Você dormiu comigo ontem?

Você recebe um “whats” de alguém com quem não fala há anos e ele ou ela engata uma pergunta ou um pedido, como se vocês tivessem no meio de uma conversa. Dado o recado, pronto. Fim de papo, sem necessidade de maiores delongas.

Nossa comunicação anda excessivamente direta. Você recebe um “whats” de alguém com quem não fala há anos e ele ou ela engata uma pergunta ou um pedido, como se vocês tivessem no meio de uma conversa. Dado o recado, pronto. Fim de papo, sem necessidade de maiores delongas. Algumas vezes, esta mensagem é também imperativa, do tipo, “me envie o material até dia tal” ou “reunião amanhã às x horas, não deixe de comparecer”. Não estou falando de um comando hierárquico entre chefe e subordinado, num estilo autoritário, mas de uma relação entre iguais. 


A informalidade da mensagem instantânea trouxe junto esta mudança cultural. Estamos mais diretos na comunicação. Não é uma característica de nosso povo, tradicionalmente, mais jeitoso na maneira de se relacionar. Os orientais, por exemplo, são fortemente indiretos, o que os torna mais cuidadosos e sensíveis, ao contrário dos americanos, que costumam ser mais objetivos, pragmáticos. Ambos convivem bem entre si, com o seu jeito de ser. E nós, o que ganhamos e o que perdemos? 
Foto: Reprodução

 Ganhamos tempo, dirão alguns. Outros poderão falar em objetividade, transparência e até produtividade. Pode ser verdade, mas estamos deixando de lado o belo nas relações, a gentileza. O belo da arte, o belo na culinária, o belo na decoração, o belo na degustação de um bom vinho ou o belo de qualquer trabalho, o belo está sempre nos detalhes. “Tudo que merece ser feito, merece ser bem-feito”, dizia meu velho pai com frequência. “A pressa é inimiga da perfeição” ou “o apressado come cru”, diz a sabedoria popular.

Já que estamos no campo das frases, caro leitor, que tal: “você dormiu comigo ontem?”. Era o que se dizia a alguém quando chegava e não dava nem bom dia. Será que a pessoa com quem dormimos não merece um bom dia? Casais se acostumam a relações ásperas em que não há nem o bom dia, o boa noite, um beijo de despedida de manhã ou de chegada à noite. Se acostumam a não tratar bem um ao outro. Em nome da informalidade, destroem o belo da relação, que um dia foi entre pessoas apaixonadas e cuidadosas.

Ouvi de uma cliente uma vez que o seu casamento ia mal. Embora se gostassem, não estavam felizes. Suas reflexões a levaram a concluir que adquiriram maus hábitos na maneira de se relacionar. Nada aparentemente grave. Não se ofendiam um ao outro, mas em algum momento, ficou pelo caminho o tempero. Deixaram de lado a gentileza. A mesma situação se aplica a uma equipe de trabalho. O convívio frequente não pode ser pretexto para a ausência de um olá, bom dia, boa noite, até logo, por favor, obrigado, ou pequenos gestos de gentileza que, na verdade, não tomam quase nenhum tempo e valorizam as pessoas.

A gentileza está nos detalhes e abandoná-la, em nome da objetividade, não é uma boa escolha. Gostamos de ser bem tratados e isto significa que precisamos tratar bem. Tudo pode ser feito em nível superior. Nos níveis mais altos estão a gentileza, a qualidade e a felicidade. Voltando ao início de nossa conversa, caro leitor, peço desculpas por ter sido tão direto. Não, você não dormiu comigo ontem e a pergunta pode ter sido direta demais, talvez até ofensiva.

Se você chegou até aqui, muito obrigado. Desejo que você tenha uma ótima semana, com muita gentileza.

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC, ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livroFelicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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