seca de 2023, uma das piores crises hídricas da história da cidade. O rio Palmeiras, único canal hídrico usado para captação e distribuição de água, secou.
A seca em anos anteriores
A diminuição das chuvas causada pelo fenômeno El Niño vem sendo registrada há 7 anos pela Rede Amazônia. O período de maior estiagem deveria ocorrer em outubro, mas desde 2016 a seca tem avançado cada vez mais para meses anteriores.
Em 2016, o rio Madeira registrou 2,98 metros, o que na época representou a menor média registrada nos últimos 48 anos. Naquele ano, a preocupação dos órgãos era que a média registrada no início de agosto só deveria ser registrada em outubro.
Em outubro de 2020, o rio Madeira atingiu uma nova seca histórica, quando o nível do rio marcou 1,88 metro. Na época, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) afirmou que o menor nível registrado até então tinha sido 2,32 metros em 2016.
A terceira seca histórica registrada foi em outubro de 2023, quando o nível do rio Madeira diminuiu mais de 10 centímetros em 24 horas e ficou abaixo de 1,20 metro. No mesmo mês, o rio atingiu a marca histórica de 1,10 metro e, novamente, a estiagem foi apontada como principal fator da seca.
Em 2023, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) afirmou ainda que a estiagem estava relacionada a dois fatores que impediam a formação de chuvas na região: o aquecimento das águas no Atlântico Norte e o fenômeno El Niño.
Como foi apresentado anteriormente nesta matéria, o rio novamente atinge um nível alarmante. Em agosto de 2016, a média registrada estava abaixo do período esperado, mas agora, em junho de 2024, o nível do rio já está abaixo dos 5 metros.
*Por Emily Costa, do Grupo Rede Amazônica RO