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Terça, 23 Abril 2024

Igualdade para meninas e mulheres

Longe de ser erradicada, a desigualdade entre homens e mulheres é reconhecida por nações de todo o mundo como um dos principais desafios de nossos tempos. Ocupando a quinta posição entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o ODS 5 – Igualdade de Gênero tem como missão "alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas". A tarefa é complexa, visto que o alcance do ODS 5 deve ser transversal a toda a Agenda 2030 : além de garantir melhores condições nas áreas de saúde, educação e trabalho, o objetivo está especialmente voltado para o combate à discriminação e à violência, promovendo o empoderamento e aumento na participação de mulheres na política, na economia e nas diversas áreas de tomada de decisão.

Eu, como mulher, me sinto desafiada todos os dias à auto afirmação. É inegável que muitas mulheres estão conseguindo alçar belíssimos voos, mas estes voos são solos. É necessário que haja uma política afirmativa para mulheres e meninas.

Nesta edição da coluna, convidei a Juliana Teles, uma grande amiga e parceira para nos apresentar um pouquinho da visão do ODS 5 e o trabalho do programa "Boas Compras" do laboratório de gênero da ANDE Brasil.

Foto: Reprodução/Impact Hub Manaus

ODS 5 - Igualdade de Gênero (Programa Boas Compras)

É um tanto quanto inacreditável que na mesma sociedade onde se fala sobre a possibilidade real de viagens espaciais se fale também sobre a (des)igualdade de gênero. Nas bolhas de impacto, assunto cada vez mais comum, que ao escrever esse texto me parece ser um "assunto batido", mas é só estourar essa bolha, abrir uma página de notícias e perceber que estamos mais próximos de habitar outro planeta do que alcançar a desejada igualdade de gênero, tema do quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.


Antes de continuar, é importante que se abram dois parênteses. O primeiro em relação ao significado de igualdade e o segundo sobre as interseccionalidades. Falar sobre esse ODS é tão complexo e desafiador quanto a prática dele.

Igualdade diz respeito a oferecer o mesmo tratamento e oportunidade para todos, sem considerar qualquer distinção. Parece bem bonito e legal, mas em um mundo com tantas desigualdades, a igualdade acaba sendo mais desigual. Portanto, para chegar no lugar da igualdade, precisamos antes trabalhar com a equidade, que significa considerar as especificidades e oferecer condições diferentes para cada pessoa, para que o ponto de partida seja o mesmo. Para facilitar a visualização, imagine que você e um amigo da faculdade precisam pegar um livro no último nível da estante da biblioteca. Vocês têm acesso à mesma livraria, ou seja, estão em pé de igualdade, mas você tem 1,50 de altura e seu amigo tem 1,80. Ele só precisa esticar o braço, enquanto você precisa de um banco para alcançar. O banco nessa situação, é a equidade, que te permite chegar no objetivo de alcançar o livro. Sem ele, apenas o seu amigo consegue ter acesso ao livro e, assim, à leitura, a passar na prova, a se formar, a conseguir um emprego, a ter uma vida digna… Parece um exemplo simples (e um pouco exagerado também), mas muitas vezes o que falta na vida de várias mulheres, é o banco, que permita ter acessos e, por uma questão profunda de desigualdades sociais, a elas esse direito é privado, gerando um impacto e consequência por toda a vida.

Foto: Reprodução/Impact Hub Manaus

O segundo parênteses que trago aqui é sobre interseccionalidade. Falar sobre gênero é complexo, não linear, e abarca diferentes realidades e recortes, como por exemplo raça, territorialidade, religião, cultura, identidade de gênero, orientação sexual, deficiências, classe social, dentre outras. Para esse texto, utilizaremos o desafio que a ODS5 traz de forma ampla, correndo assim o risco consciente de não abarcar todas as interseccionalidades existentes.

Feito esses dois parênteses, vamos aos dados! Há uma estimativa global que diz serem necessários 135 anos para alcançar a igualdade de gênero. Esse número sobe para 257 anos quando se compara o mercado de trabalho, segundo o Fórum econômico mundial. Não falei que estávamos mais próximos de habitar outro planeta?

Mas a vida está aqui e agora, então ações para tornar o local que vivemos em mais algo mais agradável e justo são necessárias. Mais que isso, são urgentes. E as empresas têm um grande papel nessa revolução!

Aqui no Impact Hub, acreditamos no poder que negócios de impacto tem de movimentar uma sociedade, acreditamos no empreendedorismo e na inovação social como ferramentas importantes nesse caminho. Nesse sentido, desenvolvemos o Boas Compras, um programa gestado dentro do Laboratório de gênero da ANDE Brasil, por mais de vinte mulheres ao longo do país, em doze meses. O resultado foi um programa financiado pela USAID e coordenado pelo Impact Hub Manaus em parceria com a Fundação Tide Setubal e ANDE Brasil, com o objetivo de influenciar grandes corporações a contratarem empresas mais diversas.

Com a chegada forte do ESG, muitas empresas têm feito o movimento de diversidade dentro de seus ambientes. Está cada vez mais comum (ainda bem), vermos processos seletivos afirmativos, com vagas destinadas a pessoas de grupos minorizados (e não minoritários, esse termo mudou, fique atento). A proposta do Boas Compras é que esse olhar de diversidade seja aplicado também no setor de compras das empresas, dando preferência à contratação de fornecedores que sejam mulheres, negras, do norte e nordeste (lembra da interseccionalidade? Aqui trazemos três: género, raça, território).

Acreditamos que quanto mais negócios liderados por mulheres forem contratados, mais estaremos caminhando em direção à equidade desejada. No final, as mulheres precisam de dinheiro para sair de condições de abuso, de dependência emocional e financeira, de baixa autoestima e de tantas outras que por muito tempo foram colocadas como o único lugar possível.

Foto: Reprodução/Impact Hub Manaus

De acordo com um estudo da consultoria Boston Consulting Group (BCG), se a igualdade de gênero vigorasse no ecossistema empreendedor, haveria um incremento de US$300 bilhões na América Latina. No continente, empresas criadas por mulheres têm uma probabilidade 11% menor de sobreviver por mais de 3,5 anos quando comparadas às fundadas por homens. Globalmente poderia gerar US$5 trilhões, por meio da criação de empregos caso as mulheres tivessem os mesmo incentivos que homens para empreender.

No Boas Compras, vamos mapear mulheres que já estão fazendo, que estão em um nível de maturidade de negócio significativo para serem prestadoras de serviços de grandes empresas e darem um salto em seus negócios. Serão mapeados mil negócios liderados por mulheres, negras, do norte e nordeste (e de todo o Brasil), pelo menos 200 delas receberão capacitação focada em fornecimento para corporações e 100 destas serão certificadas pela Integrare como empresas diversas e aptas a falar de igual para igual com as "sharks" do Brasil. Em um ano, nosso objetivo é gerar R$2 milhões em negócios fechados, fazendo com que o dinheiro que hoje circula mais entre mãos masculinas, possa encontrar outros caminhos.

Um desafio novo, inclusive para as empresas mais abertas e disruptivas do Brasil. Mas sem dúvida, um movimento sem precedentes e essencial para que consigamos avançar algumas casas nesta pauta. Ou isso, ou morar em outro planeta.

Sobre a autora

Marcya Lira é diretora na Fundação Rede Amazônica (FRAM) e pedagoga. Atua com o tema da Sustentabilidade desde 2014 e atualmente relaciona-se com empresas e organizações que prezam pelas boas práticas em consonância com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), além de gerir temas mais amplos como educação e inovação.

*O conteúdo é de responsabilidade da colunista


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