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Círio em Belém: 232 anos de devoção e fé a Nossa Senhora de Nazaré na Amazônia

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Foto: Rosana Pinto/Ascom DFN

Chegamos ao domingo mais aguardado pelo povo do Pará, o domingo da maior festa religiosa do povo paraense e a maior procissão do mundo: o Círio de Nazaré. São 232 anos de uma devoção e fé que poucos conseguem explicar ou relatar. A grande procissão sai neste domingo, dia 13, da Catedral de Belém com destino à Basílica Santuário, erguida no mesmo local em que a Imagem foi achada em 1700, pelo caboclo Plácido.

Percorre o Centro Histórico de Belém e alguns dos principais monumentos representativos da história da cidade, como o Ver-o-Peso, Estação das Docas, Praça da República, entre outros. São em torno de seis horas, num percurso de 3,600 Km, em que mais de dois milhões de pessoas devem caminhar em oração, devoção e agradecimento. A expectativa deste ano é superar os 2,3 milhões de devotos presentes em 2023.

Antes da procissão ocorre uma missa em Frente à Catedral de Belém, que será celebrada por Dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo metropolitano de Belém, a partir de 6h, e a procissão deve sair a partir das 7h (horário de Belém). A decoração da Berlinda é de Vando Nascimento.

Leia também: Berlinda do Círio: entenda a importância do símbolo que carrega a imagem de Nossa Senhora de Nazaré

História 

E por que o achado de uma Imagem se transformou em uma das maiores demonstrações de fé da humanidade? Relatos apontam que Plácido encontrara a imagem em uma bifurcação de um taperebazeiro (árvore do taperebá). Ele a levara para sua casa e a colocara em um pequeno altar de miriti, onde estavam um crucifixo e outras imagens de santos de sua devoção. No dia seguinte, a imagem teria sumido. Ao retornar ao local do achado, percebeu que ela se encontrava no mesmo lugar do dia anterior.

O fato repetiu-se durante alguns dias e a notícia do “desaparecimento” se espalhou, provocando a intervenção das autoridades civis e eclesiásticas, fazendo com que fosse levada para o Palácio do Governo, para o Paço Episcopal e à recém-erguida Catedral, de onde ela também sumiu, sendo encontrada no mesmo local de origem. Por conta dos desaparecimentos, Plácido teria entendido que a imagem deveria ficar no local onde fora encontrada e ali construiu uma ermida para abrigá-la. O local do achado é onde hoje se encontra a majestosa Basílica Santuário.

Símbolos

Além disso, ao longo da história, incontáveis são os relatos de graças alcançadas por intercessão de Nossa Senhora de Nazaré. Desde a primeira procissão, em 1793, até hoje, alguns elementos foram incorporados à grande Romaria como:

  • a Berlinda, carro especial para a condução da Imagem Peregrina, puxado pelos devotos;
  • a Corda de 400 metros, divididas em 5 estações e dois núcleos;
  • e os 14 Carros de Promessas.

Com o passar do tempo, também, outras romarias e eventos foram integrados ao calendário oficial que conta, hoje, com 14 romarias. Em 2019 o Traslado dos Carros foi incorporado como procissão oficial, saindo às ruas como tal em 2022, por conta da pandemia. E em 2023 foi instituída a romaria da acessibilidade.

Foto: Rosana Pinto/Ascom DFN

Em 2014, a organização do Círio recebeu, oficialmente, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o certificado de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Em 2022, saiu pela primeira vez nas ruas o Carro da Saúde. O novo símbolo foi criado em 2021, para homenagear o padre Santo Antônio Maria Zaccaria, que além de religioso, era também médico e dedicou-se a salvar vidas e, principalmente, um agradecimento aos profissionais de saúde que se dedicaram com tanto empenho no combate à pandemia.

Com a inclusão, a festa passou a ter agora 14 carros. Integram o conjunto de carros do Círio de Nazaré, além da Berlinda: Carro de Plácido, Barca da Guarda Mirim, Barca Nova, Cesto de Promessas, Barca com Velas, Barca Portuguesa, Barca com Remos, Carro Dom Fuas e Carro da Sagrada Família, os quatro Carros dos Anjos, que são conduzidos pela Catequese da Basílica Santuário de Nazaré, e o Carro da Saúde.

O motivo da fé

Atualmente a Imagem Original permanece o ano todo no Glória, na Basílica Santuário, estando próxima dos devotos em maio e outubro, e uma outra Imagem, chamada Peregrina, participa de todas as festividades do Círio. Desde quando a Imagem Original foi entronizada no Glória, outra imagem, pertencente ao Colégio Gentil Bittencourt, passou a substituí-la nas romarias até 1969, quando foi confeccionada a Imagem Peregrina, que até hoje segue nas 14 romarias e visitas oficiais. A imagem possui status de Chefe de Estado, conferido por uma lei estadual paraense.

Este é o Círio de Nazaré, uma manifestação religiosa que representa todo um povo, independente de escolhas ou fé. Representa o povo, a economia, o turismo. A cidade se transforma, as pessoas se transformam. Em todos os cantos só se ouve uma voz: é Círio outra vez. Como explicar mais de dois milhões de pessoas reunidas em procissão, rezando, confraternizando e renovando a esperança em dias melhores!? Não há explicação. Há a vivência.

Nova espécie de sapo é encontrada em cadeia isolada de montanhas no Amazonas

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Neblinaphryne imeri: uma nova espécie de sapo descoberta na Serra do Imeri, no norte da Amazônia. Foto: Antoine Fouquet

No alto de uma montanha no norte da Amazônia, o canto de um sapinho atraiu a atenção dos pesquisadores. Era um canto que eles nunca tinham ouvido antes, num lugar que ninguém nunca havia pesquisado antes — dois fortes indícios de que se tratava de uma espécie nova. 

Escutar o bicho era fácil; encontrá-lo no meio da vegetação, nem tanto. Levou quatro dias para os cientistas capturarem o primeiro exemplar, e dois anos para eles definirem cientificamente a sua identidade. Assim como previsto, tratava-se de uma espécie nova, que eles batizaram de Neblinaphryne imeri, em homenagem à cadeia de montanhas na qual ela foi descoberta: a longínqua Serra do Imeri, na fronteira do Amazonas com a Venezuela.

O trabalho que descreve oficialmente a espécie foi publicado em 25 de setembro na revista científica Zootaxa, assinado por um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP, do Centro de Pesquisas sobre Biodiversidade e Ambiente (CRBE) da França e da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha, que participaram de uma expedição pioneira à Serra do Imeri em novembro de 2022.

Os pesquisadores passaram 12 dias acampados no topo de uma montanha vizinha ao Pico do Imeri, a quase 1.900 metros de altitude, coletando a maior diversidade possível de plantas e animais ao redor do acampamento, em uma das regiões mais preservadas e menos conhecidas da Amazônia. Voltaram para casa com mais de 260 espécies de flora e fauna na bagagem; várias das quais são consideradas inéditas para a ciência. O Neblinaphryne imeri é a primeira dessas a ter sua descrição publicada numa revista científica — o que equivale a uma certidão de nascimento da espécie.

Um dos sapinhos coletados na expedição e usados para descrever a nova espécie, batizada de Neblinaphryne imeri. Foto: Leandro Moraes

Para encontrar o bichinho em meio a um emaranhado de musgos e raízes foi preciso usar a técnica de playback, em que o pesquisador grava o canto do animal e toca de volta para ele, na expectativa de atraí-lo para perto ou fazer com que ele se mova, revelando sua localização. “Eu fui atrás de um cantor, comecei a cavar com o Leandro, e depois de alguns minutos fazendo playback um bicho pulou, quando estávamos quase desistindo”, relatou Fouquet, em entrevista ao Jornal da USP.

Paisagem da Serra do Imeri, com o acampamento da expedição e o Pico do Imeri ao fundo. Foto: Herton Escobar/USP Imagens

Nos dias seguintes, a equipe capturou outros nove exemplares da espécie (sete machos e três fêmeas no total), com 1,5 a 2 centímetros de comprimento cada um. O Neblinaphryne imeri é predominantemente marrom, com pintinhas brancas e algumas manchas amarelas espalhadas pelo corpo — principalmente na porção ventral. As fêmeas são um pouco maiores do que os machos, que cantam predominantemente ao amanhecer e ao entardecer. Alguns exemplares foram encontrados em áreas de floresta, entocados no musgo; enquanto outros estavam em áreas abertas, escondidos na vegetação ou entre folhas de bromélias.

O exemplar que serviu de modelo para a descrição da espécie (conhecido como holótipo) foi um macho de 1,6 centímetro, coletado em 16 de novembro de 2022, a 1.800 metros de altitude — detectado enquanto cantava na entrada de uma toca de tarântula. (O animal escolhido como holótipo não é necessariamente o primeiro a ser coletado, mas o que tem o melhor conjunto de informações associadas a ele, como gravações do canto, fotografias na natureza, localização exata do ponto de coleta e amostras de tecido.)

Todos os animais coletados na expedição estão depositados nas coleções biológicas do Museu de Zoologia da USP.

Parentesco inesperado

Desde o início, os pesquisadores perceberam que se tratava de uma espécie inédita, mas não sabiam a qual linhagem ela pertenceria — ou seja, em qual braço da árvore genealógica dos anfíbios ela se encaixava. A hipótese preliminar, baseada numa avaliação visual dos animais em campo, era de que seria uma nova espécie de Adelophryne, um gênero de sapinhos que ocorrem tanto nas terras baixas quanto no alto dessas formações montanhosas do norte da Amazônia, conhecidas como tepuis. Análises moleculares (de DNA) e morfológicas mais detalhadas, porém, apontaram uma outra direção. 

Para a surpresa dos pesquisadores, os dados indicaram que a parente mais próxima dos novos sapinhos era a Neblinaphryne mayeri, uma outra espécie que o mesmo grupo de cientistas havia descoberto em 2017 numa expedição ao Pico da Neblina — a montanha mais alta do Brasil, que fica 80 quilômetros a oeste do Pico do Imeri. Por isso a nova espécie foi batizada de Neblinaphryne imeri. (No caso do Neblinaphryne mayeri, o nome da espécie é uma homenagem ao general Sinclair Mayer, do Exército Brasileiro, que foi fundamental para a realização das expedições.)

Leia também: Serra da Neblina: o ponto mais alto do país é berçário de uma biodiversidade única

Foi só com a análise das características genéticas e osteológicas, obtidas por meio de uma tomografia computadorizada do esqueleto, que os pesquisadores puderam enxergar as semelhanças internas por baixo das diferenças externas, que revelaram o parentesco inesperado. 

Hoje, as partes mais elevadas dos maciços da Neblina e do Imeri são separadas por 20 quilômetros de terras baixas, que funcionam como uma barreira à dispersão desses animais entre um e outro grupo de montanhas. Em outras palavras: as espécies estão completamente isoladas uma da outra, apesar da distância geográfica entre elas não ser tão grande assim — especialmente para os padrões amazônicos. 

Espécies irmãs: Neblinaphryne imeri e Neblinaphryne mayeri são linhagens que divergiram de um ancestral comum, ocupando grupos de montanhas distintas no norte da Amazônia. Foto: Reprodução/USP

Um mundo à parte

O conjunto desses ecossistemas de altitude do norte da Amazônia é conhecido como Pantepui. Sua marca registrada são as imponentes montanhas de topo plano e paredões desnudos, como o Monte Roraima e o próprio maciço do Pico da Neblina, que inspiraram a história de O Mundo Perdido, de Arthur Conan Doyle.

Do ponto de vista evolutivo, é como se o Pantepui fosse um bioma à parte da Amazônia, pairando sobre as terras baixas da floresta. As condições ambientais no alto dessas montanhas são diferentes das que existem abaixo delas, principalmente em função da temperatura; e as espécies que se adaptaram a viver na altitude dificilmente descem para as áreas mais baixas e quentes do bioma. Nesse sentido, é como se essas montanhas fossem arquipélagos em um oceano de floresta, que é intransponível para a maioria das plantas e bichos que vivem em suas “ilhas”.

Por isso os cientistas suspeitam que as duas espécies de Neblinaphryne sejam endêmicas (exclusivas) de seus respectivos maciços. As evidências genéticas sugerem que elas se originaram de um ancestral comum que viveu naquela região 55 milhões de anos atrás, quando as montanhas do Neblina e do Imeri provavelmente estavam conectadas. À medida que a paisagem foi se transformando e os maciços foram se isolando uns dos outros pela erosão (em função de processos climáticos e geológicos), cada população de sapinho foi também se distanciando e se diferenciando uma da outra, ao ponto de se tornarem espécies diferentes. “Nós estamos ainda em um fase muito inicial de tentar reconstruir essa história; que, por ser muito antiga, é muito complexa”, diz Rodrigues.

Os maciços do Pico do Imeri e do Pico da Neblina ficam no norte do Amazonas, dentro de duas áreas protegidas: a Terra Indígena Yanomami e o Parque Nacional do Pico da Neblina. Imagem: Reprodução/Jornal da USP

Até onde os pesquisadores puderam averiguar, a espécie do Pico da Neblina vive em áreas de vegetação aberta acima de 2 mil metros de altitude e se abriga, principalmente, debaixo de pedras; enquanto que a espécie da Serra do Imeri vive entre 1.700 e 2 mil metros de altitude, ocupando tanto áreas de floresta quanto de vegetação aberta. A necessidade de adaptação a essas condicionantes ambientais distintas, segundo os cientistas, poderia explicar porque as espécies divergiram tanto em sua morfologia externa. Os cantos de cada uma também são completamente distintos.

“Essas regiões altas tem uma configuração de ilhas e, tipicamente, cada ilha tem espécies endêmicas por causa do isolamento”, explica Fouquet. Segundo ele, o Pantepui abriga pelo menos 11 gêneros de anfíbios endêmicos ou subendêmicos, que não descem — ou muito raramente descem — abaixo de 1 mil metros de altitude. “Esses gêneros evoluíram em isolamento durante dezenas de milhões de anos; então o Sir Arthur Conan Doyle não estava tão fora da realidade quando escreveu O Mundo Perdido, imaginando dinossauros e pterodáctilos no topo dos tepuis.”

Peças do quebra-cabeça

Os cientistas ainda têm outras quatro espécies novas de anfíbios e três de lagartos do Imeri para descrever, pelo menos. “Esse é o primeiro de vários artigos e a primeira de várias espécies”, diz o professor Taran Grant, especialista em anfíbios do IB-USP, que também participou da expedição à Serra do Imeri e assina o trabalho na Zootaxa

Descobrir, descrever e estudar a história de vida de novas espécies é uma das tarefas mais básicas e mais importantes para a compreensão e a conservação da biodiversidade. “A primeira pergunta que todo mundo faz para nós é: Quantas espécies vocês descobriram lá na Serra do Imeri? Então essa é a primeira pergunta que a gente tem que responder”, pondera Grant. “Bem ou mal, todos os esforços e iniciativas de conservação são baseados em diversidade de espécies.”

Tanto a Serra do Imeri quanto o Pico da Neblina já estão dentro de áreas protegidas — a Terra Indígena Yanomami e o Parque Nacional do Pico da Neblina — que não estão sob pressão direta de desmatamento naquela região, pelo menos por enquanto. Mas as mudanças climáticas, impulsionadas pelo aquecimento global, ameaçam a biodiversidade de todo o bioma, e são especialmente problemáticas para essas espécies de altitude, que são adaptadas a temperaturas mais amenas e não têm para onde correr em caso de aquecimento

Pesquisar e proteger essas espécies, portanto, é fundamental tanto para entender o passado quanto para resguardar o futuro da biodiversidade amazônica. “Estamos conhecendo uma parte do planeta que era completamente desconhecida, do ponto de vista da ciência, e isso acaba preenchendo lacunas extremamente importantes na história da vida do planeta, da América do Sul e da Amazônia, como se fossem peças de um quebra-cabeça”, explica Rodrigues. “Veja só; nós descobrirmos uma linhagem que a gente nem sabia que existia, com 55 milhões de anos de idade, e isso pode nos contar uma história sobre o nosso continente muito mais antiga do que a gente imaginava.”

Descrever as espécies é apenas o primeiro passo desse processo. Os cientistas ainda planejam aprofundar as pesquisas genéticas e os estudos comparativos para entender melhor as relações de parentesco e a história evolutiva dessas linhagens.

Jornal da USP acompanhou os pesquisadores na Serra do Imeri em 2022 e produziu reportagens em texto e vídeo sobre a expedição, que podem ser vistas aqui e aqui. O projeto foi realizado com apoio do Exército Brasileiro e do programa Biota da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Também assinam o trabalho na Zootaxa os pesquisadores Renato Recoder, Agustín Camacho, José Mário Ghellere e Alexandre Barutel.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, escrito por Herton Escobar

Mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para abertura de pastagem, informa MapBiomas

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Foto: Reprodução/Polícia Federal

Pastagem foi a principal finalidade do desmatamento da Amazônia entre 1985 e 2023. É o que mostram as imagens de satélite analisadas pelos técnicos do MapBiomas. Nesses 39 anos, o crescimento da área de pastagem na Amazônia foi de mais de 363%, passando de aproximadamente 12,7 milhões de hectares para 59 milhões de hectares – uma expansão de 46,3 milhões de hectares em pouco menos de quatro décadas. Como resultado, em 2023, 14% da Amazônia são pastos.

No caso da região conhecida como Amacro, a área de pastagem aumentou 11 vezes – uma expansão de 6,9 milhões de hectares, ou a quase totalidade dos 7 milhões de hectares de vegetação nativa que foram perdidos entre 1985 e 2023. Nesses 39 anos, 13% da perda líquida de vegetação nativa da Amazônia ocorreu nessa região, que é formada pela junção dos estados do Acre, Amazonas e Rondônia. 

Mais de 90% das áreas desmatadas na Amazônia tiveram como primeiro uso a pastagem. O desmatamento direto para agricultura teve seu ápice em 2004, com 147 mil hectares desmatados de forma direta para uso agrícola, porém caiu drasticamente nos anos seguintes, influenciado diretamente pela moratória da soja.

Nos 39 anos analisados foi possível observar o uso consolidado da terra das áreas desmatadas na Amazônia. Do desmatamento ocorrido entre 1987 e 2020 na Amazônia:

  • 77% viraram pasto e apresentaram o mesmo uso em 2020;
  • 12% das áreas desmatadas tiveram como primeiro uso pastagem, porém em 2020 voltaram a ser vegetação nativa, ou seja, estavam em processo de regeneração no final do período analisado;
  • 8% foram desmatados para pastagem e se apresentaram como agricultura em 2020; 
  • 2% do desmatamento foram para agricultura e apresentaram o mesmo uso em 2020;
  • e 0,15% do desmatamento virou agricultura e em 2020 tinha pastagem como uso.

As pastagens avançaram também sobre as áreas úmidas do bioma, que perderam 3,7 milhões de hectares (5,65%) entre 1985 e 2023. Desse total, 3,1 milhões de hectares foram convertidos em pastagem; 441 mil hectares foram transformados em áreas agrícolas.

Os três estados com maior expansão de pastagem (analisando somente a porção de área dos estados dentro do bioma Amazônia) no período são:

  • Tocantins (de 33% para 74% da área do estado),
  • Maranhão (de 14% para 48%) e
  • Rondônia (de 6% para 39%).

Esses são também os estados com menor proporção de vegetação nativa na Amazônia: Tocantins, com 21%; Maranhão, com 46%; e Rondônia, com 59%.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Área agrícola cresceu 47 vezes na Amazônia entre 1985 e 2023

A agropecuária na Amazônia cresceu 417% em 39 anos. Mas no caso específico da agricultura, o aumento de área no bioma entre 1985 e 2023 foi de 4.647%, ou 47 vezes. Nesse período, a área agrícola passou de 154 mil hectares para 7,3 milhões de hectares.  

A quase totalidade (97%) da área agrícola mapeada na Amazônia é de lavouras temporarias, com predomínio da soja, que responde por 80,5% do total. Em 2023, ela ocupava 5,9 milhões de hectares no bioma. A área de cana-de-açúcar aumentou progressivamente, passando de 192 hectares em 1985 para mais de 90 mil hectares em 2023, ou 1,23% do total da área agrícola no bioma.

A área dedicada à silvicultura aumentou de 3,2 mil hectares em 1985 para 360 mil hectares em 2023 – um aumento de mais de 110 vezes em 39 anos. 

Amazônia perde 14% de vegetação nativa em 39 anos 

Foram perdidos 55,3 milhões de hectares (-14%) de área vegetação nativa nos últimos 39 anos, ou 14% do total. Desse total, 50,4 milhões de hectares eram de formação florestal, que foi o tipo de cobertura da terra que mais perdeu área nesse período, passando de 336 milhões de hectares em 1985 para 285,8 milhões de hectares em 2023. Com isso, no ano passado 81,3% da Amazônia eram cobertos por vegetação nativa. 

Os estados com maior cobertura de vegetação nativa são Amazonas e Amapá, com 95% cada, e Roraima, com 93%.

A área de vegetação secundária vem crescendo a uma média de 0,55 Mha/ano e já responde por 2% da vegetação nativa do bioma (8,1 Mha em 2023). Vegetação secundária é aquela presente em uma área que foi desmatada anteriormente e que está em processo de regeneração da vegetação nativa.

A Amazônia é o maior bioma brasileiro, ocupando 49,5% do país (421 milhões de hectares). 

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo MapBiomas

Seca histórica: trabalhador perfura poço onde antes era inundado pelo Rio Negro

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Morador relata que tem dificuldade em conseguir água potável. Foto: Lucas Macedo/g1 Amazonas

A seca histórica que atinge o Amazonas em 2024 tem mudado o cenário e a rotina na orla do Educandos, área portuária localizada na Zona Sul de Manaus. O ponto é um dos mais afetados pela estiagem na capital amazonense e a vasta faixa de terra, onde antes havia rio, agora dá lugar a um poço improvisado por trabalhadores que sofrem com a falta de água e dificuldades para trabalhar.

No dia 3 de outubro, o nível do Rio Negro, na capital amazonense, atingiu a marca de 12,68 metros, o mais baixo nível já registrado na história [até então].

Entenda: Saiba quais foram as maiores vazantes do Rio Negro em Manaus

Raimundo Filho, de 65 anos, é chefe de máquinas de embarcações e um dos afetados pelo baixo nível do Rio Negro. Durante a maior parte do ano, ele trabalha fazendo o transporte de cargas e pessoas até a orla, além de realizar a manutenção de outras embarcações.

Ele relata que neste período de seca é difícil conseguir renda no final do mês pela falta de trabalho, uma vez que o transporte que realizava está prejudicado pela pouca água, e sem embarcações navegando, não há manutenção a fazer.

Desde que precisou atracar o barco em terra firme, há pouco mais de dois meses, Raimundo teve a embarcação assaltada quatro vezes. Para tentar contornar o problema, se mudou com a esposa para a embarcação e precisou lidar com outra dificuldade: a falta de água para atividades do dia a dia.

O chefe de máquinas decidiu, então, perfurar um poço artesiano improvisado onde antes era tomado pelas águas do rio. O recurso tem ajudado ele e outros trabalhadores a se manter no local em meio aos desafios causados pela seca.

“Essa água é para manter um lastro de água no barco, porque ele não pode ficar seco. E também a gente usa essa água para fazer as coisas por aqui, a gente só não consome por causa da poluição que tem aqui”, ressaltou.

Raimundo e a esposa também relatam a dificuldade de acesso à água potável. Para obter o recurso, é preciso caminhar por cerca de 1,5 quilômetros, subir dois lances de escada na orla e caminhar por mais alguns metros até a casa de uma antiga vizinha, que fornece a ele.

“Eu estava indo agora mesmo pegar água ali em cima na vizinha, eu não posso deixar o barco aqui porque eu já fui roubado quatro vezes. Tá cruel a situação aqui, esses meses todinhos aqui nessa “sequidão’ fica muito difícil, já está afetando todo mundo”, completou Raimundo.

Seca impacta também quem presta serviço para embarcações

O soldador José Honório, de 68 anos, já trabalha há mais de 40 anos na Orla do Educandos realizando manutenção nas embarcações que passam pelo local, entretanto ele afirma que desde o ano passado as secas intensas do rio tem afetado negativamente seu trabalho.

“É um problema porque afeta o trabalho da gente que depende de trabalhar aqui na beira. As embarcações dependem da água para chegar aqui e, com o rio seco, os barcos não chegam aqui, aí fica difícil o serviço para gente”, disse José Honório.

O soldador relatou que torce para que as chuvas aconteçam logo e que o rio suba para a vida voltar a normalidade. Ele terminou dizendo que, para não ficar totalmente sem renda, começou a fazer serviços provisórios em outros pontos da cidade de Manaus.

A reportagem entrou em contato com a prefeitura de Manaus e com o governo do estado para saber quais medidas estão sendo adotadas para auxiliar financeiramente os trabalhadores afetados pela seca, mas até o fechamento da matéria não houve retorno.

Decreto de emergência

A Prefeitura de Manaus publicou, em setembro, um decreto de situação de emergência com validade de 180 dias devido à seca severa que afeta o Rio Negro. A medida tem como objetivo implementar ações para atender às necessidades das comunidades ribeirinhas impactadas e inclui a capital na lista de municípios que devem receber recursos do Governo Federal para enfrentar a estiagem que atinge a região.

O Amazonas vive um cenário ambiental crítico devido à combinação de seca dos rios e queimadas. Segundo dados divulgados pelo governo estadual em agosto, a seca já afeta mais de 740 mil pessoas. Cidades têm dificuldades de receber insumos, há aumento no preço de produtos e comunidades indígenas e ribeirinhas podem ficar isoladas, atualmente todos os 62 municípios estão em situação de emergência.

*Por Lucas Macedo, da Rede Amazônica AM

Volume de chuvas no Acre deve ser acima da média em dezembro em função da La Niña

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Foto: Iryá Rodrigues/g1 Acre

A metereologia prevê que de dezembro de 2024 a março de 2025, chuvas acima da média sejam registradas no Acre, por conta fenômeno “La Niña“. Na última semana as primeiras chuvas começaram a atingir várias cidades acreanas.

O La Niña ocorre quando há o resfriamento da faixa Equatorial Central e Centro-Leste do Oceano Pacífico. Ele é estabelecido quando há uma diminuição igual ou maior a 0,5°C nas águas do oceano. O fenômeno acontece a cada 3 ou 5 anos.

Leia também: Portal Amazônia responde: como El Niño e La Niña afetam a região amazônica?

A previsão será de chuvas acima da média e o consequente transbordamento dos rios que devem sofrer influência do “La Niña”. 2024 ficará marcado como o ano em que o Acre enfrentou situações climáticas extremas e graves.

Em março de 2024, aconteceu a cheia histórica do rios em todas as regiões do Estado. Pouco tempo depois, a escassez da água, rios praticamente desapareceram, queimadas e muita fumaça, como nunca havia sido registrado.

Apesar da leve melhora dessa situação, o cenário ainda requer atenção, isso é o que pontua o coordenador da Defesa Civil Estadual, Carlos Batista. “Se a gente for fazer uma análise pela bacia do Rio Juruá no município de Porto Walter nos últimos três dias tivemos uma subida, elevação do nível do rio em mais de um metro. Em Cruzeiro do Sul, uma elevação acima dos 60 centímetros.

Na bacia de Tarauacá, poucas elevações. O Rio Purus apresenta pequenas elevações e o Rio Iaco continua muito baixo, assim como o Rio Acre aqui na extensão de toda a sua bacia com cotas muito baixas para o período. Brasiléia, está com uma cota de 58 cm, uma cota histórica para o período”, comenta.

Batista ainda comenta que em Rio Branco o Rio Acre está há mais de 110 dias com o nível abaixo dos dois metros. “Há uma previsão de chuvas em grandes volumes a partir da segunda quinzena do mês de outubro”, torce ele.

Foto: Alexandre Noronha/Sema

Após a seca severa, a meteorologia prevê que o “La Niña” ganhe força nas próximas semanas. O meteorologista, Rafael Coll, afirma que entre o fim de dezembro desse ano e março do ano que vem, a previsão é de que haja chuvas bem acima da média sejam registradas.

De acordo com a Defesa Civil Estadual, o planejamento e as medidas para enfrentar a estação das chuvas, que promete ser rigorosa, já estão em discussão. “A gente já vem conversando com as Defesas Civis Municipais. Agora para o final do mês já temos reuniões e vídeos-conferências justamente para as tratativas já se pensando na resposta, na assistência ou naquilo que se pode prevenir em relação as inundações”, explica Batista.

Para o Brasil, os efeitos clássicos do La Niña são:

  • Aumento de chuvas no Norte e no Nordeste;
  • Tempo seco no Centro-Sul, com chuvas mais irregulares;
  • Tendência de tempo mais seco no Sul;
  • Condição mais favorável para a entrada de massas de ar frio no Brasil, gerando maior variação térmica.
  • O La Niña envolve o resfriamento em larga escala das águas da superfície do Oceano Pacífico central e oriental, além de mudanças na circulação atmosférica tropical, como ventos, pressão e chuvas.

Seus efeitos variam conforme a intensidade, duração, época do ano e a interação com outros fatores climáticos, mas geralmente traz impactos opostos aos do El Niño, principalmente nas regiões tropicais, onde fica boa parte do Brasil.

*Por Andryo Amaral, da Rede Amazônica AC

Para 58% dos brasileiros, crianças estão mais conscientes que seus pais sobre questões ambientais

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Foto: Reprodução/Instituto Soka Amazônia

A educação ambiental tem como objetivo formar indivíduos preocupados e conscientes das questões ambientais, a sustentabilidade e a preservação da natureza. Em um contexto em que nunca foi tão importante pensar nas formas de conservação do planeta, a discussão sobre o ensino de tópicos relacionados ao meio ambiente se faz essencial, especialmente para as crianças.

É na infância que acontece a fase mais importante de aprendizagem. E, com frequência, as crianças parecem estar mais antenadas que os adultos em questões essenciais do dia a dia. Não à toa, para 58% dos brasileiros, as crianças estão mais conscientes que seus pais sobre questões ambientais. É o que mostra uma pesquisa da Descarbonize Soluções, empresa especializada em soluções de energia limpa.

Este é um cenário em que a grande maioria dos entrevistados (78%) afirma que recebeu educação ambiental nos seus tempos de escola. Mesmo assim, os pequenos demonstram estar mais atentos para os tópicos de sustentabilidade, sendo não apenas uma geração que traz esperança para o futuro, como uma que pode inspirar e ensinar as gerações passadas.

Papo de gente grande (e dos pequenos também)

Sabendo da importância do tópico ambiental, é indispensável que o tema seja assunto entre adultos e crianças que integram o mesmo círculo social – sejam entre pais e filhos, sobrinhos, alunos. E, mesmo que essa troca parta, essencialmente, da ideia de que uma pessoa mais velha irá instruir uma criança, é nesse espaço que os pequenos também podem compartilhar o que sabem, criando um local de diálogo em que ambas as partes aprendem juntas.

Neste cenário, os brasileiros parecem estar atentos à relevância de tratarem de assuntos relacionados ao meio ambiente com crianças ao seu redor:

  • 36% dos entrevistados afirmaram que conversam frequentemente sobre questões ambientais com crianças, tratando do assunto pelo menos uma vez por semana;
  • 32% ainda disseram que tratam sobre o tema ocasionalmente, considerando algumas vezes no mês;
  • 19% abordam a questão raramente, sendo uma vez a cada um ou dois meses;
  • e outros 5% nunca conversaram sobre o tema.

Tatiane Fischer, CMO da Descarbonize Soluções, reflete sobre a importância de o assunto estar cada vez mais presente entre os grupos sociais:

É papel das escolas?

Mas de quem é, afinal, o papel primordial do ensino das questões ambientais para as crianças? Para 67% dos entrevistados, essa responsabilidade deve ficar principalmente com as escolas. Na sequência, aparece o papel dos pais, indicado por 62% dos respondentes, enquanto outros 59% destacam a função dos governos.

Indo ao encontro da expectativa dos brasileiros sobre o papel das escolas na educação ambiental infantil, eles também acreditam que as instituições estão acompanhando a evolução da pauta. Segundo o estudo, 61% dos entrevistados entendem que as escolas estão cada vez mais atentas às questões ambientais, enquanto, na mesma proporção, 19% acreditam que elas estão menos atentas ou que não variaram com o tempo em relação às questões do meio ambiente.

Já em relação a qual momento a educação ambiental deveria ser introduzida para as crianças, 51% dos respondentes da pesquisa entendem que o assunto deve ser apresentado quanto antes às crianças, no caso, ainda na educação infantil (até os cinco anos). Outros 28% acreditam que o tema deve ser tratado a partir do ensino fundamental I (entre 6 e 10 anos), e 14% entendem que o assunto deve entrar no ensino fundamental II (entre 11 e 14 anos).

Brasil tem área queimada equivalente ao estado de Roraima em 9 meses

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Entre janeiro e setembro de 2024 o Brasil teve 22,38 milhões de hectares queimados pelos focos de incêndio que avançaram por todo país, mostrou o MapBiomas, no Monitor do Fogo divulgado nesta sexta-feira (11). Apenas em setembro foram 10,65 milhões de hectares – quase metade de toda a área atingida nos oito meses anteriores.

Leia também: Amazônia foi o bioma que mais queimou nos primeiros 8 meses de 2024

O total equivale ao tamanho do estado de Roraima e é 150% maior que no mesmo período de 2023, quando o fogo atingiu 8,98 milhões de hectares. A vegetação nativa representa 73% da área queimada, principalmente formação florestal. Áreas de uso agropecuário também foram atingidas representando 20,5%.

Os estados Mato Grosso, Pará e Tocantins somaram mais da metade do território queimado e tiveram respectivamente 5,5 milhões, 4,6 milhões e 2,6 milhões de hectares atingidos pelo fogo. O município paraense de São Félix do Xingu foi o que mais queimou, seguido de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

Amazônia

Dentre os biomas brasileiros, a Amazônia foi a mais afetada e representou 51% do total do que o fogo alcançou nos nove primeiros meses do ano. Foram 11,3 milhões de hectares queimados no período.

De acordo com a diretora de ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, que coordena o MapBiomas Fogo, a crise dos incêndios na região em 2024 foi agravada por uma seca mais severa decorrente da intensificação das mudanças climáticas.

A exemplo do que ocorreu em todo o país, o bioma amazônico queimou mais em setembro. Foram 5,5 milhões de hectares, dos quais 2,8 milhões eram de formação florestal. Entre as áreas em que o solo já havia sido convertido anteriormente pelo homem, as pastagens foram as mais afetadas pelo fogo, tendo 1,8 milhão de hectares queimados.

Cerrado

Em nove meses, o Cerrado teve 8,4 milhões de hectares consumidos pelo fogo, dos quais 4,3 milhões queimaram em setembro, maior área afetada nos últimos cinco anos, para o mesmo mês.

“Setembro marca o pico da seca no Cerrado e isso torna o impacto do fogo ainda mais severo. Com a vegetação extremamente seca e vulnerável, o fogo se espalha rapidamente, resultando inclusive na baixa qualidade do ar nas cidades próximas”, explica Vera Arruda, pesquisadora no Ipam e coordenadora técnica do Monitor do Fogo.

Pantanal

Na média dos últimos cinco anos, o Pantanal foi o bioma que observou maior aumento de área queimada nos nove primeiros meses do ano. O crescimento foi de 2.306% em 2024, na comparação com a média.

Foram1,5 milhão de hectares consumidos pelo fogo, dos quais 318 mil hectares foram atingidos no mês de setembro, quando 92% da área queimada foram de vegetação nativa.

Outros biomas

De todo o território afetado pelo fogo, a Mata Atlântica queimou 896 mil hectares, sendo a maioria, 71%, de área agropecuária. Já a Caatinga e os Pampas tiveram redução na área atingida por incêndios de janeiro a setembro de 2024, com respectivamente 151 mil hectares e 3,1 mil afetados.

*Com informações da Agência Brasil

Peças criadas por artesãs indígenas da Amazônia brilham em desfiles do estilista Maurício Duarte em Nova York e Milão

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Foto: Steve Gursey

Peças feitas a partir da fibra de tucum pelas mãos de artesãs indígenas do Amazonas ganharam as passarelas durante as semanas de moda em Nova York, nos Estados Unidos, e em Milão, na Itália, duas das mais importantes vitrines fashion do mundo. Confeccionadas por artesãs do projeto ‘Parentas que Fazem’, as criações fazem parte da coleção ‘Muiraquitã’, do estilista manauara Maurício Duarte, do povo Kaixana, um dos nomes brasileiros mais promissores no mundo da moda atualmente.

As peças foram confeccionadas por artesãs da Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro – Numiã Kura (AMARN), Associação das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (AMISM), Associação de Mulheres Indígenas da Região do Alto Rio Negro (AMIARN) e Associação dos Artesãos Indígenas de São Gabriel da Cachoeira (ASSAI). 

Integradas a outros elementos naturais da Amazônia – como a fibra do buriti, escamas de pirarucu e sementes de açaí – as fibras de tucum, tiradas de uma palmeira amazônica, compuseram as peças autorais do estilista, unindo sofisticação e valorização da cultura dos povos indígenas.

Em Nova York, Maurício estreou sua nova coleção em um desfile no último dia 11 de setembro, em seguida partiu para Milão, para um showroom de marcas. Uma faixa de arumã usada pelo estilista, outra fibra natural confeccionada a partir do artesanato indígena, chamou a atenção da modelo Naomi Campbell, que posou para fotos usando a peça.

As associações que criaram algumas peças do desfile de Maurício Duarte compõem o projeto Parentas que Fazem, que é implementado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com apoio do Google.org, instituição filantrópica do Google, e em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Makira-E’ta – Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas.

Maurício também participou de ações do projeto Parentas que Fazem a convite da FAS. O estilista atuou numa oficina de teçume de arumã na aldeia Yabi, do povo Baré, em São Gabriel da Cachoeira (distante 852 quilômetros de Manaus), onde trocou técnicas e saberes com as artesãs. Ele também visitou a sede da AMARN, em Manaus, onde encomendou as peças e aprendeu mais sobre o processo de grafismo e tecelagem com a fibra de tucum.

“Partilhar as nossas simbologias, saberes ancestrais, produção colaborativa com propósito para o mundo, já precisa nascer com proteção e com a certeza de vida próspera para todos que acreditam nessa ideia”, escreveu Maurício sobre a coleção Muiraquitã, que leva o nome de um amuleto de proteção indígena, simbolizando a valorização das culturas e saberes ancestrais dos povos originários.

A coordenadora da Agenda Indígena da FAS, Rosa dos Anjos, do povo Mura, conta que a parceria do projeto Parentas que Fazem, com o estilista Maurício Duarte, é extremamente importante porque está proporcionando uma grande troca de saberes e valorização das artesãs indígenas. “O Maurício (Duarte) é muito talentoso, um fenômeno que vem voando e ainda vai voar muito alto. Estamos muito felizes por ele ter esse olhar especial e ainda escolher algumas peças das nossas ‘parentas’ para inserir em seu desfile”, comenta.

Seca causa doenças e impede circulação entre aldeias no Vale do Javari, no Amazonas

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Foto: Divulgação/PRF

A seca esvaziou rios próximos à Terra Indígena (TI) do Vale do Javari e já impede os povos originários que vivem na região de circular normalmente entre as 74 aldeias. Além disso, indígenas adoecem pela falta de acesso à água potável e ficam sem atendimento, uma vez que dependem do transporte fluvial. A TI do Vale do Javari fica nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no Oeste do estado do Amazonas.

Esse foi o alerta emitido pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), no início de outubro. No comunicado, a entidade reclama providências do governo federal, que teria falhado em apresentar uma resposta para os problemas agora encarados na região.

Há solicitações mais urgentes e pontuais, como a disponibilização de helicópteros, a transferência de indígenas adoecidos para a zona urbana, onde poderiam receber atendimento, em especial, um homem da comunidade de São Sebastião, que necessita de soro antiofídico. A organização indígena também destaca que recebeu notícias da morte de pessoas em virtude do contexto, e de crianças que apresentam quadros de vômito e diarreia.

A gravidade da situação chegou ao conhecimento da organização há alguns dias, quando soube que os rios se tornaram intransitáveis. A Univaja informa, ainda, que chegou a se reunir com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) para avaliar o quadro e tentar encontrar soluções para os problemas que se impuseram.

“Essa conjuntura não apenas impede a movimentação das pessoas como provoca a elevação considerável dos preços de insumos básicos para a sobrevivência das populações locais, tais como gasolina, água potável e remédios”, esclarece.

“O nível de preocupação é alto, pois a Univaja, até o momento, não identificou junto às instituições de atenção aos povos indígenas uma resposta adequada para as dificuldades – que põem em risco a vida dessas populações e sua cultura ancestral, atingindo de maneira mais direta indígenas que necessitam de atendimento médico”, acrescenta.

Homologada em 2001, a TI Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares, dimensão que faz dela a segunda maior do Brasil, atrás somente da Terra Indígena Yanomami, que tem 9,6 milhões de hectares. O território está localizado nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do estado do Amazonas, e fica na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru.

A TI Vale do Javari é o local onde vive o maior número de povos indígenas em isolamento voluntário do mundo . O Instituto Socioambiental (ISA) estima um total de 25, número que pode variar, por preferirem se manter distantes dos não indígenas e, às vezes, até de indígenas de outros povos.

A Agência Brasil antecipou dados que constam do relatório ‘Amazônia à Beira do Colapso – Boletim Trimestral da Seca Extrema nas Terras Indígenas da Amazônia Brasileira’, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

O documento aponta que a seca extrema afetou, somente em julho deste ano, 42 territórios e 3 mil domicílios indígenas, além de 15 povos originários, sendo um deles isolado. A Coiab também registrou que o cenário de aridez severa também prejudicou o funcionamento de 110 escolas e 40 unidades de saúde dentro dos territórios.

A reportagem questionou o Ministério dos Povos Indígenas e a Funai sobre medidas tomadas ou planejadas e aguarda retorno.

*Com informações da Agência Brasil

Legistas da floresta querem saber: as grandes árvores da Amazônia estão morrendo?

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Trecho de floresta amazônica na Reserva Florestal Adolpho Ducke, perto de Manaus, que está sendo usada pelo projeto Gigante para estudar as árvores de grande porte da Amazônia. Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Dois pesquisadores, vestindo camisas e calças de mangas compridas para resistir aos mosquitos e botas de cano alto para evitar picadas de cobras, olham para uma árvore destruída. Está no chão, coberta por folhas de palmeira, que se estendem por toda a floresta. Até pouco tempo atrás, ela se elevava sobre a maioria das outras árvores dessa vasta floresta tropical.

“É óbvio que foi um raio”, diz Evan Gora, declarando a causa da morte da árvore. Ele é um cientista da equipe do Cary Institute of Ecosystem Studies em Millbrook, Nova York (EUA).

“É possível ver folhas queimadas na parte superior”, concorda Adriane Esquivel Muelbert. Ela é professora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Adriane aponta para a folhagem enegrecida que está pendurada em dezenas de árvores que circundam o perímetro do enorme toco. As folhas estão queimadas apenas nos lados voltados para a abertura da copa, deixada quando a grande árvore tombou — evidência de uma descarga elétrica.

Como Sherlock Holmes desvendando um mistério de assassinato, os especialistas em ecologia de florestas tropicais apresentam seu raciocínio a dois pós-doutorandos de sua equipe. Quando um raio atinge uma árvore, diz Evan, a alta tensão flui através da folhagem entrelaçada para as árvores vizinhas, matando os galhos e criando um padrão distinto. Evan desenvolveu esse método para determinar o raio como causa da morte de árvores enquanto trabalhava em uma floresta tropical do Panamá. Hoje, ele identificou o mesmo padrão de vegetação morta e queimada em torno desse gigante caído na Amazônia brasileira. Nenhuma outra causa de morte de árvores tem esse aspecto.

Pode parecer estranho que dois cientistas de alto nível passem tanto tempo investigando a morte de uma única árvore em uma vasta floresta. Mas as implicações são importantes. Seu projeto de pesquisa, chamado “Gigante”, está explorando as causas da mortalidade das maiores árvores de florestas tropicais no mundo. O estudo pode ajudar a responder a uma questão importante da ciência da mudança climática: A floresta tropical intacta continuará absorvendo muito mais dióxido de carbono do que libera?

As regiões intocadas da Amazônia ainda estão armazenando uma quantidade considerável de CO2 e retardando o acúmulo atmosférico do gás que aquece o planeta e que os seres humanos liberam quando queimam combustíveis fósseis. No entanto, se a absorção de carbono cair significativamente na Amazônia e em outras florestas tropicais do mundo, as temperaturas globais poderão aumentar mais rapidamente do que sugerem os modelos atuais, tornando ainda mais difícil para a humanidade desacelerar as mudanças climáticas.

Pronto para voar

Os dois cientistas, junto com as pós-doutorandas Vanessa Rubio e Gisele Biem, reuniram-se aqui, na Reserva Florestal Adolpho Ducke, no Brasil, pela primeira vez. Seu projeto de pesquisa global, que durará três anos, só começou recentemente.

A Reserva Ducke, nos arredores de Manaus, abrange um quadrante de 93 quilômetros quadrados de floresta tropical antiga, reservada pelo governo federal para pesquisa. Os visitantes, como esta equipe e um elenco variado de estudantes e colaboradores, pernoitam em dormitórios caiados de branco e comem em um refeitório sem paredes, área que frequentemente compartilham com queixadas, urubus, gatos selvagens e jararacas — uma das cobras mais venenosas do mundo.

Os pesquisadores vieram para responder a essas perguntas cruciais sobre a absorção de carbono e também para aprimorar as habilidades de observação, praticar a coleta e o registro de dados e desenvolver o espírito de equipe. No primeiro dia, a equipe se concentrou na identificação de relâmpagos. No dia seguinte, o tópico serão as árvores derrubadas pelo vento.

Evan está ansioso para mostrar seu mais recente dispositivo de pesquisa. Em uma clareira perto de um prédio baixo de estuque que serve como sala de aula, laboratório e sede da reserva, ele abre o zíper de uma enorme mala coberta de tecido.

Ansioso como uma criança desembrulhando um presente de Natal, Evan coloca as metades da mala na horizontal e retira a fuselagem de um drone do tamanho de um skate. Ele trouxe esse drone Trinity Pro da Quantum Systems da Alemanha. A equipe o observa enquanto ele o monta.

“É o brinquedo mais legal de todos!”, exclama Evan. Então, como se estivesse oferecendo um peru de Natal, ele pergunta a Vanessa: “Você quer pegar uma asa?” Evan e Vanessa prendem a cauda de plástico e isopor e as asas de um metro.

As asas leves como penas e as pernas semelhantes a galhos fazem com que o drone pareça frágil. Mas Evan diz que se trata de uma ferramenta de pesquisa séria a um preço acessível. Esse modelo será lançado verticalmente, como um helicóptero — útil em uma floresta. Com uma única carga, ele pode voar horizontalmente como um avião e de forma autônoma por uma hora e meia a quase 64 quilômetros por hora. Sua câmera de alta resolução distingue objetos tão pequenos quanto uma moeda a 300 metros de altura. Sem ele, o projeto Gigante não poderia ser realizado.

Evan Gora, à esquerda, discute a montagem do drone Trinity Pro com membros da equipe do Gigante na Reserva Florestal Adolpho Ducke. Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Legistas de florestas tropicais

Um estudo publicado na revista Nature em 2015 surpreendeu os cientistas. Ele constatou que a floresta amazônica intacta absorveu 30% menos dióxido de carbono na década de 2000 do que na década de 1990. Os autores sugeriram que a absorção de carbono das florestas tropicais do mundo — o sumidouro de carbono tropical — está falhando. Desde então, outros estudos confirmaram esse resultado e mostraram declínios semelhantes em florestas tropicais em outros lugares.

Como muitos pesquisadores, ele concorda que os impactos da mudança climática são a principal causa da queda na absorção de carbono pelas florestas. Se não pararmos com isso logo, diz ele, “as florestas podem aumentar o problema [climático] em vez de mitigá-lo”. Até agora, a floresta amazônica absorvia cerca de 12% de todo o carbono liberado na atmosfera pela humanidade, embora a quantidade exata seja motivo de debate.

Um dos motivos pelos quais o sumidouro tropical de florestas intactas está diminuindo, de acordo com muitos cientistas, é que mais árvores estão morrendo e/ou morrendo mais jovens. Mas os pesquisadores não sabem o suficiente sobre por que e quando essas árvores morrem. Portanto, não é possível modelar com precisão e prever como esses fatores mudarão no futuro, criando incerteza nas previsões climáticas.

Prognósticos robustos exigem estimativas de absorção de carbono florestal. E, sem previsões climáticas precisas, as pessoas não podem antever com exatidão a velocidade e a consequente gravidade da crise climática.

Adriane e Evan esperam esclarecer a vida e a morte das maiores árvores tropicais, geralmente aquelas com diâmetro de tronco maior do que o de uma pizza grande, como o angelim-vermelho (Dinizia excelsa). Isso é importante porque essas árvores são responsáveis por uma parcela imensa da absorção de carbono de uma floresta tropical.

Evan Gora aponta para um perímetro cercado por galhos queimados, que sugerem uma queda de raio como causa de morte de uma árvore. Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Os pesquisadores estimam que as árvores de grande porte sugam cerca de metade do carbono que uma floresta tropical absorve. A eficácia futura do sumidouro tropical provavelmente depende da longevidade desses indivíduos. Se o aumento do aquecimento, a redução das chuvas ou outros impactos da mudança climática encurtarem suas vidas, toda a floresta se tornará mais jovem e absorverá ainda menos carbono do que hoje. O sumidouro de carbono tropical poderá diminuir ou desaparecer. E, à medida que a morte de árvores em florestas intactas se intensifica, as florestas tropicais remanescentes do mundo podem até mesmo se tornar fontes significativas de carbono.

O crescimento das temperaturas médias e extremas, os padrões de precipitação e a intensidade das tempestades poderiam determinar de forma significativa o que acontece com as árvores grandes das florestas tropicais. Mas Adriane diz: “Das árvores grandes, não sabemos quase nada”.

Eles sabem tão pouco em parte porque essas árvores são raras e morrem com pouca frequência. Um estudo de 2018 em um local próximo à Reserva Ducke constatou que, de 5.808 árvores observadas durante um ano, 67 morreram. Dessas, apenas uma árvore era grande. Não é possível fazer inferências sobre como uma população se comporta estudando uma única árvore. Esse problema é agravado na hiperdiversidade da Amazônia, com mais de 10 mil espécies de árvores, com uma infinidade de estratégias de vida distintas.

Para analisar um conjunto suficientemente grande de árvores de grande porte, os cientistas precisam coletar informações detalhadas de mais terras tropicais do que já foi examinado. No entanto, estudar o histórico de vida de cada árvore de uma floresta tropical pelos métodos atuais é trabalhoso e caro. Normalmente, os trabalhadores florestais marcam e registram estatísticas como o diâmetro do tronco e a espécie (se conhecida) de cada árvore em terrenos de estudo do tamanho de campos de futebol. Assim como os recenseadores, esses trabalhadores atualizam seus registros em visitas sucessivas.

Em um artigo de 2020, Adriane identificou 189 desses terrenos em uma rede de locais de pesquisa da Amazônia chamada RainFor, que ela considerou grande o suficiente para incluir em um estudo de mortalidade de árvores. A área combinada desses espaços totalizou 331 hectares, equivalente ao dobro do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A partir dessa amostra de floresta, ela inferiu as causas da mortalidade de uma árvore amazônica média. Mas ela também concluiu que os dados da rede “não tinham a cobertura espacial e temporal necessária para fornecer informações sobre árvores grandes”.

Em outras palavras, até o momento, poucas árvores amazônicas de grande porte foram estudadas para determinar quanto tempo elas vivem e o que as mata. Adriane diz que a situação é pior nas outras florestas tropicais do mundo, na Ásia e na África.

É por isso que o orçamento da equipe incluiu o drone Trinity Pro de US$ 27 mil (aproximadamente R$ 148 mil). Com ele, o projeto Gigante pode estudar mais árvores grandes do que nunca. Estamos “mudando nossa abordagem de olhar no nível do solo, medindo os troncos das árvores, para usar um drone”, explica Evan.

Para o trabalho atual, eles irão monitorar um lote de 1.500 hectares dentro da Reserva Ducke. Isso pode não parecer muito extenso, mas a área contém cerca de 750 mil árvores mais grossas do que um poste de cerca e quatro vezes mais terra do que em todas as pequenas áreas estudadas no artigo de Adriane de 2020.

Em contraste com os terrenos do RainFor, que os pesquisadores de campo visitam uma vez a cada dois anos, o drone do Gigante pesquisará a área de estudo mensalmente. Além disso, a equipe do Gigante calçará repetidamente aquelas botas à prova de cobras e entrará em locais selecionados. Mais como legistas do que como recenseadores, eles só visitarão árvores grandes recém-mortas após a análise mensal das imagens do drone.

Durante a busca por árvores mortas, Evan Gora e Adriane Esquivel Muelbert olham para um galho queimado identificado pelo especialista em florestas tropicais Flamarion Prado Assunção. Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media.

Burocracia e tentativa de sequestro

Mas há um problema. No acampamento-base da Reserva Adolpho, Evan desmonta o drone e coloca as peças de volta em seu estojo personalizado. Ele ainda não pode pilotá-lo. O Brasil, assim como os Estados Unidos, regulamenta os drones. Apesar de meses de tentativas, a equipe ainda não obteve permissão.

Eles já esperavam ter recebido as aprovações, mas Evan diz que há “algumas complicações”. No meio do processo de solicitação de licenças, o consultor que eles contrataram para ajudá-los com a papelada parou abruptamente de responder a mensagens de texto e ligações. Depois de um tempo, ele explicou que houve uma tentativa de sequestro. Ele não quis dar mais detalhes, mas disse que precisava de mais tempo para voltar ao trabalho. Semanas se passaram sem nenhuma outra comunicação, deixando a permissão para voar em um limbo.

Uma vez autorizada, a equipe voará com o drone sobre Ducke. O drone irá se deslocar para frente e para trás em um grande terreno retangular, fotografando a floresta em trilhas paralelas, como as faixas de um gramado meticulosamente cortado. Os pesquisadores juntarão as imagens, produzindo uma única renderização de toda a área. Com a ajuda de um programa de computador desenvolvido por colegas no Panamá, eles procurarão nessa composição as aberturas no dossel que apareceram desde os sobrevoos anteriores, cada uma delas sendo o sinal provável de uma ou mais árvores recém-caídas.

Em seguida, eles saem a pé e verificam cada um deles. Adriane chama cada uma dessas visitas de “necrópsia”. A equipe espera que de 10 a 20 novos locais de árvores mortas sejam abertos no dossel a cada mês — cerca de 500 árvores por ano, o dobro do que os cálculos mostram ser necessário para tirar conclusões estatisticamente significativas sobre a mortalidade de árvores grandes.

O que está em jogo

Com US$ 1,7 milhão em subsídios da National Science Foundation dos EUA e do Natural Environment Research Council do Reino Unido, Adriane e Evan também supervisionam uma pesquisa paralela no Panamá e, a partir do próximo ano, na Malásia, em Camarões e em um segundo local na Amazônia.

Cada equipe local usará métodos idênticos para coletar dados nesses locais, seguindo o que os pesquisadores chamam de “o protocolo”, para permitir comparações válidas entre os locais. Com o fervor dos que creem verdadeiramente, Adriane, Evan e seus acólitos, os pós-doutorandos, ensinarão o protocolo às equipes que estudam os outros locais nos trópicos.

Como o drone não pode ser pilotado hoje e a equipe do Gigante não pode coletar dados aéreos, os membros da equipe calçam botas e passam repelente de mosquitos. Chegou a hora do workshop de hoje sobre windthrow — termo técnico em inglês para árvores derrubadas pelo vento. Os quatro cientistas e um especialista florestal local percorrem vários quilômetros de trilhas na floresta tropical até chegar a um corte no dossel. Parece que uma mão gigante golpeou três árvores altas e largas, derrubando-as no chão e arrancando suas raízes do solo. Essas, por sua vez, esmagaram dezenas de árvores menores em um emaranhado traiçoeiro de galhos.

Evan vivenciou em primeira mão o momento em que uma árvore desse tamanho tomba. “É um som espetacular!”, diz ele. “Você ouve estalos quando as raízes são arrancadas do solo e as árvores ao redor são esmagadas.” Imagine um galho de uma polegada de espessura se partindo em dois, diz ele. “Agora multiplique esse diâmetro por alguns metros.”

Antes que a equipe consiga entender a confusão, uma chuva fraca se transforma em um aguaceiro. Encharcados, os pesquisadores amarram uma lona e esperam o tempo passar. Vanessa distribui um saco de paçocas. Eles comem e cantam músicas pop e a tempestade continua.

Em seguida, a equipe mede o diâmetro de cada tronco. Duas se qualificam como “gigantes” — para este estudo, árvores com mais de meio metro de diâmetro do tronco na altura do peito.

Enquanto Adriane e Evan observam com aprovação, Vanessa e Gisele notam que cipós se agarram às árvores derrubadas. Em suas planilhas de dados, as pós-doutorandas classificam a infestação de cipós em um fator de dois, indicando que a folhagem dos cipós cobre de 25% a 50% do dossel combinado. Essas trepadeiras impedem que a luz do sol chegue à copa da árvore e roubam a água de suas raízes. Às vezes, os cipós ficam tão pesados que arrastam as árvores para baixo.

A equipe observa que as folhas das árvores derrubadas ainda estão penduradas, mostrando que as árvores caíram enquanto estavam vivas. Indo para a base das árvores, eles observam que os pelos finos das raízes estão intactos. Essas estruturas delicadas se degradam rapidamente no calor e na umidade tropicais quando expostas ao ar. Com base nisso, eles concluem que as árvores caíram no último mês ou dois.

Se isso não fosse apenas um exercício de treinamento, a equipe também verificaria se as árvores caídas apresentavam danos causados pela podridão do seu miolo, sondando cada uma delas com uma ferramenta chamada Resistograph. O dispositivo parece uma arma de assalto; segurando-o por um cabo de pistola, os pesquisadores pressionariam a ponta do cano, que abriga uma agulha, contra um tronco e apertariam o gatilho. Uma queda na resistência à sonda sugere que a madeira está quebradiça devido a uma infecção fúngica, outra possível causa da morte da árvore.

Evan Gora e o drone que está sendo usado para coleta de dados pelo projeto Gigante sobre a mortalidade de árvores de grande porte em florestas tropicais. Foto: Dado Galdieri/Hilaea Media

Se uma árvore cai… o que a matou?

O vento claramente derrubou pelo menos uma dessas grandes árvores. Outras podem ter sido derrubadas por uma vizinha que tombou. Os pós-doutorandos marcam “W”, de wind (vento, em inglês) , em suas anotações. Mas será que o vento matou as árvores? O vento derruba árvores amazônicas com frequência; metade de todas as árvores que morrem por causas naturais é derrubada pelo vento, de acordo com Adriane. Por “naturais”, ela quer dizer que não foram mortas com uma motosserra. Mas, na verdade, está cada vez mais difícil traçar uma linha entre a morte natural e a antropogênica das árvores.

Um estudo recente estima que, até 2100, o aumento das tempestades na Amazônia, provocado pelas mudanças climáticas causadas pelo homem, gerará um aumento de 43% nas mortes por windthrow — queda causada por vento. E, embora os cientistas não saibam ao certo, o vento pode ter o maior impacto sobre as árvores maiores, uma vez que suas copas vulneráveis se elevam bem acima do dossel circundante, o que reduz a velocidade do vento.

Os pesquisadores têm a intenção de determinar se um fator, e não outro, “causa” a mortalidade. Evan explica que, embora o vento seja a provável causa imediata, ou próxima, da morte dessas árvores, pode não ser o que realmente as matou — a causa final. Investigar a morte de uma árvore é tão complicado do ponto de vista forense quanto encontrar uma pessoa morta na parte inferior de uma escada: ela morreu de uma pancada na cabeça ao cair ou do derrame que levou à queda?

A queda de um raio está entre os poucos diagnósticos de árvores mortas em florestas tropicais feitos com um alto grau de certeza. Evan descobriu que 40% das grandes árvores mortas que ele havia estudado em uma floresta tropical do Panamá haviam morrido imediatamente após a queda de um raio.

Se as quedas de raios aumentarem tanto quanto sugerem algumas projeções climáticas (um aumento global de até 50% até 2100), Gora e seus colegas estimam que a mortalidade de árvores de grande porte no Panamá poderá aumentar entre 9% e 18%. Essa mudança, por sua vez, reduziria a absorção de carbono pela floresta. Mas Evan adverte que os raios podem não desempenhar um papel semelhante em todas as florestas tropicais. A pesquisa do Gigante deve ajudar a determinar esse papel.

Para investigar as causas finais da mortalidade, o novo protocolo do Gigante exige a coleta de informações sobre vários fatores de risco — condições que podem levar uma árvore à beira da morte antes que outro fator dê o golpe final.

Por exemplo, Evan explica: “Poderíamos descobrir que toda árvore que morreu devido ao vento tem uma carga enorme de cipós. Descobriríamos que os cipós estão causando a mortalidade, mesmo que a causa próxima que anotamos tenha sido o vento”. Outros fatores de risco a serem considerados incluem a podridão do miolo, infestações de insetos e estresse hídrico (excesso ou falta de água), que podem ser intensificados pelas mudanças climáticas.

Adriane diz que, como é difícil atribuir uma causa final para a morte de uma árvore, sua pesquisa sempre terá algum grau de incerteza.

Ainda assim, ela está motivada pela necessidade urgente de prever a eficácia do sumidouro de carbono tropical nas próximas décadas.

Muitas mudanças nas florestas tropicais que estão ocorrendo agora, ou que estão sendo projetadas, podem aumentar a mortalidade das árvores e degradar o sumidouro de carbono tropical. A mudança climática está alterando os padrões de precipitação, ventos extremos e relâmpagos, enquanto as lianas estão se tornando mais abundantes na Amazônia e em algumas outras florestas tropicais, à medida que aumentam as áreas de perturbação humana e a intensificação do calor.

A classificação de todos esses fatores exige dias de trabalho árduo. No final desse dia, a equipe volta em fila indiana pela trilha lamacenta e escorregadia até a sede da Reserva Ducke. Gotas de água brilhantes penduradas nas folhas refratam réplicas em miniatura da floresta escurecida. A folhagem exala aromas florais doces, estranhamente com notas de alho.

Ao se aproximarem do acampamento base, eles param em uma grande árvore viva que se ergue como um trovão acima do dossel circundante. Uma harpia está sentada em um ninho de gravetos grande como uma banheira, apoiado em uma curva da copa. As harpias (Harpia harpyja), a maior ave de rapina da Amazônia, empoleiram-se no topo das árvores e da cadeia alimentar. Quando vista, a ave gira a cabeça em direção aos pesquisadores. Entusiasmada, Adriane abandona sua serenidade científica. “É por isso que as árvores gigantes são importantes”, ela exclama.

Para realizar esta reportagem, a Mongabay obteve apoio do Pendleton Mazer Family Fund, Abby Rockefeller e Lee Halprin.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Daniel Grossman