Localizado em ilha desabitada, Observatório Magnético no Pará estuda mistérios da Terra

A apenas 12 km da costa de Belém, o Observatório Magnético de Tatuoca estuda o campo magnético e suas influências na vida cotidiana.

No coração do Norte do Brasil, onde a imponente Floresta Amazônica encontra as águas do Atlântico, reside uma importante instalação científica: o Observatório Magnético de Tatuoca (TTB). Fundado em 1957 pelo Observatório Nacional (ON/MCTI), o Observatório Magnético de Tatuoca faz parte da rede internacional de observatórios INTERMAGNET e desempenha um papel fundamental na compreensão dos fenômenos geofísicos da Terra.

Localizado em uma ilha desabitada, a apenas 12 km da costa de Belém, no Pará, o observatório é acessível apenas por uma viagem de barco de cerca de 30 minutos. Tatuoca não possui moradores, carros nem outras atividades além do observatório magnético. Por isso, o ambiente é propício para as captações de dados e para medições geofísicas precisas.

A Ilha de Tatuoca: Ciência e Natureza

A história do TTB começa em 1933, com a instalação de uma estação magnética temporária. A escolha de Tatuoca foi estratégica: a proximidade com o equador geográfico e o equador magnético da Terra faz da ilha um local privilegiado para a captação de dados magnéticos. Em 1957, o observatório começou a realizar medições contínuas, que se mostraram essenciais para a compreensão do equador magnético e do eletrojato equatorial, dois fenômenos geomagnéticos importantíssimos.

Foto: Divulgação/ Observatório Nacional

Em 2012, o Observatório de Tatuoca registrou um feito importante: a passagem do equador magnético, região da superfície terrestre onde o campo magnético é completamente horizontal. É diferente, por exemplo, dos pólos magnéticos, nos quais o campo é totalmente vertical.

A evolução do equador magnético é consequência da atividade no núcleo da Terra. Assim, os dados que monitoram o campo magnético da Terra e registram a posição do equador magnético podem ser usados em estudos sobre o interior profundo do planeta, bem como para estudos de geofísica espacial.

Este comportamento do campo no chamado equador magnético é responsável pela formação de uma intensa corrente elétrica na região da ionosfera, chamada de eletrojato equatorial.

Foto: Divulgação/ Observatório Nacional

A mais de 2900 km de profundidade, no núcleo externo da Terra, um líquido rico em ferro e níquel em constante movimento e altas temperaturas gera o campo magnético do planeta. Este campo magnético, invisível a olho nu, é fundamental para a proteção da vida no planeta contra o vento solar e os raios cósmicos, conjuntos de partículas que vêm do espaço em direção à Terra. Durante tempestades magnéticas, o campo evita que ocorra interrupção na transmissão de energia elétrica ou em sistemas de comunicação por satélite.

O Observatório Nacional monitora continuamente o campo magnético da Terra, realizando medições de alta precisão. Os dados coletados não só ajudam na compreensão dos fenômenos geofísicos, mas também têm aplicações práticas importantes, como na exploração mineral e petrolífera.

Cooperação e Modernização

Nos últimos anos, o TTB tem recebido visitas regulares do Observatório Nacional, em parceria com o instituto GFZ-Potsdam, para modernização da estrutura e treinamento da equipe. Esses esforços culminaram na integração do observatório à rede INTERMAGNET em 2019.

Além disso, existe uma colaboração entre o ON e a Universidade Federal do Pará (UFPA), principalmente com o Instituto de Geociências da UFPA. A UFPA colabora constantemente com as atividades no observatório de Tatuoca, incluindo auxílio para realização das medições, recuperação do precioso acervo dos dados antigos de TTB e processamento de dados. Além disso, desenvolve pesquisa em geomagnetismo, com orientação conjunta de alunos.

O professor Cristiano Mendel, atual vice-diretor de Instituto de Geociências da UFPA, destacou:

“Existe atualmente um acordo formal de Cooperação Científica entre a UFPA e o ON. Agora estamos em uma fase de integração e intensificação de esforços de colaboração em pesquisa, ensino e extensão entre o ON, a UFPA e parceiros internacionais, pretendendo estabelecer Tatuoca como uma Ilha de Ciências na Amazônia , integrando saberes, desenvolvendo pesquisa e formando alunos em temas importantíssimos sobre a foz e a Amazônia oriental.”

Segundo o professor da UFPA, há décadas a Geofísica da UFPA colabora com o ON em um esforço de contribuição ao geomagnetismo, e a intenção é sempre intensificar esta colaboração.

Cristiano enfatizou que, com este conjunto de dados, uma possibilidade importante é a integração com as observações de satélites, aproveitando os parâmetros físicos coletados na Ilha para calibrar o monitoramento remoto satelital. Outra importante frente de colaboração é quanto à digitalização do acervo de 50 anos de dados magnéticos de Tatuoca analogicamente registrados em papel. Esta é uma parceria com pesquisadores de Arquivologia e Ciência da informação da UFPA, também conjuntamente com importantes grupos internacionais.

Investimento em transporte e infraestrutura

Para facilitar o transporte dos servidores que trabalham em Tatuoca, o Observatório Nacional adquiriu recentemente uma lancha. A embarcação garante segurança, comodidade e conforto para os funcionários.

Foto: Divulgação/ Observatório Nacional

“A aquisição da nova lancha representa uma iniciativa estratégica de grande relevância para Tatuoca, trazendo múltiplos benefícios. Este novo meio de transporte oferecerá maior eficiência e segurança para a equipe técnica do Observatório Nacional (ON) e visitantes da ilha, facilitando o deslocamento diário e sendo crucial em situações de emergência. Além disso, a embarcação promoverá uma melhor integração de Tatuoca com as regiões circundantes, inaugurando uma nova fase de atividades para o Observatório de Tatuoca. Esta iniciativa possibilitará a expansão da rede de estações magnéticas fixas, seguindo um calendário preestabelecido, o que resultará em um aumento significativo de dados e informações coletadas pelo Observatório Magnético de Tatuoca, fortalecendo assim a pesquisa científica na região”, destacou o Dr. Fábio Vieira, Coordenador da Geofísica do ON (COGEO).

Em uma visita ao observatório no dia 8 de julho, uma equipe do ON conheceu a nova lancha e discutiu futuras melhorias para o Observatório. A equipe foi formada pelo diretor Dr. Jailson Alcaniz; o gestor da COGEO, Dr. Fábio Vieira; o chefe da Divisão de Tecnologia da Informação do ON, Jorge Eduardo Mansur; e a jornalista do ON, Lorena Amaro. A visita foi guiada pelo Prof. Cristiano da UFPA, que contou a história do Observatório, explicou seu funcionamento, importância para pesquisa científica e apresentou o acervo histórico e os equipamentos do TTB.

Também estiveram presentes na ocasião o Diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), Dr. Wagner Corradi; o Diretor do IRD (Institut de recherche pour le développement) no Brasil, Dr. Abdelfettah Sifeddine; e os professores da UFPA, Dr. Laurent Polidori, pesquisador em Geoprocessamento e Ciências Ambientais, e o Dr. Cristian Berrio Zapata,  pesquisador em Arquivologia e Ciências da Informação.

Receberam os visitantes os técnicos do Observatório Alex Geovany da Silva Miranda, chefe do TTB, Lauro Amaral Zeferino, Ronan do Socorro Miranda Miranda, Fabio Junior Coelho Malcher e Suelen Buzaglo.

Medições realizadas em Tatuoca

Existem dois tipos de observações feitas em cada observatório magnético: as absolutas e as relativas. Quando se faz uma medição absoluta, registram-se ângulos de declinação e inclinação por meio de um instrumento chamado DI-fluxgate teodolito e a intensidade total por meio do magnetômetro overhauser, como o GSM-19. Estas medições são feitas manualmente, duas vezes por semana, por técnicos especializados do ON. 

Já as observações relativas são adquiridas automaticamente e ininterruptamente a cada segundo por equipamentos eletrônicos, registrando a variação do campo magnético, e estes dados são imediatamente disponibilizados via internet para toda a comunidade científica global.

Aplicações e descobertas

As medições realizadas em Tatuoca são essenciais para diversos estudos geofísicos. Além de sua importância científica, esses dados têm aplicações práticas na indústria de mineração e na exploração petrolífera, auxiliando na determinação de propriedades físicas de estruturas geológicas abaixo da superfície.

A verificação da atividade geomagnética é outra aplicação importante dos dados de observatórios transmitidos em tempo real. Por exemplo, quando há fortes tempestades magnéticas, não é recomendável a realização de levantamentos porque a correção dos dados seria praticamente inviável.

As tempestades magnéticas podem ter uma importante consequência: as GICs (do inglês Geomagnetically Induced Currents ) ou correntes geomagnéticas induzidas. Durante as tempestades magnéticas, correntes induzidas podem fluir nos fios de alta tensão — o que tem potencial de destruir transformadores elétricos.

Anomalia Magnética do Atlântico Sul

Um fenômeno notável que tem relação com o campo geomagnético é a Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), onde o campo magnético da Terra é mais fraco. Essa anomalia permite a entrada de partículas de alta energia na magnetosfera, representando um risco para satélites e astronautas.

A AMAS tem se deslocado gradualmente para o Brasil desde o século XVII, aumentando em extensão e diminuindo a intensidade do campo magnético, o que torna a região um ponto focal para estudos geofísicos.

Além do TTB, o Observatório Nacional também possui e opera o centenário Observatório Magnéticos de Vassouras (VSS), a 120 km da cidade do Rio de Janeiro, que funciona continuamente desde 1915, o que faz dele um dos observatórios mais antigos do mundo. O VSS tem uma posição privilegiada para monitorar a AMAS.

Mapa dos observatórios magnéticos existentes (preto) e futuros (verdes). As linhas azuis mostram a intensidade do campo geomagnético no Brasil e a AMAS. A linha vermelha mostra o equador magnético. Imagem: Gabriel Brando Soares

Mapa dos observatórios magnéticos existentes (preto) e futuros (verdes). As linhas azuis mostram a intensidade do campo geomagnético no Brasil e a AMAS. A linha vermelha mostra o equador magnético. Fonte: Figura elaborada por Gabriel Brando Soares

Além disso, em 2019, o Observatório Nacional instalou uma estação magnética em Macapá, no Amapá, em cooperação com o GFZ-Potsdam (Centro Alemão de Pesquisas em Geociências) e com o grupo de geofísica da Universidade Federal do Pará.

Pioneirismo e Importância Global

Foto: Divulgação/ Observatório Nacional

A longa história de produção de dados geomagnéticos coloca o Brasil em destaque no cenário científico global. Além disso, o país está localizado em uma região privilegiada para a observação de importantes fenômenos do magnetismo terrestre.

Os dados gerados pelo Observatório Nacional são utilizados em pesquisas de excelência, contribuindo para modelos globais do campo magnético e estudos práticos em diversas indústrias.

A importância das medições feitas em Tatuoca transcende a ciência pura, impactando diretamente a sociedade e seu desenvolvimento tecnológico.

*Com informações do Observatório Nacional

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