Uma pergunta inconveniente?

Se antes, apenas perto da morte, fazíamos questionamentos como: “afinal, o que eu fiz da minha vida?”, hoje, suprido o básico, a necessidade de um propósito surge cada vez mais cedo, até mesmo entre os mais jovens.

Qual é o sentido da vida que estou levando? Questionar a si mesmo quanto à sua própria vida não é uma pergunta qualquer. Ela diferencia o ser humano de outros animais. Um cachorro, por mais humano que pareça, por mais que seja amado e bem tratado, não perde o sono para se perguntar se a maneira como estão sendo gastos os seus dias faz algum sentido. Mas também não são todos os homens e mulheres que têm isso como prioridade, neste momento.

É o caso de Ivan. Há alguns anos, seguia a sua vida como publicitário e era até bem remunerado. Havia comprado a sua casa financiada, tirava duas semanas de férias a cada seis meses e, junto com a mulher Cássia, criava os dois filhos. Até os garotos crescerem e seguirem o seu próprio rumo, era claro o propósito do casal: educar e proporcionar aos filhos o que não haviam tido quando crianças, mas que haviam conquistado, por meio de estudo e muito trabalho. Era o que os motivava a acordar de manhã com disposição e trabalhar intensamente, ele como vendedor de anúncios para uma rádio local e ela para uma clínica médica, onde trabalhava como secretária. Para ambos, não havia dúvida, era o que cabia fazer. Era o que a vida exigia deles, naquele momento.

Pouco tempo depois dos dois meninos saírem de casa e irem para a capital, Ivan e Cássia experimentaram uma espécie de sensação de vazio. Ainda eram relativamente jovens, ali pela faixa dos 45 ou 50 anos, e uma pergunta começava a surgir a cada conversa de caminhada pela manhã: “faz sentido a vida que estamos levando?”. Foi Ivan quem primeiro a levantou. Cássia não soube responder. Logo, era ela mesma que trazia o assunto e, em todas as conversas, já vinha a tal pergunta que não queria calar: “qual o sentido da vida que estamos levando?”.

Foto: Reprodução/LinkedIn

Até que surgiu um projeto que incendiou a ambos. Iam montar um restaurante de alimentos orgânicos e naturais. Não existia na cidade e era certamente um mercado crescente em todo o mundo. Era também uma causa que inspirava a ambos: difundir cada vez mais a alimentação saudável, sem agrotóxicos.

Não tinha erro. Cássia gostava de cozinhar, Ivan era bom comercialmente. Tinham muitos amigos e todos iriam prestigiar o restaurante. Sim, valia investir o que tinham e até pegar um pouco mais no banco, se precisassem. Estavam unidos agora em um novo propósito, como nos velhos tempos. Sentiam-se rejuvenescer e agora, sim, os dias pareciam fazer sentido.

Tudo ia bem, mas não por muito tempo. Não é preciso falar sobre o efeito que a pandemia provocou em muitos negócios. Por esta e, provavelmente, por outras razões, a verdade é que o restaurante fechou, depois de meses acumulando prejuízos. Ivan e Cássia venderam a casa que moravam para pagar as dívidas e buscam trabalho. Neste momento, Ivan e Cássia deram um passo para trás e têm um único objetivo de curto prazo: sobreviver e pagar as contas. No entanto, estão dispostos e confiantes. Logo, terão superado esta fase e desenvolverão um novo propósito, que devolverá a eles uma causa maior.

Maslow já falou sobre necessidades inferiores e superiores, como em uma pirâmide. No alto da hierarquia, para o ser humano, é a autorrealização. Encontrar um sentido, como ensina a logoterapia, não é uma motivação secundária, mas algo essencial para a natureza humana.

Se antes, apenas perto da morte, fazíamos questionamentos como: “afinal, o que eu fiz da minha vida?”, hoje, suprido o básico, a necessidade de um propósito surge cada vez mais cedo, até mesmo entre os mais jovens. Muitas vezes ela aparece sob a forma de um vazio existencial, para Frankl, o mal do século. Para combatê-lo, precisamos desenvolver um propósito, que muitas vezes começa por uma pergunta que pode ser bem menos inconveniente: sendo quem sou, e fazendo que eu faço, o que pode ser o meu propósito neste momento de vida? 

Sobre o autor

JulioSampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista


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