É do Pará! O cinema da Amazônia acaba de alcançar um marco histórico: pela primeira vez, um documentário longa-metragem paraense chega ao Festival de Gramado, o mais prestigiado evento de audiovisual brasileiro. O filme ‘Mestra’” está entre os cinco selecionados da categoria, disputada com cerca de 150 obras inscritas.
Com direção da cantora Aíla e da artista visual Roberta Carvalho, a produção lança luz sobre o protagonismo de artistas mulheres que têm papel fundamental na propagação e manutenção das tradições culturais da região Norte do Brasil. A premiação do Festival de Gramado ocorre dia 17 de agosto.
Cantora e compositora, Aíla estreia seu primeiro filme já na disputa por um Kikito. “É muito emocionante ver isso acontecer, ainda mais com um filme feito por uma equipe 100% do Pará, do Norte. Estamos vibrando para que venha mais. Queremos o Kikito pro ‘Mestras’! Desejo que essa indicação ao Festival desperte o interesse pelo Brasil e mundo de ouvirem histórias da Amazônia sendo contadas por amazônidas, em 1ª pessoa”, diz.
Em sua pesquisa, as diretoras Aíla e Roberta Carvalho mapearam diversas mestras do Pará, comumente omitidas nos registros da música nortista brasileira – o que reforça o quanto a história, de maneira geral, é contada por protagonistas homens, que pontificam em todos os setores, das artes à política.
O documentário passeia por vertentes distintas da música do Pará – como o samba de cacete, com a Mestra Iolanda do Pilão; o boi, com a Mestra Miloca; e o carimbó, com a Mestra Bigica, do grupo Sereia do Mar. A cantora Dona Onete participa contando episódios significativos de sua história: ela gravou o primeiro disco aos 73 anos de idade e é hoje uma das referências da música paraense no Brasil e no mundo.
“Registrar as trajetórias das mestras da música popular é um posicionamento político e de ativismo cultural, já que estamos falando sobre as tantas invisibilidades passadas por mulheres. Elas são guardiãs de tradições ancestrais que têm um papel fundamental na identidade cultural do Pará e da Amazônia como um todo. O filme colabora para que possamos ouvir suas histórias, conhecimentos e músicas e que isso tudo seja preservado e transmitido para as futuras gerações, fortalecendo nosso patrimônio cultural”, diz Roberta Carvalho.
Múltiplas linguagens
Em sua linguagem múltipla, o filme combina documentário, drama, musical e artes visuais com projeções assinadas por Roberta Carvalho. A obra parte das memórias de infância e familiares de Aíla, narradora do filme. Ao contar histórias de sua mãe e avó, que partiu nas águas de uma Amazônia Atlântica pouco conhecida e, ao apresentar o próprio passado, Aíla presta reverência às mestras ancestrais da música e da vida, mantendo aceso este legado.
“Esse é um filme que, além de um documentário, é também um drama: existe uma história em paralelo que costura a narrativa, por entre as falas e histórias de cada Mestra, que é a história da minha avó, que morreu afogada no mar, aos 26 anos, e isso interliga o drama nessa minha busca por mulheres na narrativa do filme. É muito íntimo tudo isso, mas ao mesmo tempo tem muita relação com a vida de todas as pessoas, sempre tem algum fato que liga a narração ao espectador. É o particular que é coletivo”, conta Aíla.
Roberta destaca o papel das intervenções artísticas como elemento da narrativa. A artista projetou imagens das Mestras em grande formato em suas cidades de origem como uma forma de homenageá-las e de criar uma conexão emocional única entre suas histórias e o ambiente ao redor, imprimindo uma experiência visual e sensorial para o filme.
“Ao iluminar os espaços com projeção das imagens das Mestras, o filme transcendeu as fronteiras da tela e mergulhou diretamente na relação com a comunidades dessas artistas, dimensionando suas formas, exaltando-as e simbolicamente erguendo monumentos vivos de suas existências fundamentais para nossa cultura”, diz Roberta.
Erguido por talentos paraenses, o filme tem trilha original de Jade Guilhon, Sara Moraes e Luiz Pardal; roteiro de Aíla, Carolina Matos e Roberta Carvalho; montagem e finalização de Adrianna Oliveira; e direção de fotografia de Thiago Pelaes.
O documentário Mestras foi selecionado pelo edital Natura Musical, por meio da lei estadual de incentivo à cultura do Pará (Semear), ao lado de nomes como Festival MANA, Nação Ogan, Festival Psica, Sumano MC e Nic Dias. No Estado, a plataforma já ofereceu recursos para mais de 80 projetos até 2022, em diferentes formatos e estágios de carreira, como Dona Onete, Raidol, Nic Dias e os festivais Mana, Lambateria e Psica.