Mãe, professora, liderança indígena. Wamen Kalapalo Negarotê sabe a importância de prestar apoio e colaborar para melhorar a vida de muitas pessoas.
Ser mãe, professora e liderança indígena não são tarefas fáceis. Tem que acordar a criançada pra tomar café, arrumá-las, levar na escola… Depois, é o dia inteiro lecionando português, matemática, geografia, história e filosofia para alunos do Ensino Infantil até o Médio. E, em algumas noites, ainda têm as reuniões da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).
Em síntese, essa é a rotina de Wamen Kalapalo Negarotê: liderança indígena, mas, acima de tudo, mãe da Wayune (de um ano), da Wemmy (quatro anos) e do Lucas, de oito anos. Ela ainda atua como conselheira da regional da Fepoimt Vale do Guaporé, no município de Comodoro (638 km de Cuiabá), região Noroeste de Mato Grosso.
Lá o desafio é grande, tendo em vista que ela ajuda na administração das demandas de cerca de 600 famílias, envolvendo as etnias Chiquitano e Nambikwara.
Wamen, entretanto, não reclama, porque entende a importância de prestar apoio e colaborar para melhorar a vida de tanta gente.
“Esse projeto é uma oportunidade que os povos indígenas têm de trazer melhorias importantes para as suas comunidades. E é por isso que a gente se dedica. Estamos aqui, trabalhando firme, em parceria com a aglutinadora”, destaca.
O projeto mencionado pela liderança trata-se de uma parceria da Fepoimt com o Programa REM Mato Grosso, por meio de seu Subprograma Territórios Indígenas (STI). Juntas, às entidades desenvolveram o Plano de Enfrentamento à Covid-19 nas aldeias, que nos últimos dois anos desenvolveu uma série de ações socioambientais para atender os povos indígenas, em questões como: segurança alimentar, comunicação, fortalecimento da medicina tradicional, apoio ao Distrito Sanitário Especial (DSEIs) e combate aos incêndios florestais nos territórios.
Já a aglutinadora, também citada por Wamen, é o Instituto Centro de Vida: uma organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que ajuda a Fepoimt a executar parte dos projetos socioambientais, financiados pelo REM MT.
Na regional que Wamen atende, por exemplo, os povos da Terra Indígena Vale do Guaporé, recentemente foram contemplados pelo plano com 10 motocicletas, que já estão servindo para o escoamento da produção que vem das roças comunitárias dos indígenas. Produtos como: mandioca, batata, cana de açúcar e abóbora têm sido comercializados na região, e isso tem gerado incremento na renda das famílias. Antes das motos, a logística de transporte dos alimentos era bem mais complicada.
“Todos os lugares têm suas dificuldades e a chegada das motos facilitou muito para sair para a rua, e, ao mesmo tempo, levar produtos pra vender, e fazer a troca com outros alimentos”, acrescentou.
Já para o povo Nambikwara (Katitãuhlu), uma das demandas mais importantes é a reforma da casa de estocar o milho, que nos próprios relatos dos indígenas, “está caindo aos pedaços”. Com a precariedade, os alimentos não são armazenados devidamente, correndo risco de estragar mais rápido. Mas essa realidade mudará em breve, já que os indígenas conseguiram solicitar, por meio do plano emergencial (REM MT/Fepoimt), a reforma no espaço, que na prática vai se transformar num armazém moderno, projetado para estocar devidamente os alimentos.
Wamen ressalta que os projetos estão acontecendo e o trabalho da Fepoimt, do REM MT e das aglutinadoras têm sido importante para desenvolver essas ações lá na ponta. Mas é um trabalho que envolve viagens e reuniões, cujas deliberações podem render conversas de até três horas de duração. Por isso, ela também conta com o apoio da família, e principalmente do “maridão”, que é seu parceiro a toda hora.
“Eu trabalho [na escola] no período da manhã e, alguns dias à tarde, com outra turma. E, de uma hora pra outra, as tarefas chegam do nada e começam a acumular, e aí é aquela correria. Quando estou em viagem as crianças ficam com o meu marido, às vezes com a sogra ou com a minha mãe. Eu viajo com a mais pequena [Wayune]. Já o maior [Lucas] sempre fica com ele [marido]”,
detalhou a liderança Negarotê.
“Gosto do cheiro do cabelo dela”
Os filhos de Wamen, Wemmy e Lucas Negarotê, apesar de bastante acanhados, falam um pouco sobre as coisas que mais gostam da mamãe: “Gosto do macarrão que ela faz e do cheiro do cabelo dela”, disse a pequena Wemmy. “Também gosto dos brincos que ela faz”, completou. Os brincos são feitos com penas de arara e sementes de olho de cabra.
Já Lucas disse que gosta muito de fazer pão e bolo com a mãe. Outra coisa divertida é ir ao supermercado com ela “para comprar achocolatado”, mas, principalmente, a ração do seu gatinho rajado. “Ele disse que o gato tem que aparecer na reportagem também. Ele adora gatos”, enfatizou a mãe coruja.
Nanteru
No idioma Negarotê, a palavra “mãe” é traduzida como “Nanteru”. Na tradição desse povo, as mães são as responsáveis por ensinar os ofícios da comunidade aos mais jovens. Por isso, desde bem pequenos, as crianças acompanham as mães nos afazeres da roça. A ideia é que eles fiquem observando para que um dia, na ausência delas, possam fazer as atividades por conta própria.
“E aos poucos, com o passar do tempo, de observadores, os filhos e as filhas começam a pôr a mão na massa, a plantar ou colher mandioca, por exemplo. As Nanteru, na sociedade Negarotê, são a base de toda educação, pois são elas que preparam as crianças e os jovens das aldeias para a vida adulta”, afirma Wamen.
*Por Marcio Camilo, do REM MT