Pai de Txai Suruí, jovem ativista que discursou na COP 16, defende presença de índios na política “dos brancos”.
Nascido em 1974 na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO), Almir Narayamoga Suruí é líder de seu povo desde os 17 anos, assim como foi o seu pai e avô. Tornou-se conhecido internacionalmente, recebendo comendas das maiores autoridades do mundo ocidental.
Sua luta bate de frente com os conflitos e ameaças envolvendo posseiros, madeireiros, mineradores e outros interessados nas terras dos Suruís. Algumas vezes, o cacique teve de ser escoltado pela Polícia Federal. E também foi inquirido — mais recentemente — em decorrência do seu tom mais áspero em relação ao governo.
O povo Paiter-Suruí vive numa área de 248 mil hectares de floresta e sua população está próxima de 1.300. Consta que a ancestralidade destes índios viva há mais de 8 mil anos na Amazônia.
Durante a reunião da COP 15 (Conferência da Cúpula do Clima, na Escócia) em Copenhague, na Dinamarca, em 2009, Almir apresentou o Projeto de Carbono Suruí, ganhando o Prêmio Maia Lin. Foi considerado, no mesmo ano, “a pessoa mais criativa em negócios do Brasil”, pela revista norte-americana Fast Company, marca líder mundial em mídia de negócios. Almir já teve relações comerciais com o Google e Natura, vendendo conceitos de “soft power”. Também produz café, castanha, gado e começa a investir em ecoturismo.
Além do reconhecimento pessoal conquistado, ultimamente Almir virou “O pai da Txai”, a jovem acadêmica de Diteito que discursou na abertura da COP 16, em novembro de 2021. De imediato, a indígena de 24 anos ganhou as manchetes dos principais jornais do mundo; alguns mais entusiasmados até trataram de lançá-la como possível candidata ao Prêmio Nobel da Paz. Sobre isso, Almir resume: “orgulho”.
Entrevistei Almir Suruí especialmente para minha coluna aqui no Portal Amazônia. Segue:
JÚLIO OLIVAR — Você é o mentor de sua filha Txai Suruí no ativismo pelos direitos indígenas?
ALMIR — Eu acredito que sim. Txai nasceu e cresceu observando nossas lutas; as lutas do seu pai e de sua mãe [Ivaneide Bandeira Cardoso, a Neidinha, dirigente da ONG Kanindé]. Minha filha entendeu que é necessário continuar. Não tratamos só de direitos indígenas, vai muito além, nossa ação refere-se à humanidade: direitos humanos e meio ambiente. Nossas bandeiras.
JÚLIO OLIVAR — Como foi a infância e a formação de Txai? Hoje em dia ela vive na aldeia?
ALMIR — Na infância da Txai ela me acompanhava. Não morávamos na aldeia, mas sim em Porto Velho, por questão de estratégias, estudos, militância, trabalho. Só que estávamos sempre lá [na aldeia] tratando de todas as questões. Hoje, ela está terminando o curso de Direito na Universidade Federal de Rondônia; passa temporadas na aldeia, junto com a gente. É uma liderança da juventude indígena, em todo o Estado, e agora sua voz é ouvida mundo afora, é uma porta-voz da causa indígena e da Amazônia.
JÚLIO OLIVAR — A participação de sua filha na COP 16 teve enorme repercussão. Isso favorece de que forma os índios?
ALMIR — Com certeza ela nos ajuda, e muito. Sua voz ajuda a nos proteger. Em 2011, nosso povo tinha projeto de carbono [a tribo passou a vender lotes de créditos de carbono certificado em território indígena. Feito de acordo com o mecanismo Redd (Redução de Emissões por Desmatamento)], com objetivo de combater as mudanças climáticas, que ainda eram pouco faladas no mundo. A participação da Txai na COP 16 resulta do nosso protagonismo lá atrás. Ela, agora, deu ainda mais visibilidade à nossa causa. Que é uma causa planetária.
JÚLIO OLIVAR — Quantos são os indígenas hoje vivendo em Rondônia e como se dá o diálogo entre as mais diferentes etnias?
ALMIR — São 23 terras indígenas e 43 povos. Há etnias diferentes entre si vivendo juntas, em algumas terras. Sempre dialogamos. Há assembleias e, mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, usamos os grupos de WhatsApp e redes sociais para reuniões das lideranças. Sempre buscamos unificar o discurso para fortalecer as lutas dos povos indígenas, principalmente sobre nossos territórios e autonomias.
JÚLIO OLIVAR — Economicamente, como vivem os suruís?
ALMIR — O que nos garante o sustento é a produção agroflorestal. Produzimos banana, castanha, café. Também lidamos com pecuária. Alguns suruís são profissionais: agentes de saúde e agentes de saneamento, professores indígenas, e outros que recebem salários do governo. Muitos indígenas também são favorecidos pelos programas sociais do governo, que é um direito. Mas pensamos sempre na geração de emprego e renda como algo que nos fortalece e nos dá autonomia. O ecoturismo é uma aposta mais recente nossa. Vamos ter uma rota para turismo na aldeia, a partir do final de março de 2022. Também estamos desenvolvendo projetos de implantação de agroindústrias. Sempre de maneira sustentável, ecologicamente correta.
JÚLIO OLIVAR — Produzindo café, lidando com turismo e negociando crédito de carbono, pode-se dizer que os suruís constituem hoje o povo indígena mais empreendedor do Brasil?
ALMIR — Sim, com certeza. Desenvolvendo o nosso território de forma responsável. Alguns povos têm sido influenciados pelo governo a produzirem em grande escala. Mas, nós não. Falamos em agrofloresta. O objetivo é produzir menos e com muita qualidade, utilizando tecnologia e conhecimento científico somados às nossas tradições. O nosso diálogo com o mercado é de quem é empreendedor sim, mas que também é responsável social e ambientalmente. Se não aprendermos a empreender valorizando a floresta, com certeza vamos sofrer no futuro bem próximo.
JÚLIO OLIVAR — Como é a relação de vocês com as ONGs?
ALMIR — Eu governo o meu povo valorizando o diálogo. Não se pode achar que conseguimos algo sem precisar de ninguém. Precisamos das organizações e da sociedade civil organizada. Desde que elas venham dentro dos nossos ideais e queiram trabalhar em parceria, respeitando nossas expressões e opiniões.
JÚLIO OLIVAR — A liderança de Almir Suruí nasceu quando, influenciada por quais fatores e por quem?
ALMIR — Quando eu nasci, em 1974, ou seja, fazia apenas cinco anos que o nosso povo havia tido o primeiro contato com os não-índios. Até então éramos índios isolados. Nasci e cresci vendo todos os desafios enfrentados pelo meu povo. Eu me inspiro em meu avô no sentido de como devo agir como liderança. O essencial é saber ouvir e saber respeitar, inclusive as opiniões públicas divergentes, de outros líderes. O resultado que buscamos é o bem-estar de todos. Fui eleito [cacique] com 17 anos de idade. De lá para cá aprendi que não basta defender o meu povo, é preciso defender o mundo. Claro que o nosso povo e o estado de Rondônia são prioridades.
JÚLIO OLIVAR — Você escreveu, em 2015, um livro biográfico, contando em francês a sua saga. Você é melhor compreendido fora do Brasil?
ALMIR — Desde o começo da minha luta, tenho muitas pessoas que me seguem fora do país. Mas hoje tenho muito orgulho do povo brasileiro que sabe o que significamos, da nossa luta. O Brasil também me apoia. Eu e minha amiga Corine Sombrun [escritora francesa] escrevemos o livro “Sauver la planète: Le message d’un chef indien d’Amazoni”. Há também uma versão em inglês. Espero logo termos o livro em português.
JÚLIO OLIVAR — Como é a relação da Funai do Governo Bolsonaro em relação ao período anterior?
ALMIR — Olha, há governos que impedem o diálogo. Nós precisamos de diálogo. Somos contra a proposta do atual governo de arrendamento de terras indígenas. Está claro que nós indígenas não somos bem-vindos, nem no governo, nem na própria Funai. Mas eles são obrigados a ouvir nossas opiniões. O diálogo está travado não é por causa de nós. Não se deve usar o poder pelo poder. Tem que construir com diálogo e respeito pela sociedade indígena. Antes haviam mais diálogo e respeito.
JÚLIO OLIVAR — Qual o grande desafio para os indígenas do século XXI?
ALMIR — A gestão adequada de seu território. O governo não apoia e até incentiva práticas como a mineração e o agronegócio. Isso não interessa às terras indígenas. Isso só traz retrocesso e impactos negativos. O governo deveria ter capacidade e criar créditos para gerar uma gestão melhor dos territórios, mas com todo um conjunto de fatores que incluem o empreendedorismo, sem afetar a natureza.
JÚLIO OLIVAR — Você é a favor da legalização da exploração de diamantes nas terras indígenas de Rondônia?
ALMIR — A forma como o governo tem abordado esse tema está errada. Eu não concordo com mineração da forma que o governo quer. Pensam apenas em favorecer mineradoras. E o que os índios vão ganhar com isso? Falam em favores e ‘merrecas’ para os índios. Para nós vão sobrar os impactos irreversíveis. Não concordamos.
JÚLIO OLIVAR — A cultura de vocês é preservada realmente ou virou algo mais alegórico sob todas as influências que vêm da sociedade dominante?
ALMIR — Preservamos. Nossa cultura é viva. Mas como em qualquer sociedade, também aprimoramos, tivemos acesso às tecnologias. A gente quer atuar também junto às culturas de não-índios. Há um intercâmbio e queremos implantar a universidade indígena. Educação e cultura têm que caminhar juntas.
JÚLIO OLIVAR — Você defende que os indígenas tenham uma representação política nos parlamentos? Como isso pode ser viabilizado ante a constatação de que, fora o meio acadêmico, ainda existe tanto preconceito social e residência contra os índios!?
ALMIR — Vivemos num país democrático e creio que todos os segmentos devem ser representados politicamente. Todos devem ter voz para que o Brasil seja um país justo e que tenha responsabilidades com todo o seu povo. Os indígenas estão preparados para atuar no legislativo e no executivo — em todos os níveis. É importante essa representatividade para que exista um contraponto dos outros interesses já postos. O desafio é construir um país com planejamento e sustentabilidade. A Amazônia é a grande riqueza e o grande potencial do mundo.
Bar que existia desde 1959 fecha as portas em Porto Velho
O Bar do Canto era o mais antigo em funcionamento em Porto Velho, ponto de encontro e parte da memória afetiva da capital. Existia há 63 anos, sempre funcionando no mesmo endereço; tornou-se uma tradição. O bolo “moka”, muito prestigiado na capital, era a marca do estabelecimento que foi uma mistura de lanchonete, confeitaria e restaurante. Não vendia bebida alcoólica. Fechou as portas em definitivo no dia 3.
Morreram nos últimos dias em Rondônia algumas figuras ilustres:
– O ex-deputado e ex-prefeito de Ariquemes e de Ouro Preto do Oeste, Francisco de Sales. Morreu 31 de janeiro, aos 69 anos, vítima de câncer.
– O carnavalesco Flávio Daniel (foto) marcou época na cultura popular de Porto Velho. Contribuiu em diversas escolas de samba da capital, como autor de enredos. Também atuou como artista plástico e servidor público. Morreu dia 7 de janeiro, aos 76 anos, de Covid-19.
– Derli Dutra morava em Vilhena. Dirigiu vários órgãos públicos, a exemplo do Detran e o Procon. Morreu dia 8 de fevereiro, aos 72 anos, de AVC agravado pela Covid-19.
Livro romanceia presença dos gaúchos na onda migratória em Rondônia
Vivendo em Vilhena há mais de 40 anos, o gaúcho Dari de Oliveira é testemunho da história que ele narra no livro “A Marcha dos Insensatos”, recém-lançado. A obra narra a aventura da migração de muitos gaúchos primeiro para o Paraná, onde participaram do desbravamento, e de lá para Rondônia. A maioria deles ficou no sul rondoniense, onde até hoje exerce forte influência na economia, na política e na cultura.
Dari estabelece uma narrativa romanceada, mas com informações historiográficas. O livro é muito bem ilustrado com fotos da época da ocupação desta região.
Sobre o autor
Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia Porto Velho, às 13h20.
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