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380 mil filhotes de iaçá, tracajá e tartaruga são reintroduzidos na natureza em Carauari

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Filhotes de iaçá, tracajá e tartaruga. Quelônios. Foto: Divulgação/Sema

Cerca de 380 mil filhotes de iaçá, tracajá e tartaruga à natureza em 19 praias de tabuleiro localizadas nas comunidades Xibauá, Morro Alto, Santo Antônio de Brito, Bauana e Nova Esperança, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari, no município de Carauari (a 788 quilômetros de Manaus).

A soltura ocorreu entre os dias 25 e 29 de novembro, desenvolvida em articulação com a Associação de Moradores e Usuários da Reserva Extrativista do Médio Juruá (Amecsara), Associação dos Moradores Agroextrativistas da RDS Uacari (Amaru), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Prefeitura de Carauari.

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Filhotes de quelônios
Filhotes de quelônios na Amazônia. Foto: Divulgação / Sema

“A soltura de quelônios aqui é resultado direto do compromisso das comunidades com a conservação. É um trabalho construído ao longo de três décadas, com organização social, ciência cidadã e dedicação de quem vive no território. Cada filhote devolvido aos rios representa esse esforço coletivo”, afirmou o gestor da RDS Uacari, Gilberto Olavo.

Metodologia e história

Com mais de 30 anos de atuação, o monitoramento de quelônios no Médio Juruá se consolidou como uma das principais iniciativas comunitárias de conservação da fauna no Estado. A metodologia utilizada envolve etapas como a seleção de monitores pelas próprias comunidades, oficinas de capacitação, acompanhamento sistemático dos tabuleiros e troca de formulários, além da gincana ecológica e da soltura dos filhotes.

O trabalho incorporou os protocolos do Instituto Pé de Pincha, que orienta práticas de proteção de ninhos, padronização dos registros, manejo sanitário e procedimentos que aumentam a taxa de sobrevivência dos filhotes após a soltura.

Leia também: Infográfico – Saiba quantas e quais espécies de quelônios existem na Amazônia

Animação na promoção da soltura dos quelônios. Foto: Divulgação/Sema

Os resultados alcançados ao longo dos 30 anos de monitoramento permitiram consolidar a criação legal de quelônios, regulamentada pelas Resoluções nº 24 e 25 do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam). Em 2019, as comunidades Manarian, Vila Ramalho e Xibauazinho receberam autorização do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) para implementar o manejo comunitário experimental de quelônios, por meio da Associação dos Moradores Agroextrativistas da RDS Uacari (Amaru).

Em maio de 2025, o município de Carauari promoveu a venda de 1 mil quelônios legalizados, todos com lacres e recibos oficiais, vendidos a R$ 20 o quilo. A ação beneficiou diretamente 50 famílias, gerando uma renda estimada em R$ 80 mil, movimentando a economia local com responsabilidade socioambiental.

Parceiros

Parceiros que ajudaram na soltura dos quelônios. Foto: Divulgação/Sema

Além da Sema, ICMBio, Amecsara e Amaru, a agenda também recebeu apoio da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), Cooperativa de Desenvolvimento Agroextrativista e de Energia do Médio Juruá (Codaemj), Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (Asmamj), Instituto Juruá, empresa Sitawi Finanças do Bem, Fórum do Território Médio Juruá e Fundação Amazônia Sustentável (FAS), além das comunidades envolvidas.

*Com informações da Agência Amazonas

Tapyra’yawara, uma figura espiritual de grande poder e influência na Amazônia

Lenda Tapyra’yawara foi representada este ano no Festival Folclórico de Parintins. Imagem: Beatriz Loris/Portal Amazônia

A Tapyra’yawara é um ser encantado conhecido desde a antiguidade nas cosmologias de povos originários da PanAmazônia. O nome é originado da soma de duas palavras na língua indígena Tupi: o prefixo “tapir” significa anta e “-iauara”, é definido como onça. Esta lenda, dependendo da comunidade ou território onde é contada, pode ter várias versões.

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A pesquisadora e membro imortal da Academia Amazonense de Música, Karine Aguiar, diz que não se sabe ao certo o local onde nasceu a lenda.

“Não é possível indicar com precisão de qual localidade ou de qual povo esta lenda é originária, porém, durante as pesquisas que realizei encontrei maior quantidade de menções na literatura existente a região do Baixo e Médio Amazonas (correspondente aos municípios fronteiriços entre Amazonas e Pará como Maués, Parintins, Santarém incluindo também a extensa zona rural de cada um destes municípios) e também no Rio Madeira. No Amazonas, é uma lenda contada entre a comunidade indígena Sateré-Mawé”, explicou a cientista para o Portal Amazônia.

Fantasia criada inspirada na Tapyra’yawara. Foto: Karine Aguiar/Arquivo pessoal

Na versão do Baixo Amazonas, Tapyra’yawara é descrita como uma criatura com corpo de anta, cabeça de onça, podendo também ter os “pés” de pato, já que é anfíbia, ou ainda patas de cavalo.

Performance da Dança da Tapiraiauara durante a Festa de São João na comunidade de Santa Maria do Maués-açu. Foto: Reprodução / Artigo de Karine Aguiar do XXXI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música

Diversas narrativas ouvidas por Karine Aguiar nas comunidades apontam que a Tapyra’yawara produz um som perturbador de frequência insuportável aos ouvidos humanos, além de andar sempre em dupla ou em bandos.

Estas narrativas ribeirinhas da zona rural de Maués (AM) também mencionam que a Tapyra’yawara possui um odor específico muito forte quando aparece e que pode “inebriar” e causar alucinações.

A lenda da Tapyra’yawara é transmitida, atualmente, por meio da literatura indígena e da transmissão oral por parte dos povos originários e ribeirinhos, sempre com a função educativa no cuidado com o ambiente e também como um símbolo cultural e de pertencimento a um território, como no caso do folguedo junino “Dança da Tapyra’yawara” que acontece na comunidade de Santa Maria do Maués-açu na zona rural de Maués.

A história de Tapyra’yawara

A história contada na região de Santa Maria, em Maués-Açu, zona rural do município de Maués, mostra uma fantasia com corpo de anta e cabeça de onça, encarado como um ser encantado e guardião das florestas e das águas. Tapyra’yawara atua como um protetor da natureza, punindo todos aqueles que exploram as florestas com ganância.

A versão de Maués-Açu tornou-se uma festa popular junina, um dos símbolos da identidade local. Todos os anos, durante a festa de São João, um grupo de artistas de Santa Maria do Maués-açu, liderado por Mestre Daio, se reúne naquela comunidade e em comunidades ribeirinhas do entorno para apresentar o folguedo Dança da Tapyra’yawara.

Os personagens centrais dessa lenda são a própria Tapyra’yawara, o caçador e a natureza que também tem sua “voz” já que esta é uma lenda cuja mensagem central é a proteção do bioma amazônico e dos seres não-humanos que vivem nele.

No folguedo, este ser encantado se “materializa” e dança ao som de um repertório musical totalmente autoral criado por Mestre Ercílio (também cantor oficial deste grupo) narrando a lenda, descrevendo os ecossistemas naturais que cercam a comunidade e atuação dos personagens dentro de um enredo: o macaco, o caçador, a Tapyra-yawara e a “índia guerreira”.

“A depender de quem narra a lenda, podem haver variações neste número de personagens. Na comunidade de Santa Maria do Maués-açu, quando foi criado o folguedo junino, outros personagens foram criados e inseridos para “engrossar” a narrativa e produzir também o repertório musical que orienta as apresentações. Entre os Sateré-Mawé que habitam os municípios de Parintins, Barreirinha e Maués, no estado do Amazonas, a Tapyra’yawara (espírito das onças) é mencionada como um dos seis espíritos que protegem a Mãe-Terra”, esclareceu Karine Aguiar.

Representação da Tapyra’yawara na concepção do artista Mestre Daio. Imagem: Karine Aguiar/Arquivo Pessoal

Leia também: Yurupari e Tapiraiauara: do que se tratam as lendas que inspiram toadas de Caprichoso e Garantido em 2025?

Tapyra’yawara, em consenso, é uma protetora da natureza

A Tapyra’yawara é um ser protetor da natureza como tantos outros na Amazônia, pois pune o caçador, o pescador ou o madeireiro que retira das águas e florestas além daquilo que necessita para sua sobrevivência. Sua lenda, por tanto, trata-se de um alerta.

“A história da Tapyra’yawara busca nos ensinar uma relação de cuidado mútuo entre seres humanos e não-humanos habitantes da Terra, além de nos alertar constantemente sobre a noção de finitude do que a natureza generosamente nos dá todos os dias para que possamos continuar existindo”, concluiu Karine Aguiar.

*Por Karla Ximenes, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar