Lições do Vale do Javari

Organizações nacionais ou estrangeiras que de fato se interessam pela defesa da região devem exercer sua missão com transparência, divulgar áreas de atividades, financiadores (normalmente organizações internacionais), prestar contas dos recursos arrecadados e sobre os resultados de suas ações.

O Greenpeace divulgou nota lamentando “o cruel assassinato do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, mortos no Vale do Javari, na Amazônia”. Afirma, sem meias palavras: “o que tem se tornado o Brasil, afinal? Nos últimos três anos, nosso país vem se configurando cada vez mais em uma terra em que a única lei válida é a do “vale-tudo”. Vale a invasão e grilagem de territórios; vale a proliferação do garimpo; vale a extração ilegal de madeira; vale todo e qualquer conflito territorial… e vale matar para garantir que nenhuma dessas atividades criminosas sejam impedidas de acontecer. E tudo isso alimentado pelas ações e omissões do governo brasileiro”.

Ao final, a ameaça petulante, insolente: “Já basta. O mundo tem de acordar e tomar as medidas necessárias para pôr fim à violência e à repressão intoleráveis que assolam a Amazônia. A maior homenagem que podemos prestar agora a Bruno e Dom é continuar o seu trabalho vital até que todos os povos do Brasil e as suas florestas estejam totalmente protegidos”, declara o Greenpeace Reino Unido, que suporta o Greenpeace Brasil. A nota da ONG é um primor de arrogância e desrespeito, além de agressiva e intervencionista.

Não obstante a ameaça direta, sem disfarce, contra a integridade nacional, até onde pude observar não causou indignação e o repúdio merecido seja da mídia, da classe política, estudantil, sindical ou de setores da sociedade civil. Desse estado letárgico, de indiferença ante questões de tamanha transcendência, cabe observar: que ações contundentes e decisivas o conjunto desses atores têm empreendido em favor do nosso desenvolvimento com vistas a extirpar pela raiz os males que afligem a região?

Atalaia do Norte fica na região do Vale do Javari. Foto: Clóvis Miranda/AmazonTur

Refiro-me, particularmente, à universidade, centros de pesquisa, aos órgãos de planejamento, à mídia, às próprias ONGs e às representações da classe política e da sociedade organizada. Enquanto isso, levantamento de 2019 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta a existência de 102.080 organizações da sociedade civil (ONGs) com sede em municípios da Amazônia Legal (área que engloba sete estados brasileiros e abriga três biomas: o Amazônico, o Cerrado e Pantanal). Ao que alegam, voltadas à busca de soluções para a conservação do meio ambiente, do bem-estar social e à impulsionar consciência ambiental pró sustentabilidade.

Dispondo de enormes riquezas bioeconômicas e ambientais, a região tem sido alvo de arraigados interesses de multinacionais por meio de certas ONGs. Assim, em vez de proteger, conseguem, na verdade, auferir vantagens econômicas na extração de madeira ou na mineração, ou no exercício de atividades de biopirataria com apropriação criminosa de recursos do bioma. Organizações nacionais ou estrangeiras que de fato se interessam pela defesa da região devem exercer sua missão com transparência, divulgar áreas de atividades, financiadores (normalmente organizações internacionais), prestar contas dos recursos arrecadados e sobre os resultados de suas ações.

Raros os professores, pesquisadores e organizações não governamentais que dispunham de propostas concretas sobre a exploração sustentável do Setentrião brasileiro. Contingente expressivo de “salvadores” da Amazônia, move-se não raro apenas por ranços ideológicos ultrapassados. E desta forma vem apoiando cegamente organizações estrangeiras aqui atuantes, boa parte delas com interesses escusos, e demonizando os governos, seus antecessores e certamente os sucessores per omnia saecula saeculorum [para todo o sempre; eternamente].

Mais grave ainda: muitas sequer conhecem a conjuntura econômica, social e geopolítica da região. Como escreveu Samuel Benchimol, na obra “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia”, 2012: “o futuro não acontece por si mesmo. O seu fabrico é produto de ação planejada, da inovação, da iniciativa privada, do desejo político e da sociedade para criar um horizonte de vida, trabalho e bem-estar, que contemple a todos sob o pálio da justiça e da fraternidade. A Amazônia deve estar de braços e olhos abertos para receber esse futuro”.

Sobre o autor

Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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