13 dias que abalaram o mundo

Tratava-se de artefatos de alto poder letal, capazes, quando operacionais, de destruir em minutos a maior parte das regiões Leste e Sul dos Estados Unidos.

Durante treze dias do mês de outubro de 1962, o mundo ficou bem próximo de nova catástrofe mundial. Foram treze dias em que o destino da humanidade esteve nas mãos de um pequeno grupo reunido no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, DC, e no Kremlin, em Moscou. Naquele mês um avião U-2, que fazia vigilância de rotina, faz, ao acaso, fotos extremamente preocupantes ao revelarem que a União Soviética está em avançado processo de construção de uma plataforma de lançamento de armas nucleares em Cuba.

Tratava-se de artefatos de alto poder letal, capazes, quando operacionais, de destruir em minutos a maior parte das regiões Leste e Sul dos Estados Unidos. Estabelecia-se, desta forma, a histórica Crise do Mísseis, incidente diplomático entre Estados Unidos e União Soviética, por causa da instalação de mísseis em Cuba. O evento é considerado o momento mais tenso da Guerra Fria quando o mundo teve chances reais de sucumbir a uma guerra nuclear. Minha geração acompanhou de perto as tensões então estabelecidas ante a iminência de um enfrentamento entre os dois ex-aliados vencedores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O clima era de muita tensão e medo.

Foto: Kevin Dietsch/Pool – Agência Lusa

Fazendo uma reconstituição histórica sobre a origem dos fatos: Estados Unidos, líder do mundo Ocidental capitalista, e União Soviética, comunista, comandavam blocos ideológicos antagônicos durante o período da Guerra Fria, que se sucedeu ao final da Grande Guerra. A razão dos confrontos políticos e diplomáticos era a busca de cada bloco pelo aumento de suas zonas de influência, seja através de ajuda financeira ou intervenções militares. O Plano Marshall objetivou o soerguimento da Alemanha, Japão e países aliados destruídos no conflito, fato que soava mal para os soviéticos, que perdiam influência geopolítica, embora a ampliação territorial exercida sobre os países satélites da Europa Oriental anexados.

Apesar disso, vale salientar, ambas as duas potências jamais chegaram a se enfrentar diretamente. Com a vitória das forças de Fidel Castro (1926-2016) na Revolução Cubana, em 1959, os Estados Unidos perdem um aliado. Quando Castro anuncia a implantação do regime socialista na Ilha, os americanos sabiam que tinham ganho um inimigo. A resposta dos americanos foi decretar o embargo econômico a Cuba causando grave instabilidade na sua economia que perdura até hoje.

Em novembro de 1961, os Estados Unidos instalaram quinze mísseis nucleares “Júpiter” na Turquia e 30 mísseis na Itália. Estas armas tinham um alcance de 2.400 km e ameaçavam Moscou. Com o começo do embargo americano a Cuba, os Estados Unidos começaram a vigiar o tráfego de navios à ilha caribenha e notaram um aumento de circulação de embarcações com bandeira soviética. Em 14 de outubro de 1962, aviões-espiões U2 fotografam a região de São Cristóvão. As imagens revelam construções de bases e ogivas nucleares instaladas, inclusive com rampas que permitiriam o lançamento de mísseis.

Para os Estados Unidos, era inadmissível ter mísseis nucleares tão perto do seu território, enquanto para Cuba, as armas eram uma garantia de que não seriam novamente invadidos. Já a URSS, mostrava que podia instalar armas no continente americano. Começaria, então, uma forte disputa entre os dois países. O presidente John Kennedy (1917-1963) decide pessoalmente comandar o desenrolar da crise com seu grupo de colaboradores mais próximos e se empenhar para conseguir uma solução pacífica por meio de contatos diretos e indiretos com o chefe supremo soviético, Nikita Khrushchov (1894-1971), Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética de 1953 a 1964. Por outro lado, o Estado-Maior americano prefere uma invasão à ilha caribenha ou um ataque aéreo preventivo.

Um assessor de segurança nacional mostra ao presidente John Kennedy fotos tiradas por aviões de espionagem e reconhecimento na ilha de Cuba. Nelas, pode-se ver mísseis e ogivas nucleares. O Presidente está boquiaberto. Pouco antes os líderes soviéticos haviam negado a presença de armas nucleares em Cuba. Assim que estiverem operacionais, estas armas podem matar 80 milhões de americanos em cinco minutos. Kennedy convoca todos os ministros civis e militares.

O Presidente, pressionado por todos os lados, empenha-se em descobrir uma solução pacífica. Por meio do mais poderoso espião russo nos EUA, Alexander Fomin, os soviéticos teriam proposto um acordo para pôr fim ao impasse, mas, no dia seguinte, as mensagens do governo russo, pelo telex, não o confirmam. A guerra parece ser a única saída. Faltam poucas horas para que os mísseis em Cuba fiquem prontos. Durante treze dias daquele mês de outubro de 1962 o mundo ficou bem próximo de um conflito mundial. Foram treze dias em que o destino da humanidade esteve nas mãos de um pequeno grupo reunido no salão oval da Casa Branca e no Kremlin. A possibilidade de uma guerra nuclear era real, e as igrejas em todo o mundo ficaram repletas de gente rezando para que o mundo não acabasse.

Na Europa e nos Estados Unidos, caravanas iam assistir ao pôr-do-sol pensando que aquele seria o último. Jovens amantes prometiam morrer uns nos braços dos outros, e algumas centenas de pessoas se suicidaram. Enquanto isso, Kennedy está determinado a mostrar a força norte-americana e a capacidade de resistir a ameaças. O Pentágono aconselha o exército dos Estados Unidos a contra-golpear, o que poderia levar a uma outra invasão norte-americana em Cuba. Entretanto, Kennedy está receoso em levar a cabo esta operação, pois uma invasão norte-americana poderia fazer com que os soviéticos partissem para a retaliação na Europa.

O presidente Kennedy encontra-se, com efeito, entre a cruz e a espada, tendo à sua frente três grandes propostas para conter um possível ataque soviético, duas delas apresentadas pelos chefes dos exércitos e uma por seu auxiliar. Eram elas: 01) Atingir os mísseis com um ataque direto; 02) Tomar posse do território cubano – o que remetia ao falho movimento de Invasão da Baía dos Porcos, e 03) Bloqueio aos navios soviéticos em direção à Cuba, que apenas passariam mediante inspeção e liberação pela fiscalização norte-americana.

O filme homônimo, recentemente exibido na TV a cabo, revela que a terceira opção é a mais aceita pelas forças militares, que leva a cabo intensa pressão sobre o chefe da nação. Kennedy só aceita a alternativa do conflito bélico se os mísseis não forem desmontados e levados de volta à União Soviética. É possível claramente observar que o Presidente encontrava-se extremamente pressionado em vários momentos a aceitar as propostas que acarretassem em confronto direto, o que sem dúvida alguma iria descambar na temida 3ª Guerra Mundial. Cenas de pessoas comprando diversos e vários produtos em enormes quantidades, e treinamentos em colégios em caso de bombardeios, estão presentes na ilustração. Realmente, com a emoção dos fatos, parece que ocorreria uma guerra, mas vemos ao fim, que foram não mais nem menos que “13 Dias que Abalaram o Mundo”.

O filme e os fatos históricos demonstram claramente a diferença entre os estadistas de então e os de hoje. Khrushchov, mesmo pressionado pelas forças militar e política soviéticas, teve o bom senso de ceder às tentações da guerra em perfeita simbiose com John Kennedy, o jovem e garboso presidente norte-americano, então despontando como o novo líder do mundo Ocidental. Bem diferente de hoje, quando Vladimir Putin manda seus cães invadir e destruir a Ucrânia. A invasão é deflagrada simplesmente pelo desejo insaciável do ditador russo de expansão territorial e aniquilamento de uma cultura que historicamente resiste ao domínio do vizinho, optando pela independência política e liberdade de escolha de um lado, o dos países europeus sob a proteção militar da Otan.

Para Putin, tal decisão é impensável e absolutamente inadmissível. Sobretudo para quem manda prender e envenenar adversários políticos, homossexuais, proíbe manifestações públicas contrárias às determinações do partido dele e aniquila qualquer esforço de autonomia de qualquer dos países vizinhos que tentam se despregar da mãe russa após o colapso da União Soviética decorrente da queda do Muro de Berlim em 1989. O que já se repetiu em relação aos Chechenos, à ocupação da Moldávia, em 1992, a incorporação da Crimeia em 2014, da tutelagem política e econômica da Belarus (ou Bielorrússia) e agora a sangrenta e inexplicável invasão da Ucrânia.

Sobre o autor

Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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