Viver de escrever

Além do dinheiro para pagar contas, o que ficará do seu trabalho diário? Será ele capaz de deixar alguma marca em um único leitor sequer?

Sempre admirei as pessoas que vivem de sua escrita. Um dos meus sonhos quando criança era me tornar escritor e, ao escrever o meu primeiro livro, senti um tipo de realização difícil de explicar. Os lançamentos (fiz em algumas cidades diferentes, onde tinha amigos) foram momentos super mágicos, destes que a gente leva para algum lugar, quando partirmos. Depois do primeiro, escrevi alguns outros, como escrevo agora, mas isto não faz de mim um escritor profissional. Escritor profissional é o que vive de sua escrita.

De todos os tipos de escritores, há um que me causa uma especial admiração, o cronista ou colunista diário, que precisa escrever todos os dias sobre um tema diferente, não sobre uma história, mas sobre um fato qualquer, que pode ser desde o noticiário, um acontecimento irrelevante ou algo que está no seu coração. As amplas possibilidades não tornam a tarefa mais fácil. Como disse a também autora de livro Naíce Dematte (Transição Consciente), é muito mais difícil comprar uma calça jeans em uma grande loja de departamentos, que só vende calças jeans, com milhares de modelos, do que escolher entre três ou quatro opções de uma loja comum. Ter ilimitadas possibilidades do colunista diário torna o processo de escolha ainda mais difícil.

Pensar sobre isso me traz à mente Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Monteiro de Barros, deputado cassado pela ditadura que, após o exílio, reapareceu como colunista diário do jornal O Globo, lá pelos anos setenta. Numa época em que era incomum os homens não saírem de casa para trabalhar, Artur despertava curiosidade nos coleguinhas dos filhos: “o seu pai trabalha em quê?”. Fazendo um paralelo com as costureiras profissionais, ele orientou os filhos a responder “meu pai escreve para fora”. Era o que fazia e fez, creio que por quase vinte anos, dia após dia. Sei disso, não porque o conhecesse pessoalmente. Como leitor, eu fazia a minha parte. Lia os seus artigos diariamente. Tinha ele como um mestre.

Um dia cheguei a escrever para a sua coluna, mas por timidez, não enviei a mensagem. Já bem mais tarde, eu trabalhando no mesmo jornal que ele agora visitava, não mais como articulista, mas para colocar anúncios de sua candidatura política, o vi há alguns metros, bem perto. Eu era o gerente do departamento e seria natural e gentil que eu o cumprimentasse e falasse sobre a minha admiração pelo seu trabalho. Não o fiz. Talvez fosse um bloqueio de quem nunca teve heróis de carne e osso ou talvez porque ele agora era um político e não mais um escritor profissional. Lamento não ter apertado a sua mão naquele dia

Sei o que é ter um compromisso de escrever uma vez por semana um artigo. Faço isto a exatamente 129 semanas, sem falhar nenhuma. Tenhoaté orgulho quando penso nisso, pois não é uma tarefa tão fácil. Você se senta e vai escrever. Mas sobre o quê? São infinitas as possibilidades, mas qual calça jeans escolher? No caso da Naíce Dematte que citei acima, ela relata que saiu da tal big loja, sem comprar nenhuma. Se escrever uma vez por semana é tão difícil, imagina fazê-lo diariamente? Escritores profissionais merecem a minha admiração.

É também o caso do genial Luís Fernando Verissimo, que potencializa ainda mais a capacidade de produzir criativamente, dia após dia, durante tantos anos, e ainda com refinado humor. Sei que existem muitos outros escritores profissionais que mereceriam ser citados, mas estes dois me foram marcantes.

Imagino, aliás, que essa deva ser uma angústia adicional para o escritor profissional, que vive de escrever. Além do dinheiro para pagar contas, o que ficará do seu trabalho diário? Será ele capaz de deixar alguma marca em um único leitor sequer? Ou tudo se limitará a um momento, que se dissipará no ar após a leitura, não gerando transformação, reflexão ou qualquer tipo de contribuição?

No próximo artigo quero compartilhar com você, caro leitor, as mensagens que ficaram marcadas na minha mente de três dos textos do escritor Artur da Távola. Elas falam do “competir com”, do “mundo não vivido” e “do que o amor precisa”. Quem sabe elas também não marquem você? Será uma homenagem ao mestre Arthur e ainda uma maneira de eu já ter definido o tema que escreverei na próxima semana.

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista


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