Cientistas descobrem novas espécies em montanhas isoladas da Amazônia

Em 12 dias de trabalho no campo, os pesquisadores coletaram 285 exemplares de animais, de 41 espécies, das quais pelo menos 12 são inéditas para a ciência.

Há 1.875 metros de altura na Serra do Imeri, uma cadeira isolada de montanhas no extremo norte do Amazonas, na fronteira com a Venezuela, uma expedição acontece com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em parceria do Exército brasileiro e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Com altitude podendo chegar a 2.450 metros e ocupadas por campos com bromélias, paredões rochosos e árvores cercadas por neblina, essas montanhas possivelmente nunca tinham sido visitadas por pessoas, abrigando espécies desconhecidas para os cientistas. Foi então que, durante a expedição, biólogos coletaram alguns exemplares com o intuito de conhecê-las.

“Em quase 40 anos de viagens de campo, nunca encontrei uma proporção tão grande de prováveis espécies novas”, 

conta o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP) e líder da expedição.

Desde o início havia a expectativa de que muitas espécies novas seriam descobertas, em função do isolamento biogeográfico da região. Em 12 dias de trabalho no campo, os pesquisadores coletaram 285 animais, de 41 espécies, das quais 12 (30%), pelo menos, são inéditas para a ciência (cinco anfíbios, quatro lagartos e três aves).

“Aqui é uma Amazônia diferente. Tem menos bichos e menos diversidade, mas tudo que a gente encontra é especial”, diz o ornitólogo Luís Fábio Silveira, do Museu de Zoologia (MZ) da USP.

Com auxílio do biólogo Igor Alvarenga, ele coletou 21 espécies de aves na expedição, das quais três, pelo menos, são inéditas para a ciência, além de outros registros de destaque, como um tucaninho-verde (Aulacorhynchus whitelianus), nunca antes capturado no Brasil. Outras 46 espécies tiveram sua ocorrência registrada por meio de canto ou avistamentos.

Tão importante quanto o número de novas espécies, segundo os pesquisadores, é o fato de que grande parte das plantas e animais coletados na expedição parece ser endêmica dessas formações montanhosas do norte da Amazônia.

As botânicas Lúcia Lohmann, da USP, e Rafaela Forzza, do JBRJ, preparam amostras de plantas coletadas na Serra do Imeri. Foto: Herton Escobar/USP Imagens

Antes de embarcar para as montanhas, os pesquisadores passaram uma noite coletando répteis e anfíbios no entorno do aeroporto de Santa Isabel do Rio Negro, 90 quilômetros (km) ao sul da Serra do Imeri, que o Exército utilizou como base de apoio para a expedição. Em três horas de trabalho coletaram 45 bichos, de 20 espécies diferentes. 

Já na Serra do Imeri, foram necessários cinco dias de trabalho intenso para coletar esse mesmo número de animais, com o uso de dezenas de armadilhas e dezenas de horas de busca ativa na natureza. No final, voltaram para casa com 160 bichos, de pelo menos 12 espécies.

Conforme afirmou Taran Grant, professor do IB-Usp, especialista em anfíbios, nenhuma das 20 espécies coletadas em Santa Isabel do Rio Negro era nova, enquanto que quase todas as 12 espécies recolhidas na Serra do Imeri são inéditas (quatro lagartos e cinco anfíbios, pelo menos), além de serem todas endêmicas da região dos tepuis (nome dado às montanhas da região que apresentam forma semelhante a uma mesa).

No caso dos mamíferos, o número de exemplares coletados foi até elevado, mas com uma diversidade de espécies relativamente pequena. De um total de 69 animais capturados, 55 eram de apenas três espécies de ratinhos, nenhuma delas inédita, mas todas elas endêmicas dos tepuis, segundo o professor Alexandre Percequillo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, que compôs a equipe de mastozoologia com a professora Ana Paula Carmignotto, da UFSCar. O mesmo esforço de coleta na “baixa Amazônia”, segundo eles, teria produzido um resultado oposto, com um número bem maior de espécies, porém menos indivíduos coletados de cada uma delas. 

Os únicos animais de maior porte registrados na expedição foram antas e duas espécies de macaco (prego e guariba), avistados nas partes mais baixas da serra. Por conta das dificuldades do terreno, o trabalho dos pesquisadores ficou restrito a uma faixa de 1.700 a 2.000 metros de altitude.

Três ratos coletados considerados endêmicos da região dos tepuis amazônicos. Foto: Herton Escobar/USP Imagens

Apesar de estarem fisicamente conectadas com as florestas abaixo delas, essas formações montanhosas abrigam ambientes altamente diferenciados do restante da Amazônia. São como ilhas que se elevam sobre um oceano de floresta, com condições ambientais próprias e pouca conectividade entre elas — condições que favorecem o isolamento biogeográfico e, consequentemente, a evolução de uma biodiversidade própria, exclusiva desses locais. A altitude é um fator determinante: quanto maior a elevação, menor a temperatura e, consequentemente, menor a quantidade e a diversidade de seres vivos capazes de sobreviver ali.

Várias das espécies coletadas na Serra do Imeri são parecidas, mas não necessariamente idênticas, com as que os pesquisadores coletaram alguns anos atrás no Pico da Neblina, numa expedição muito semelhante à atual, ou que já eram conhecidas de outros tepuis, mas que nunca haviam sido coletadas no Brasil.

Segundo os pesquisadores, essas semelhanças sugerem que a Serra do Imeri já foi um tepui também, apesar de não ter mais esse formato característico. A área batizada de tampo da mesa, foi corroído pela erosão, à exceção de alguns monólitos de granito mais duro que hoje se projetam de suas escarpas como relíquias geológicas de um passado distante — preservado tanto nos minerais das rochas quanto no DNA das espécies endêmicas que sobrevivem ali, e que agora serão estudadas pelos cientistas.

Identificação

Identificar essas espécies é apenas o primeiro passo. Em última instância, o que os pesquisadores buscam é justamente entender como cada uma delas se insere coletivamente num contexto histórico de evolução da biodiversidade da Amazônia, incluindo suas relações no tempo e no espaço com a biodiversidade dos Andes, da Mata Atlântica e outros biomas da América do Sul.

No caso das plantas, a biodiversidade endêmica dessas montanhas pode ser uma peça-chave para a compreensão das origens da flora amazônica e sul-americana como um todo, segundo a professora Lúcia Lohmann, do Departamento de Botânica do IB-USP. “Acreditamos que várias linhagens de plantas tiveram sua origem aqui, nessa região mais alta da Amazônia; depois desceram e ocuparam as regiões mais baixas, se diversificando ao longo do processo”, relata ela. “Nossa proposta é tentar entender essas origens, como surgiu essa biota tão diversa que hoje está distribuída por toda a América do Sul. As espécies que estão aqui em cima são críticas para isso.”

Lohmann e a colega Rafaela Forzza, do JBRJ, coletaram amostras de 220 espécies de plantas, dos mais diversos tipos e tamanhos, desde pequeninas orquídeas até palmeiras de vários metros de comprimento. Mais especificamente: seis exemplares de cada espécie, totalizando 1.320 amostras, para serem distribuídas entre diferentes herbários e compartilhadas com especialistas para identificação.

Lohmann estima que 10% dessas espécies possam ser novas, além de outros registros importantes. As bromélias “gigantes” que rodeiam o acampamento, por exemplo, só eram conhecidas de uma outra serra, na divisa de Roraima com a Venezuela (a Serra Parima), com base numa coleta feita mais de meio século atrás (em 1969): Brocchinia hechtioides. Mais uma espécie endêmica do Pantepui. As maiores chegam a ter quase dois metros de altura.

Outra linha de pesquisa, liderada por Camacho, busca mapear a vulnerabilidade desses animais endêmicos ao aquecimento global. Usando um aparato simples, que ele mesmo construiu (e sem impor qualquer sofrimento aos animais), o pesquisador mede o limite de temperatura ao qual cada espécie de réptil e anfíbio está fisiologicamente adaptada para sobreviver — chamada de temperatura voluntária máxima, ou TVM. A ideia é saber a partir de que ponto no termômetro o aquecimento global se torna uma ameaça para elas, a ponto de colocar suas populações em risco.

“Essas espécies que vivem no cume de montanhas são especialmente vulneráveis ao aquecimento climático”, destaca o biólogo espanhol, doutor e pós-doutor em zoologia pelo IB-USP. As que vivem mais embaixo podem subir a montanha em busca de climas mais amenos, à medida que a temperatura do planeta aumenta; mas as que já vivem no topo, não: “Essa opção de subir para fugir não existe para elas”. Mesmo vivendo dentro de uma área protegida, portanto, essas espécies podem ter sua existência encurralada pelas mudanças climáticas.

Foto: Herton Escobar / USP Imagens

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