Liderança indígena no Mato Grosso, Ngaimotxi Kajkwakratxi morre aos 76 anos

A anciã é símbolo da resistência do povo Tapayuna na luta pela demarcação do território tradicional da etnia.

A anciã Ngaimotxi Kajkwakratxi, liderança indígena do povo Tapayuna no Mato Grosso, faleceu nesta quarta-feira (26) aos 76 anos. Ela ganhou notoriedade por ser uma das lideranças dos Tapayuna na luta pela demarcação do território tradicional da etnia, localizado no noroeste do estado, na região da bacia do rio Arinos, perto do município de Diamantino (180 km de Cuiabá).

Ela havia se sentido mal e foi hospitalizada, mas após receber alta voltou a se sentir mal. Ngaimotxi estava internada no Hospital Municipal de Querência e a causa da morte foi parada cardíaca e Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI). 

“Ngaimotxi era livro vivo de sabedorias atemporais dos Kajkwakratxi [como os Tapayuna se autodenominam] em seu território ancestral, até hoje não demarcado e ameaçado por invasões, grilagens, mineração e empreendimentos diversos”, comenta a arqueóloga e presidenta do Instituto Homem Brasileiro (IHB), Gabriele Viega Garcia.

Ngaimotxi Kajkwakratxi. Fotos: Gabriele Viega Garcia/IHB

“Ela lutou por sua terra. Ela sobreviveu aqui com o povo Kĩsêdjê, que é um povo diferente, mas nossas línguas são parecidas. Ela e os Tapayuna que viveram aqui criaram a gente, então eles deixaram a semente crescer, e a gente vai ficar forte. A gente continua como seus descendentes. Espero que o povo Tapayuna não seja extinto”, comenta Ropkrase Tapayuna Suiá, uma das jovens lideranças da etnia.

Desaparecimento

Ropkrase se refere ao genocídio e desterro aos quais foram submetidos os Tapayuna na segunda metade do século XX. E a etnia quase foi extinta, pois boa parte morreu em dois envenenamentos dolosos nas décadas de 1950 e 1960. Posteriormente, em 1970, uma expedição da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) levou uma epidemia de gripe que quase dizimou o restante da população, restando apenas 41 sobreviventes.

 Na ocasião, eles ainda viviam em seu território tradicional. Porém, em 1976, alguns anos após quase serem exterminados, o Governo Federal publicou o decreto 77.790, extinguindo a Reserva Indígena Tapayuna, que havia sido demarcada em 1968. E assim os poucos sobreviventes foram realocados para o Território Indígena do Xingu e lá viveram até meados dos anos 80.

Após a morte de um importante pajé, parte do grupo foi morar com os Mebengôkrê (Kayapó), na Terra Indígena Capoto-Jarina. Atualmente a população soma cerca de 160 indivíduos, considerando filhos de casamentos com os Mebêngôkre e Kĩsêdjê, com os quais vivem nas terras indígenas Capoto Jarina e Wawi, ambas em Mato Grosso.

Algumas famílias conseguiram fundar uma aldeia própria na Terra Indígena Wawi, inclusive era onde Ngaimotxi vivia. Os Tapayuna resistiram e vivem um processo de reemergência e fortalecimento como povo. Eles lutam por autonomia e pela retomada do território tradicional. Ngaimotxi Kajkwakratxi foi uma das protagonistas desta reorganização. 

Ela cresceu na aldeia Huitarekô, próxima do córrego Huaré, até que foi obrigada a sair para vivenciar a triste epopeia de seu povo. “Uma vez ela me disse que território é morada da alma, do espírito, onde eles vão descansar. E nesse caso, sem o território, como fica a alma de Ngaimotxi Kajkwakratxi?”, questiona Gabriele.

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