O vício da reclamação

Reclamar é bom. Tão bom que vicia. Não é diferente de outras drogas que, justamente por proporcionarem um prazer imediato, nos induzem a não parar.

Reclamar parece bom. Se não fosse, não reclamaríamos tanto, de tudo. Se está quente, é porque o calor é insuportável. Se está frio, é de rachar. Dias chuvosos são tristes. Se não chove, vai acabar faltando água. Somos bons em encontrar defeitos nos outros e até em nós mesmos. Estamos abaixo ou acima do peso, o cabelo (ou a ausência dele) também não ajuda. O que fizemos não foi tão bom assim, podia ter sido melhor. O dinheiro é insuficiente e os preços sobem a cada dia. Reclamamos ainda da internet instável, das filas, da demora do elevador, de usar máscara e dos que não usam máscara. E seguimos a vida, de reclamação em reclamação.

Há profissões que potencializam ainda mais este padrão mental, sendo então inevitável. Diogo é auditor. Seu olhar é treinado para encontrar o que está errado na contabilidade. Maria Cristina é revisora e não consegue ler um texto sem perceber que falta uma vírgula aqui e outra que não deveria estar lá. Leandro é jornalista e exerce como ninguém o ofício da crítica. Mas, independentemente do trabalho, como pais, professores ou chefes, destacamos sempre o que falta, a nota vermelha no meio de muitas azuis, ou a competência não desenvolvida. Fulano de tal é bom nisso, mas…

Foto: Reprodução/LinkedIn

Parte do progresso da humanidade pode ser explicada pela insatisfação crônica, que nos impulsiona para a evolução. É o lado positivo da insatisfação. No entanto, há de ter uma dose adequada, o que diferencia o remédio do veneno. No caso da reclamação, tendemos a passar do ponto.

Isto porque reclamar é gostoso. Não li nada a respeito, mas creio que haja a liberação de algum hormônio, que nos dá, naquele instante, um tipo de prazer imediato. Reclamar é, em si, uma forma de compensação. Se algo me incomoda, reclamo e, ao fazer isso, faço um acerto de contas momentâneo. Como disse, reclamar é bom. Tão bom que vicia. Não é diferente de outras drogas que, justamente por proporcionarem um prazer imediato, nos induzem a não parar.

O vício da reclamação, porém, não traz a euforia e nem a sensação de que a vida é boa, como algumas drogas o fazem. Ao contrário, o vício da reclamação tira o colorido da vida, deixando tudo cinza, sem beleza, sem sabor. Ele abala a autoestima, prejudica as relações e nos mantém em uma frequência não positiva, não feliz.

É um vício não diagnosticado e que, por isso, não evitado, não tratado. Alertamos os nossos filhos para a existência de traficantes, que se aproximam para oferecer drogas e formar dependentes. Mas não os protegemos e nem a nós mesmos, dos reclamadores de plantão. Eles não usam máscara e tem um alto poder de contágio. Não fazem por mal, sendo eles próprios doentes não diagnosticados.

Funcionamos em grande parte pela força do hábito e por modelos mentais, que nos aproximam ou nos distanciam da felicidade. Contra o vício da reclamação, há um único antídoto, o modelo mental da gratidão. Ela nos é ensinada pelas religiões, pela filosofia e pela psicologia, mas está longe de fazer parte da nossa maneira de olhar e de nos relacionarmos com o mundo.

O modelo mental da gratidão não elimina a percepção do que está errado ou do que precisa melhorar, mas equilibra o jogo em seres eternamente insatisfeitos. É um olhar que precisa ser estimulado e treinado, que não custa dinheiro e que está ao alcance de qualquer pessoa. Se a reclamação é boa para a evolução, a gratidão é essencial para a felicidade. 

Sobre o autor

JulioSampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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