Nestes tempos de radicalismos ideológicos extremados, considera-se importantíssimo distinguir corretamente os limites e o alcance destas conceituações.
O texto, sem pretensões filosóficas, de ciência política ou de historiografia, busca, a partir de estudos publicados em livros especializados, alguns portais, autores e documentos garimpados junto ao Google, esclarecer as principais diferenças entre os termos “esquerda” e “direita” do ponto de vista político e a relação da origem e finalidade das ideias. Nestes tempos de radicalismos ideológicos extremados, considera-se importantíssimo distinguir corretamente os limites e o alcance destas conceituações e, desta forma, evitar confusões, rótulos impensados, intransigências e inflexibilidades cada vez mais acirradas, hostis e agressivas nas discussões de questões políticas.
Quem conhece um pouco de história, entenda-se, na concepção da ciência que estuda o conjunto dos saberes de um povo, de uma ciência ou arte; de uma cultura, região ou de um indivíduo determinado, tem noção de que, durante a Revolução Francesa (1789/1799), a Assembleia Nacional, ao debater sobre a criação de uma nova Constituição, destronar o rei, acabar com a monarquia e resolver a crise instalada na França, encontrava-se radical e irreconciliavelmente dividida. Situação semelhante acometida na Espanha durante e no pós Guerra Civil Espanhola (1936 e 1939), motivada pela inflexível disputa do poder entre dois grupos: os republicanos, alinhados com a esquerda política e o comunismo, e os nacionalistas, alinhados com a direita e o nazifascismo.
Conjunturalmente, a propósito, tal situação em muitos aspectos se assemelha ao quadro político predominante no Brasil. Uma vez encontrar-se de tal sorte fragmentado politicamente que só um mega acordo político de governabilidade poderá aliviar tensões estereotipadas e varrer sombras do passado que toldam nossos horizontes e nada constroem. Somente assim, penso eu, seja possível resolver os gravíssimos problemas que sufocam a nação: a desigualdade e desarmonia profundamente instaladas no seio dos Poderes da República; a corrupção, o baixo crescimento da economia, a insegurança institucional, o ainda elevado índice de desemprego, a queda no padrão educacional, da saúde pública, da segurança, do transporte, do saneamento básico. Nenhuma novidade, convém salientar, desde a Proclamação da República em 1889.
Origem conceitual
Para se entender como os termos “esquerda” e “direita” entraram no repertório político, é necessário transportar-se às origens da Revolução Francesa. Especificamente à Assembleia Nacional e aos parlamentos formados por toda a França entre 1789 e 1799, organizados de forma que os representantes da aristocracia se sentavam à direita e os comuns à esquerda do orador.
Os girondinos recusavam-se a aceitar mudanças drásticas, eram favoráveis ao rei e queriam conservar o status quo com a devida prudência, os privilégios da aristocracia, da igreja e a sociedade de classes prevalente no antigo regime, ou seja, eram conservadores no sentido de manter as estruturas sociais vigentes até então. Enquanto isso, os jacobinos, representantes dos interesses da burguesia, a classe que financiava a conta da aristocracia e da igreja, mas que até aquele momento não tinha poder político. Representavam os interesses dos trabalhadores burgueses, e propugnavam uma revolução radical, mudanças drásticas em relação ao status quo político, à forma como a sociedade se organizava, esperando melhorar tudo por meio de arrojadas medidas transformadoras.
Passados os anos, revoluções, guerras e conflagrações intestinas diversas, a direita, em síntese, acredita em um melhor funcionamento da sociedade quando o governo é limitado. O Estado deve ser menor e cuidar apenas do essencial, restringindo-se às necessidades comunitárias fundamentais. Exemplos: a defesa nacional, a garantia de abastecimento de mantimentos e de energia elétrica, água, educação, saúde pública, saneamento básico, etc.
Quanto à esquerda, na concepção de pensadores de expressão, diz respeito, basicamente, ao grupo de pessoas ou de partidos que defendem os ideais do socialismo, um Estado maior, politicamente ditatorial, em oposição ao capitalismo e a regimes de direita. Nos países que originalmente adotaram o regime comunista, a suposição é de que ao governo cabe controlar todos os aspectos da vida social: a educação infantil, o regimento interno das empresas, o sistema de produção da economia, as assistências sociais de qualquer natureza e, até mesmo, cultos religiosos, regra geral proibidos.
Em nenhuma circunstância é admitido qualquer poder equivalente ao do Estado aos pais de família, aos CEOs das empresas, proprietários das escolas particulares, nem aos líderes religiosos nas igrejas, nem mesmo à consciência humana individual, extensivamente à ciência, às artes e à cultura. Para um típico esquerdista, especialmente o comunista, ser de esquerda é estar mais preocupado com a coletividade, com o grupo e não com a individualidade. As causas objeto de lutas correspondem a causas sociais, de grupos, tribos, minorias, especialmente devido a que os mais pobres serão explorados pelos mais ricos. Em suma, ao que advogam, sem um governo mediando as relações entre empregados e patrões, haverá inevitável e irrecorrível injustiça, à mais valia, a exploração do homem pelo homem, com o inevitável abuso da parte mais fraca.
Em alguns momentos da história, os governos socialistas, exemplo de alinhamento à esquerda, sacrificaram pessoas em prol do bem do partido e da causa como um todo. Também é comum encontrar no lado esquerdo um número considerável de pessoas que sustentam que a verdade não é objetiva, e sim relativa. Karl Marx, o teórico do socialismo e do comunismo, não existe bem ou mal, verdade ou mentira. Prevalece em caráter absoluto a dicotomia segundo a qual “há o que favorece a causa da revolução e o que não a favorece. Se ajuda a revolucionar, é bom; se não ajuda, é mal”. Com base em tais princípios, esquerdistas defendem a criação de governos fortes para resolver os problemas sociais. Não raro ditatoriais – os exemplos se multiplicam ao longo da história.
Equívocos de governos fortes
Basicamente, ao contrário do que defendem políticos extremistas, governos fortes, de direita ou de esquerda, normalmente são nocivos à sociedade. Tais regimes favorecem inevitavelmente a concentração excessiva de poder, cuja maior consequência, segundo Mikhail Gorbachev, é tornar “o sistema tão pouco sensível a mudanças de tal sorte a repetir tudo que seja novo”. O ex-líder soviético afirma em seu excepcional livro “Minha Vida”, de 2013, que todo o poder local concentra-se nas mãos do primeiro-secretário. Desta forma, “toda a máquina do governo da região, até mesmo os órgãos responsáveis pelas eleições, respondiam a ele”.
Gorbachev vai mais além: “nenhuma ocupação podia ocorrer sem seu consentimento; todos os funcionários em cargo de liderança eram nomeados pelo comitê de área ou pelo comitê regional. Inclusive, se uma empresa ou instituto respondesse diretamente a um ministério, o ministro em pessoa não podia passar por cima do primeiro-secretário e indicar alguém a sua revelia”. Evidentemente, tal regime de governo não podia ter sustentação política e social duradoura, não podia nem pode dar certo, como não deu, ruindo logo após a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Para Eric Hobsbawm (1917-2012), consagrado como notável historiador e extraordinário divulgador do marxismo, muitos são os conceitos elaborados por Marx que estão presentes na Historiografia Marxista. Entre eles estão: o Materialismo Histórico, que argumenta serem as relações de produção responsáveis pelas relações concretas dos homens na sociedade; o Modo de Produção, estatizado, que seria capaz de retratar a totalidade de uma sociedade através de estrutura e superestrutura; e Classe Social, que alcançaria níveis de conflitos por causa da luta de classes.
Por outro lado, a Historiografia Marxista demonstrou ter seus limites. Por causa do grande enfoque dado nas relações econômicas, afirma Gasparetto Júnior, os historiadores perceberam que não seria possível explicar todos os aspectos da vida social. Muitas facetas importantes para as relações do cotidiano na humanidade não eram abordadas. Hoje se entende que a História é feita em diversas circunstâncias da vida humana e está muito em foco as proposições feitas pela quarta geração da Escola dos Annales que enfatiza as implicações da cultura na explicação das sociedades.
Em síntese, o socialismo marxista propõe a abolição da propriedade privada, a socialização dos meios de produção, o fim da divisão de classes e a abolição da exploração do trabalho. Para Marx e Engels, quando a classe proletária fosse capaz de tomar consciência da sua situação e buscar uma organização de luta, assumindo o poder e administrando o sistema de forma justa e em prol de todos, as classes sociais seriam abolidas e com ela chegaria ao fim também o Estado.
A partir desse momento, a sociedade estaria preparada para o sistema comunista. Para o bem ou para o mal, não chegou a tanto. Foi atropelado no meio do caminho pela consolidação do sistema capitalista, particularmente a partir da queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética (1989-1991), obrigada a reconhecer a partir daí os sucessivos movimentos de independência das nações satélites.
Consequências
Em seu livro, ‘O Caminho da Servidão”, publicado no auge da Segunda Guerra Mundial, Friedrich Hayek (1899-1992) alerta sobre os perigos do autoritarismo e como governos totalitários podem direcionar povos inteiros rumo à subserviência. Segundo o autor, todas as formas de coletivismo como socialismo, nazismo e fascismo resultam em supressão das liberdades individuais. Para Hayek o Estado que tenta controlar toda a economia acaba por controlar todos os aspectos da vida dos indivíduos, com desastradas consequências sociais, políticas e econômicas.
Regimes de força, notadamente ditatoriais – à esquerda ou à direita – produzem, regra geral, consequências extremamente danosas para a sociedade. De fato, se o governo expande sem controle seus tentáculos dominantes em relação ao sistema político, subjugando os demais poderes (Legislativo e Judiciário) e as organizações sociais (imprensa, sindicatos, representações de classe e comunitárias), inevitável que se tornem terra fértil ao descontrole do estado, particularmente em relação a adversidades como as apontadas a seguir:
- Aumento da corrupção. Poder e dinheiro acumulados e centralizados induzem a que pessoas no governo passem a vender influência para obter ganhos pessoais e políticos. Já as de fora buscarão comprar essa influência e favores. Na África e na América Latina, por exemplo, a corrupção do governo tem sido o maior fator que impede as nações de progredir;
- Diminuição da liberdade individual. A liberdade individual é menos importante para a esquerda do que para a direita. Observando os desdobramentos de forma lógica, quanto maior o controle do governo sobre a vida das pessoas, menor a liberdade que elas têm;
- Gigantismo da carga tributária. Como consequência do excessivo aumento de impostos e a proliferação de taxas, reduzem-se os investimentos, reduz-se a arrecadação, aumenta o déficit público e o desemprego;
- Contínua expansão do tamanho do Estado tende a elevar o intervencionismo na economia, gerando profundos desequilíbrios no sistema de produção e redução da competitividade do produto nacional.
O fato inconteste é que a combinação governo forte x parlamento fraco tende a elevar ilimitadamente o poder do Executivo sobre a vida da população. Inevitavelmente, descamba para a tirania e perda da liberdade. Para fugir dessa armadilha deve-se corrigir a distorção e, com efeito, evitar que venham a colapsar em consequência da ineficiência de gestão do próprio gigantismo estatal. As soluções são sempre muito difíceis de serem implementadas. Sobretudo devido a que, além da baixa qualidade do serviço público, ocorre profundo descompasso entre Executivo e Legislativo no que tange à adoção de políticas públicas rígidas voltadas à contenção de gastos, do desequilíbrio fiscal (quando os gastos do governo – e a dívida resultante – ultrapassam sua capacidade de longo prazo de aumentar a receita para financiar seus gastos e dívidas) e à busca de simetria e harmonia entre os poderes constituídos.
A propósito, vastos são os exemplos de esbanjamento dos gastos públicos. De acordo com o Boletim Focus, do Banco Central, em 2015, a sonegação fiscal chegou a R$ 420 bilhões no Brasil. Segundo o Sindicato de Procuradores da Fazenda Nacional, o montante seria muito menor se os órgãos de arrecadação recebessem maior investimento em recursos humanos. No mesmo ano, pífios 3% das multas ambientais foram efetivamente cobradas, devido, em parte, à falta de pessoal para processá-las em tempo hábil. No INSS, um déficit de 18.430 servidores contribuiu para a ocorrência de fraudes que geraram prejuízos de R$ 4,6 bilhões, entre 2003 e 2014.
Evidentemente, só um governo reto, descompromissado com interesses subalternos, não republicanos, e inteiramente empenhado na preservação dos interesses nacionais será capaz de solucionar esse gravíssimo problema. Consequentemente, “esquerda x direita”, em tais circunstâncias perde força como expressão de posicionamento político efetivamente comprometido com o solucionamento das questões de gestão da máquina pública e a promoção do desenvolvimento nacional.
Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).
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