Terra preta de índio, o solo que provoca debate entre pesquisadores

Solo escuro e fértil, a terra preta de índio (TPI) é o nome dado a manchas de solo escuro encontradas na Bacia Amazônica que podem chegar a ocupar mais de cem hectares.

Solo escuro e fértil, a terra preta de índio (TPI) é o nome dado a manchas de solo escuro encontradas na Bacia Amazônica e que podem variar de áreas menores, de cerca de um hectare, até extensões com mais de cem hectares. As TPIs são caracterizadas também por serem solos bastante férteis.

Até pouco tempo, havia um consenso na comunidade científica sobre a origem das terras pretas de índio, que consistia numa origem antrópica, ou seja, derivada da ação do homem. Seu surgimento estava relacionado ao processo de ocupação promovido por povos pré-colombianos, que viveram na região amazônica alguns milhares de anos até a chegada dos colonizadores.

A teoria aceita até então era de que o acúmulo de comida, fezes e de outros resíduos orgânicos em aldeias habitadas por indígenas, ao longo de séculos, levou ao surgimento desse tipo de solo.

Contudo, um estudo publicado pela revista científica Nature Communications, em janeiro de 2021, realizado por 14 cientistas do Brasil, Estados Unidos e Reino Unido, alegou que o surgimento da terra preta de índio pode ter sido de origem natural, de oito mil a quatro mil anos atrás, em razão da deposição de sedimentos ricos em elementos químicos, como fósforo, cálcio e carbono pirogênico, provenientes de outras áreas da região.

Nesse debate científico, existe algum lado certo? O Portal Amazônia argumenta os dois pontos de vistas.

Foto: Felipe Santos da Rosa/Embrapa

Terra preta, rica em quê? 

Com fósforo, cálcio, zinco e manganês, além de elevado estoque de carbono orgânico, a terra preta de índio é altamente fértil e com estimativa de até cem vezes superiores aos solos ao redor.

Para a pesquisa da teoria de que o solo teria tido origem natural, os pesquisadores fizeram análises em 300 amostras de terra preta e de argissolo, um tipo de solo pobre e ácido, de cor entre o vermelho e o alaranjado, comum na Amazônia. O material foi retirado do sítio do Caldeirão, localizado em Iranduba, interior do Amazonas.

Entre outros aspectos, os cientistas realizaram a medição da quantidade de fósforo e cálcio na região. Pouco abundantes na Amazônia, o elevado nível de concentração desses dois nutrientes por si só já revelam que o solo foi enriquecido devido à ocupação humana no passado. Contudo, os níveis desses nutrientes encontrados superavam em mais de dez vezes os verificados nos argissolos vizinhos.

Debate na comunidade científica

Para rebater o artigo publicado na Nature, houve dois outros trabalhos assinados por 45 e 49 pesquisadores brasileiros e estrangeiros. O engenheiro agrônomo Wenceslau Geraldes Teixeira, da Embrapa Solo, relata:

“Eles trabalharam com apenas um sítio, requentaram uma hipótese antiga, da década de 1970, e ignoraram muita informação e o contexto arqueológico das terras pretas”,

comentou.

Já para o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), o debate é pertinente, embora as conclusões do artigo estejam erradas, na opinião dele.

“Para que a deposição de sedimentos tivesse ocorrido da forma que eles descrevem no Caldeirão, teria de ter havido um enorme alagamento, quase um dilúvio, na área do Solimões. Esse sítio se situa em um barranco, cerca de 30 metros acima do nível atual do rio”,

explica o arqueólogo.

Os autores do novo artigo, dentre eles Lucas Silva e Rodrigo Corrêa, comentam que o clima e a geomorfologia na região eram diferentes do que são hoje e os lugares que apresentam terra preta estavam mais próximas dos cursos d’água.

“As condições naturais no passado eram distintas das atuais […] Não queremos destruir os estudos dos pesquisadores das terras pretas. Mas é preciso ter a mente aberta e aceitar que a ciência evolui”

diz o engenheiro-agrônomo e ambiental Rodrigo Studart Corrêa.

Sítio do Caldeirão 

Distante cerca de 30 km de Manaus, no município de Iranduba, o Caldeirão é um dos mais famosos sítios de terra preta e um dos mais estudados. Faz parte de um campo experimental da Embrapa Amazônia Ocidental. Chega a medir 23 hectares, o que é grande em comparação a outros sítios onde ocorrem a terra preta, que em geral ficam entre um a dois hectares.

Estudos relatam que a ocupação humana desse sítio se deu entre 2.500 e 500 anos atrás. Já a datação de amostras de carbono obtidas das terras pretas e dos argissolos do Caldeirão indicaria que o início do solo escuro ocorreu por volta de 7.600 anos atrás, quando não se tem registros da ocupação do território por populações indígenas. Esse fato é rebatido por outros pesquisadores.

Conclusão 

Após o surgimento dessa teoria, pesquisadores de diversas áreas começaram a divergir sobre a real origem do solo. Porém, isso abriu debate para outros questionamentos.

Na raiz da discussão está o debate sobre quando as primeiras populações de Homo sapiens se fixaram em pontos da Amazônia e qual era a densidade populacional de seus assentamentos.

Nas últimas duas décadas, pesquisas arqueológicas, antropológicas encontraram registros de povos pré-colombianos de 12.600 e 11.800 anos atrás nos municípios de Monte Alegre no Pará e em Serranía La Lindosa, na Colômbia.

E ainda fica a dúvida: Será que a ocupação humana na Amazônia é mais antiga do que se tem registro?

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