Projeto une centenas de pesquisadores em esforço para compreender melhor a complexidade da vida na floresta amazônica – em todas as alturas.
Quando alguém derruba uma área da Amazônia, seja usando o fogo ou passando o “correntão” – técnica em que uma corrente é arrastada por dois tratores potentes – quantas espécies estão sendo impactadas? Ninguém ainda é capaz de responder a essa pergunta—basicamente, porque nenhum projeto ainda conseguiu contar quantos insetos diferentes vivem ali, ou pelo menos fez uma estimativa mais realista a respeito.
Munido de diferentes técnicas, coletando do solo às copas das árvores mais altas, e com um laboratório para sequenciar DNA sendo montado, um grupo grande de pesquisadores se propôs a cumprir essa tarefa. De fato, falamos cada vez mais de biodiversidade, mas qual o real tamanho dela? Para os insetos, que têm a maior diversidade entre todos os animais do planeta, há estimativas para um grupo ou outro, e às vezes essa estimativa do número de espécies em florestas tropicais mistura espécies que sequer vivem no mesmo lugar.
“Mesmo para outras partes do mundo, ninguém nunca conseguiu fazer esse cálculo, há apenas inferências, construídas com base em algumas premissas que mais tarde percebemos estarem erradas”,
justifica o biólogo da USP Dalton de Souza Amorim, líder da empreitada que acaba de começar.
Ele menciona uma pesquisa feita em uma floresta tropical na Costa Rica que, coletando apenas no nível do solo, projetou uma diversidade de moscas de 8 mil espécies em dois hectares. Acontece que, em se tratando de insetos, as coletas ao nível do solo contam só uma parte da história. “Um estudo que já fizemos coletando em uma torre na Amazônia mostrou que 60% da variedade da fauna na floresta não ocorria no nível do solo”.
Então, em uma conta rápida, naquela floresta poderia haver pelo menos 20 mil espécies só de moscas e mosquitos, e é possível que haja entre 50 e 100 mil espécies, incluindo todos os grupos de insetos – o que corresponde a milhões e milhões de indivíduos ocorrendo numa área. “É um número impressionante, importante tanto para a literatura científica quanto para que as pessoas tenham uma compreensão mais exata da dimensão da biodiversidade”, explica Amorim, que é professor do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
Uma outra questão que o projeto pretende responder é justamente qual a porcentagem dos insetos que são especializados em copas.
“Se coletamos bastante no nível do solo, quanto da fauna real da Amazônia estamos deixando de lado? Entender a especialização de insetos na copa também é essencial do ponto de vista da compreensão global da fauna. Será que retirar as árvores grandes, deixando as menores, de fato preserva a floresta? O quanto estamos perdendo?”,
questiona Amorim.
De maneira semelhante, os conhecimentos levantados vão permitir compreender a sazonalidade das espécies de insetos naquele bioma, isto é, como elas variam ao longo do ano. “Quais espécies aumentam sua população na estação seca? Quais as que só aparecem quando há chuva? As coletas serão feitas nos diferentes meses do ano e, com o acúmulo de informação, podemos começar a entender a complexidade da floresta”.
Mãos na massa
Construída na década de 1980 na Amazônia, a torre da Reserva ZF2, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, tem sido aproveitada tanto para pesquisas em meteorologia quanto para estudos de biodiversidade. Sua estrutura já foi usada para coletar insetos, mas não de uma forma tão sistematizada, como explica o pesquisador.
“É muito difícil trabalhar com um volume tão grande de espécies, é preciso ter um grupo enorme de pesquisadores envolvidos, com técnicas apuradas. Um diferencial do nosso projeto é que vamos sequenciar o DNA de cerca de 320 mil indivíduos para, com isso, ter dados concretos para essas inferências. Em alguns outros projetos em outras partes do mundo, isso foi feito apenas para insetos coletados no nível do solo ou só para amostras mais pontuais de insetos na copa das árvores. Essa é a primeira vez que a gente vai ter o sequenciamento com uma amostra tão grande, com coletas tanto na copa das árvores quanto no nível do solo”, enfatiza.
As amostras serão recolhidas em diferentes alturas durante 14 meses. Além de armadilhas de interceptação de voo na torre e fora dela, serão usados outros métodos de coleta. “Tem insetos que vivem naqueles ‘copinhos’ que se formam no meio das bromélias e acumulam água de chuva. Esses insetos não caem nas armadilhas, daí a gente precisa subir 25 metros para coletá-los na copa das árvores. Alguns vivem no meio das folhas acumuladas no solo, outros vivem nos igarapés. Então é necessário utilizar muitas técnicas adicionais para complementar as coletas na torre”, detalha o pesquisador.
No laboratório de biologia molecular será feito o sequenciamento genético dos insetos coletados. “Conforme o material for sendo sequenciado, separamos as espécies e encaminhamos para os especialistas. Besouros vão para o coordenador de besouros e sua equipe; moscas para o coordenador de moscas, que distribui para sua rede, e assim por diante. Existe um processo de colocar nomes nos vários grupos, e aí a informação volta para ser analisada conjuntamente”.
Lidar com um material desta dimensão exige não só especialistas em diferentes famílias e gêneros, mas de vários ramos da biologia – como taxonomia, ecologia, sistemática molecular, bioinformática, biologia evolutiva. “Temos 39 membros nucleares no projeto, cada um deles com sua rede de contatos, entre pesquisadores com mais experiência e estudantes, podendo chegar a mais de 400 pessoas envolvidas no total, além de colaboradores estrangeiros”, diz Dalton Amorim. Ele prevê que todo este esforço resulte em muitos artigos científicos, desde trabalhos com análises amplas de dados a artigos de grupos particulares de insetos.
‘Biodiversidade de insetos em uma floresta tropical amazônica – Riqueza de espécies, estrutura vertical e turnover faunístico’ é um projeto temático apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que tem duração prevista até 2028. Além de Dalton de Souza Amorim (FFCLRP/USP), formam a equipe nuclear José Albertino Rafael (INPA), Tatiana Torres (IB/USP), Marco A.T. Marinho (UFPel), Diego A. Fachin (FFCLRP/USP), Daniel D.D. Carmo (FFCLRP/USP), Rudolf Meier (Museum für Naturkunde Berlin), Darren Yeo (National Park Board, Singapura), Brian V. Brown (Los Angeles County Natural History Museum) e Eric Wood (UC-Los Angeles).
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, com texto escrito por Luiza Caires, sob supervisão de Moisés Dorado.