O estádio Diogão não conta com refletores para abrigar partidas noturnas. Naquele momento, a arena era iluminada apenas por faróis de carros, que se colocaram em campo, focando no lugar onde o caixão do jogador seria finalmente visto pelo povo bragantino.
De repente, uma constelação de câmeras de celulares ligadas rendeu um inesperado espetáculo sob a noite já estrelada: o caixão de Lucas Gomes, finalmente, descia do carro fúnebre rumo ao gramado. Houve forte comoção. Palmas se misturaram a lágrimas e nós na garganta. O povo bragantino prestava seu mais respeitoso reconhecimento a um atleta paraense que, naquele momento, era alçado a patamar de herói nacional pelos feitos no futebol profissional e pelo destino trágico do time catarinense Chapecoense.
Honras
Sob a brisa noturna que soprava sobre os momentos alternados de comoção, palmas e silêncio contrito no estádio São Benedito, oito homens do exército carregaram o caixão de Lucas Gomes até o gramado da arena. Lá, pais e outros familiares e amigos se abraçaram ao caixão preto que leva uma faixa verde. Mais palmas e mais lágrimas vieram da multidão, aos brados de “Vamos, vamos Chape!!”, por mais alguns minutos.
“O trajeto do aeroporto de Belém até aqui foi de grande emoção. Não tivemos grandes paradas, mas quase todas as localidades à beira da estrada prestavam homenagens. Tivemos que vir com mais cuidado. Os familiares agradeciam acenando pelas janelas”, contou Joelson Sampaio, 39, motorista que conduziu o carro fúnebre de Lucas Gomes. “As pessoas soltavam fogos, tinham balões às mãos. Foi muito, muito emocionante. Pena que foi uma homenagem numa ocasião tão triste”, resumia.
A emocionante cerimônia no Diogão acabou às 21h30, quando o carro dos Bombeiros onde foi colocado o caixão do jogador deu uma volta olímpica no estádio. O cortejo então retomou as ruas de Bragança, rumo à casa da família, no bairro do Morro.
Bragança parou para ver o cortejo do estádio Diogão até a residência da família. Muitos se revezavam à beira da PA 308 para acompanhar. Um grande engarrafamento de motos e carros se formou. Quando lá chegou, às 22h15, uma multidão, porém, já tomava a vizinhança, subindo nas casas e lotado ruas próximas – apesar de o quarteirão da família estar, desde a tarde, isolado por forças policiais e com o trânsito fechado.
O corpo do jogador passou duas horas em velório privado, apenas para familiares, antes de seguir ao ginásio.
Pela manhã o corpo do jogador será homenageado, logo cedo, em cortejo pelas ruas do município. Depois, será levado ao cemitério da localidade de Nova Canindé, em Montenegro (também conhecida como Vila Jessé Guimarães), a 42 quilômetros de Bragança, pela rodovia Dom Eliseu (PA-112). O cemitério abriga um jazigo da família próximo à localidade da Terceira Travessa do Montenegro.
O atleta paraense de 26 anos foi um dos 71 mortos pelo acidente aéreo ocorrido esta semana com a delegação do clube de futebol Chapecoense, na Colômbia. Os corpos das vítimas brasileiras chegaram ao País na manhã de sábado, 3. As homenagens na Arena Condá, em Chapecó (SC), duraram todo o dia de ontem.
No Estádio Diogão, na entrada do município de Bragança, durante toda a semana bandeiras a meio mastro já indicavam o luto da cidade pela morte do jogador. Foi nesse estádio que Lucas Gomes despontou para a carreira profissional aos 17 anos. O talento foi descoberto por Ivan Almeida, então técnico do Bragantino. O atacante atuou por dois anos no time Sub-20 e lá ainda jogou por mais um ano, como atleta profissional. Depois passou por São Raimundo, de Santarém; Ananindeua; Tuna Luso Brasileira; Castanhal; Sampaio Corrêa (MA); Fluminense (RJ) e Chapecoense (SC). Lucas era o filho caçula dos agricultores Eliete Bezerra, 52, e Luiz Gomes, 69.
Em Bragança, o clima de comoção pelo traslado e enterro do atleta paraense já podia ser sentido desde o início do dia. Desde as nove da manhã já havia movimentação na sede do Senai, no bairro do Morro.
No trecho de 40 quilômetros de estrada, que liga Bragança à comunidade da Terceira Travessa de Montenegro (a vila conhecida por Jessé Guimarães), onde Lucas morou até a adolescência, casas de famílias, centros comunitários, igrejas e escolas colocaram várias faixas em sinal de luto pela morte do jogador, que é muito conhecido e querido ao longo das diversas comunidades situadas na rodovia Dom Eliseu (PA-112).
A região reúne vários amigos de infância e juventude e muitos colegas de escudos e chuteiras. “A palavra que expressa o que era Lucas é humildade. Ele nunca esqueceu suas origens”, disse o professor Dênis Reis, morador da comunidade Quilômetro Sete e organizador dos campeonatos nos quais o jogador despontou, ainda quando participava da Copa Rural de Montenegro de Futebol Amador. “Ele sempre voltava e falava com todos, mesmo depois de despontar no Fluminense. Sua intenção era montar uma escolinha de futebol aqui em Montenegro”, recorda.
“Vamos todos ao velório e também ao enterro”, lamentava a pensionista Nilza Guimarães. À porta de casa, e à beira da estrada que atravessa Bragança rumo à comunidade de Montenegro, sua família inteira se desdobrou para homenagear o jogador com uma faixa de luto. “Era uma pessoa muito querida para todos”, resumiu.