Um trator solitário testemunha o que restou da roça, marcando o fim de uma safra levada pela enchente/Rosinaldo Machado
Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com
A Semana Santa chegou trazendo fé, mas também um sopro de esperança para os ribeirinhos do Vale do Madeira. Por meses, o Rio Madeira transbordou, imponente e implacável, subindo sobre casas, plantações e memórias, sem pressa de recuar. Mas, nesta segunda-feira, feriado de 21 de abril, enfim, começou a ceder. Seus 90 centímetros a menos no nível da água foram recebidos como um primeiro respiro, um sinal de que a vida pode, aos poucos, retomar seu curso.
Nas margens enlameadas, os ‘beradeiros’ — como são conhecidos os moradores da região — observam a paisagem transformada. O cenário é de destruição: casas marcadas pela força da correnteza, hortas e roças que antes garantiam o sustento agora reduzidas a barro, animais que não resistiram ao avanço das águas. São cerca de 390 famílias que veem seus lares como terrenos a serem reconstruídos, suas vidas como histórias que precisam recomeçar.

Mas há pouco tempo para lamentar. Com o alívio, vem também o desafio. O trabalho pesado começa antes mesmo que as águas se retirem por completo. Limpar, recuperar, proteger-se. A Prefeitura de Porto Velho e o Governo do Estado mobilizam esforços: há assistência médica, apoio social, distribuição de cestas básicas, água potável e hipoclorito. É um socorro que alivia, mas não resolve todas as dores.
Agora, a grande preocupação se chama pós-cheia. A água pode ter recuado, mas deixou para trás riscos invisíveis: dengue, malária, leptospirose. O temor das epidemias faz a Defesa Civil da prefeitura montar um Gabinete de Crise, enquanto o Governo do Estado promete um auxílio de R$ 3 mil, parcelado em três vezes, para os atingidos. Tudo depende do cadastramento correto das famílias, uma burocracia necessária para que a ajuda chegue onde deve.

Ainda assim, a força dos ribeirinhos é maior que qualquer cheia. Não importa quantas vezes o Madeira avance, eles sempre voltam. Limpam, plantam, constroem, reerguem. A resiliência pulsa forte em cada olhar determinado, em cada mão calejada pela luta. Afinal, viver ali é entender que tudo pode ser levado, menos a coragem de recomeçar.
Sobre o autor
Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.
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