Pesquisador indígena do Amazonas é condecorado por defesa da educação e integração de saberes ancestrais e ciência

Educador, pesquisador e liderança indígena do povo Baniwa, Dzoodzo Baniwa é um dos cientistas laureados com o Prêmio Fundação Bunge 2025, na categoria 'Vida e Obra'.

O pesquisador Dzoodzo Baniwa receberá o Prêmio Fundação Bunge em 23 de setembro, em São Paulo (SP). Foto: Divulgação/Fundação Bunge

Educador, pesquisador e liderança indígena do povo Baniwa, Dzoodzo Baniwa (Juvêncio da Silva Cardoso) é um dos cientistas laureados com o Prêmio Fundação Bunge 2025, na categoria ‘Vida e Obra’, pelo tema “Saberes e práticas dos povos tradicionais e sua importância para a conservação dos recursos naturais”.

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Inspirada no Nobel, a premiação que completa 70 anos em 2025 condecora personalidades que contribuem de forma significativa para o desenvolvimento social, cultural e científico do Brasil. No caso de Dzoodzo, o reconhecimento se dá pela sua atuação como defensor da educação escolar indígena para os povos Baniwa e Koripako e da troca de saberes entre a ciência tradicional e os conhecimentos ancestrais de seu povo.

Dzoodzo reside na aldeia Santa Isabel do rio Aiari, que integra a Terra Indígena Alto Rio Negro, no Amazonas. Nascido na década de 1980, Dzoozo acompanhou de perto o início da educação escolar no território, a partir da chegada, naquele período, da missionária Sophia Müller. 

“Esse momento marcou o início de uma nova era para o povo Baniwa. Com a Sophia, chegou também à educação escolar escrita, porque a educação indígena, oral, já existia. Entrar em contato com o mundo letrado foi muito significativo para a nossa cultura, não só na questão de ler materiais produzidos fora do território, mas também de internalizar essa escrita para sistematizar e registrar os conhecimentos do território, para que fosse possível dialogar com os conhecimentos de outros povos”, explica.

Foi naquela mesma época que os indígenas da região se organizaram pela defesa de sua terra e seus direitos. “O meu povo era conhecido de recente contato, escolarização também e, por essa dificuldade, o território sofreu com invasão garimpeira. Aí, em 1987, se organizou na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), para lutar pelos direitos, pela saúde, pela educação indígena no território”, lembra o pesquisador.

Formação do pesquisador

Licenciado em física intercultural pelo Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e mestre em Ensino de Ciências Ambientais do Programa Mestrado Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais, associado à Universidade Federal do Amazonas (PROFCIAMB/UFAM), o educador e pesquisador iniciou sua carreira como estudante do Ensino Fundamental II na Escola Indígena Baniwa e Coripaco (EIBC) da Pamáali, a primeira de seu território.

A experiência na EIBC despertou nele a paixão pela educação e a vontade de conectar os saberes ancestrais de seu povo com os conhecimentos científicos.

“Desde a vida escolar, participei de projetos sociais, visitando e escutando as comunidades sobre seus desafios. Então sempre cresci pensando nessas possibilidades. Quando me formei no Ensino Fundamental, minha escola já permitia esse diálogo entre saberes locais e conhecimentos científicos”, relembra o pesquisador.

Ao longo de sua trajetória, Dzoodzo visitou centros de pesquisa e se tornou técnico indígena em psicultura no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA), do ICMBio, em São Paulo. E foi nessa caminhada que pôde ver e vivenciar a riqueza do diálogo entre o conhecimento científico e os conhecimentos locais de seu povo.

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“Me tornei o primeiro técnico indígena, sem titulação, mas com prática no laboratório de psicultura, realizando produção artificial de peixes. Nesse processo, pude utilizar o conhecimento científico, com medição de dosagem, hormônio, temperatura, matemática, química, com as espécies de peixes locais e as narrativas sobre os peixes do meu território”, conta o pesquisador.

Sobre esse uso dos saberes e narrativas ancestrais na ciência, ele explica como se dá o trabalho dentro de uma escola indígena.

No meu território não tem energia elétrica. Então, como trato a eletricidade? Nas nossas narrativas mitológicas, existe, por exemplo, a narrativa do fogo. E o que que significa trabalhar com fogo, eletricidade, no contexto de hoje? É nessa perspectiva que a gente trabalha, com um processo de ensino-aprendizagem muito mais abrangente. Precisamos compreender e agir em cima do contexto local, não só no aspecto escolar, mas também da aldeia, do território, da evolução cultural do povo”. 

Imagem colorida do pesquisador indígena amazonense dzoodzo baniwa
Foto: Divulgação/Fundação Bunge

Agir, segundo o pesquisador, é buscar soluções criativas e promover a educação com base em diálogos intersetoriais para lidar com os desafios existentes no território.

Como bem lembra Dzoodzo, na cultura indígena, não há desmatamento nem emissão de gases do efeito estufa, mas os territórios também sofrem com os impactos da emergência climática. Por isso, uma atuação conjunta é fundamental.

“Tanto a cultura indígena quanto a ciência em si têm uma relação de interdependência atualmente. Saberes indígenas dependem da metodologia científica para que sejam reconhecidos e validados. Assim como os não-indígenas dependem de conhecimentos milenares, indígenas, para corroborar ou negar suas percepções. Unir esses conhecimentos nos ajuda a compreender essa relação de multiversalidade, sob diversas perspectivas, sem compartimentar tanto as coisas. Por isso a importância da inclusão da presença dos indígenas nesses espaços”, afirma.

Hoje, Dzoodzo Baniwa, além de educador e pesquisador, afirma carregar a responsabilidade de ser um tradutor intercultural, que conecta os saberes ancestrais com o conhecimento científico. 

“Isso é importante não só para nós, indígenas, mas também para o benefício da humanidade. É importante que outros povos criem essa perspectiva, de abrir possibilidade de diálogo com as universidades e com a política pública. É nessa estrutura que se consegue construir uma sociedade mais inclusiva e diversa”, finaliza.

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Prêmio Fundação Bunge

O Prêmio Fundação Bunge chega a sua 70ª edição neste ano com a responsabilidade de homenagear cientistas que se dedicam a estudos na área de emergências climáticas. Thieres George Freire da Silva, cientista da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), será agraciado na categoria Vida e Obra no tema “Gestão do risco climático na produção de alimentos”, por seus trabalhos relacionados aos impactos das mudanças climáticas e uso da terra. A pesquisadora Elizângela Aparecida dos Santos, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), será agraciada na categoria Juventude, com pesquisadores de até 35 anos.

No tema “Saberes e práticas dos povos tradicionais e sua importância para a conservação dos recursos naturais”, Juvêncio da Silva Cardoso (Dzoodzo Baniwa), educador, pesquisador e liderança indígena do povo Baniwa, será agraciado na categoria Vida e Obra. Ygor Jessé Ramos dos Santos, baiano, negro e quilombola do distrito Acupe de Santo Amaro e professor do Departamento do Medicamento na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), receberá o prêmio na categoria Juventude.

A premiação tem como premissa que as indicações dos nomes dos cientistas sejam feitas por representantes das principais universidades e entidades científicas do país. Os currículos recebidos são avaliados por comissões técnicas independentes formadas por especialistas.

Mais de 200 personalidades brasileiras já receberam o Prêmio Fundação Bunge. Entre eles estão Mariangela Hungria, Adalberto Luis Val, Erico Veríssimo, Hilda Hilst, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Marcelo Rubens Paiva, Oscar Niemeyer, Carlos Chagas Filho, Gilberto Freyre, Paulo Freire, Celso Lafer, Fernando Abrucio, além de Elisabete Aparecida de Nadai Fernandes e Durval Dourado Neto.

*Com informações da Fundação Bunge

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