Camarão, tucupi e jambu em conserva: pesquisadores da UFPA propõem uso da tecnologia para promover a economia local

Desafio é criar um produto de acordo com as normas vigentes, sem grandes alterações no sabor.

A biopirataria consiste não apenas no contrabando da fauna e da flora de um determinado lugar, mas também na apropriação e monopolização dos conhecimentos de populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. O Brasil é um dos países com maior ocorrência de biopirataria, em razão da sua grande biodiversidade. Esse processo ocorreu com o açaí e o cupuaçu, que foram primeiramente patenteados pelo Japão. A maneira mais eficiente de reduzir a biopirataria é pela exploração dos recursos amazônicos, incentivando a ciência e tecnologia como ferramentas para o desenvolvimento regional.

Conserva. (Foto:Acervo da Pesquisa/UFPA)

Dessa forma, o engenheiro de pesca Keber Santos Costa Junior elaborou a dissertação Aproveitamento da biodiversidade e cultura alimentar amazônica: produção de conserva de camarão-da-amazônia ao molho de tucupi e jambu. O objetivo da pesquisa foi associar tecnologia e conhecimento científico à cultura alimentar da região, visando a um trabalho que pudesse ser aplicado facilmente na região do nordeste paraense, promovendo, assim, o desenvolvimento socioeconômico regional. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Biologia Ambiental (PPBA/Campus Bragança), com orientação das professoras Cristiana Ramalho Maciel e Marileide Moraes Alves.

“A dissertação foi uma forma de continuar o estudo iniciado no meu Trabalho de Conclusão de Curso, no qual foram produzidas conservas de peixes ao molho de tucupi e jambu. Para a dissertação, empregamos a tecnologia de enlatamento, para estender o tempo de vida útil de um produto, e utilizamos o camarão-da-amazônia no lugar do peixe”, revela o pesquisador.

Análise sensorial é etapa essencial da pesquisa

O método utilizado foi a apertização, popularmente conhecida como enlatamento. Tal processo visa à esterilização industrial de produtos hermeticamente fechados com a variação brusca de temperatura. “Utilizamos quatro tratamentos no total: três deles (T1, T2 e T3) continham diferentes tempos de exposição ao calor – 15, 20 e 25 minutos, respectivamente. No último tratamento (T4), realizamos a conserva de camarão com casca, com 15 minutos de exposição”, explica o engenheiro.

Uma etapa essencial para o estudo foi a análise sensorial. Esse método científico é usado para evocar, medir, analisar e interpretar reações às características dos produtos (que podem ser do gênero alimentício, farmacológico, cosmético, entre outros) em relação aos sentidos (visão, olfato, paladar, tato e audição). É um método crucial para diversas áreas.

“Neste trabalho, a situação sensorial é ainda mais delicada, pois o produto é vinculado diretamente ao tacacá, prato que faz parte da cultura alimentar amazônica. O processo técnico e industrial associado à legislação vigente (Anvisa), que deve ser seguida obrigatoriamente e rigorosamente, ocasiona mudanças sensoriais significativas no produto, podendo gerar certa estranheza no consumidor. Por esse motivo, este trabalho buscou afastar a visão de ‘conserva de tacacá’ e exaltar ‘conserva de camarão ao molho de tucupi e jambu'”, explica Keber Santos.

Camarão em conserva. (Foto:Divulgação)

Outras análises foram realizadas para averiguar a qualidade e a segurança alimentar do produto final, tais como: centesimal, microbiológica, colorimétrica, de Nitrogênio de Bases Nitrogenadas Voláteis Totais (N-BVT), de textura, de potencial hidrogeniônico, de rendimento e perda de peso por cocção. As análises físico-químicas e microbiológicas foram realizadas ao longo de 12 meses para confirmar seu tempo de prateleira e o sucesso do processo produtivo.

Processo pode ser adotado por indústrias artesanais

Por meio das análises microbiológicas, é possível observar que as conservas não apresentaram desenvolvimento de colônias bacterianas, confirmando a seguridade do produto após 12 meses da produção, mesmo para o tratamento com casca. Esse resultado expôs a eficiência do processo de produção.

Em relação às análises sensoriais e de N-BVT, ficou exposta a inviabilidade da utilização do camarão com casca para a conserva, pois esse produto apresenta níveis de N-BVT superiores aos níveis permitidos pela legislação. Além disso, esse produto teve maior rejeição em relação aos demais tratamentos.

“Outro fator relevante da análise sensorial da conserva de camarão é que não há, no mercado nacional, outro produto semelhante que possa ser comparado com o produzido neste trabalho, o que faz os provadores lembrarem imediatamente do produto tradicional, promovendo, assim, maior rejeição”, explica Keber Santos. Os melhores valores foram obtidos pelos tempos de exposição de 15 e 20 minutos, tendo ótimos resultados para os atributos “aceitação global” e “sabor”.

As demais análises realizadas resultaram em dados semelhantes aos já existentes na literatura. O resultado mais surpreendente foi referente à alteração do pH do molho de tucupi ao longo dos 12 meses, o qual aumentou gradativamente e deve ser avaliado em experimentos posteriores.

Entre os residentes, os recursos extrativistas são utilizados, principalmente, para a subsistência e para atender às demandas do comércio regional, como a produção da farinha de mandioca. O camarão-da-amazônia, o tucupi e o jambu são exemplos clássicos de insumos da culinária do povo da Amazônia, fazendo parte da cultura local.

“Este trabalho buscou viabilizar o uso de recursos abundantes na região, por meio de processos técnico-industriais. Assim, esses recursos podem ser explorados economicamente por indústrias artesanais da região, incentivando o desenvolvimento local com o uso de tecnologias e o aproveitamento econômico da biodiversidade. Desse modo, auxiliaremos a preservação do patrimônio cultural e biológico amazônico. Acredito que o projeto tem muito potencial e, com algumas melhorias, poderemos obter um produto com melhor aceitação”, finaliza Keber Santos.

Confira algumas características desses alimentos

Características do Tucupi, Jambu e Camarão-da-Amazônia. (Fonte: Costa Júnior, 2020/UFPA)

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