Preciosidade arqueológica: conheça a cidade indígena que existe embaixo do bairro Nova Cidade, em Manaus

Uma cidade ocupava as duas margens do igarapé conhecido como Igarapé do Paxiubinha. A área é de cerca de 16 a 20 hectares de ocupação. 

O bairro Nova Cidade é considerado um dos maiores bairros da cidade de Manaus (AM). Inicialmente, o bairro era conhecido como Conjunto Habitacional, planejado em 1996, como um projeto para abrigar migrantes vindos da região Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil. Localizado na região Norte da capital, o início da construção das obras trouxe uma preciosidade arqueológica.

Os trabalhos de terraplenagem do bairro foram iniciados no fim do ano 2000 e início de 2001, o projeto tinha como expectativa atender a 48.000 habitantes com a construção de 12 mil casas, entretanto, apenas 9,5 mil foram finalizadas em 2001. Posteriormente, mais 45 mil unidades foram entregues em 2002 e outras 5 mil unidades foram entregues a partir do ano de 2003, com 80% das casas entregues a servidores públicos estaduais.

Anteriormente, o território onde hoje é o bairro, fazia parte da Reserva Florestal Adolpho Ducke, que contém cerca de 10 mil hectares de preservação ecológica florestal. E, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro abriga atualmente mais de 70.428 habitantes, com extensão territorial de pouco mais de 1 hectare (10.000 m²).

Em 8 de janeiro de 2001, durante o processo de terraplanagem da região, foram encontradas cerca de 300 urnas funerárias que foram destruídas durante a construção. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) recebeu uma denúncia da população que morava nas proximidades e tinha conhecimento dessas peças arqueológicas. 

Foto: Acervo pessoal / Carlos Augusto da Silva

Em 2001, o Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) estava com um projeto de divulgação da cultura material nas escolas na área urbana de Manaus. Um senhor que tirava bacaba (fruta) na época na região da Cidade Nova, identificou vários vestígios e achava que lá seria uma olaria.

O Portal Amazônia entrevistou o professor doutor Carlos Augusto da Silva, que estava presente durante a visitação do sítio arqueológico Nova Cidade, em 2001. Ele possui graduação em Ciências Sociais, mestrado em Ciência do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia e doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia, todos realizados pela UFAM.

O sítio Nova Cidade é um complexo, uma cidade que ocupava as duas margens do igarapé, conhecido como Igarapé do Paxiubinha. A área é de cerca de 16 a 20 hectares de ocupação dessa área.

Exumação de recipiente cerâmico no sítio Nova Cidade II. Foto: Reprodução

“Veio através de uma informação de um popular. Em 2001, o Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas estava com um projeto de divulgação da cultura material nas escolas na área urbana de Manaus. E aí saíram algumas matérias na mídia e esse senhor que tirava bacaba na época da cidade nova, ele identificou vários vestígios e achava que lá seria uma olaria. Ele ligou para o museu, nós fizemos uma visita técnica e constatamos que não se tratava de uma olaria, mas sim de um grande sítio arqueológico ocupado nos últimos dois mil anos pelas populações humanas”, explica.

As peças encontradas no sítio Nova Cidade são entre os séculos XIX e XII, por cerca de aproximadamente 2 mil anos. Essa população viveu nesse ambiente que a história é composta a partir dessa ação no meio ambiente, deixando vestígios de cerâmica e lítico, além da grande cobertura florestal.

Os fragmentos que foram encontrados, estão associados à urna funerária, ou seja, as pessoas quando morriam, após um tempo, eram tiradas partes importantes, colocavam ao fogo e o que sobrasse eram colocados em grandes vasilhames cerâmicos e enterravam, uma espécie de ritual fúnebre. 

Foto: Reprodução

“Essa região do braço do Rio Negro e Solimões, e Amazonas, foram densamente povoadas na Amazônia pré-colombiana. Então geralmente esses locais são áreas que foram habitadas pelas populações humanas. Nesse processo de habitação, eles transformaram a paisagem, onde foram deixados objetos que geralmente estão associados à cerâmica e lítico. A cerâmica é produzida do recurso mineral, ou seja, da argila, e o lítico também tem o mineral da pedra, a pedra lascada. Então seria mais ou menos os artefatos encontrados no sítio Nova Cidade. Além desses artefatos, teria a cobertura vegetal”, afirma o professor.

Em 2001, foram mapeados 222 recipientes e 238 concentrações cerâmicas. Além dos materiais cerâmicos, 92 artefatos de pedra foram coletados, de forma, lascados, polidos e picotados.

Um novo mapeamento realizado em maio constatou a presença de um segundo sítio arqueológico. O sítio arqueológico Nova Cidade II possui 1,8 hectare de extensão. Entre junho e julho de 2004, indicou a presença de 39 novos recipientes, 11 fragmentos e 140 recipientes perdidos. 

Entre os objetos encontrados, estavam cestas com alça, urnas, cuias, alguidares, torradoras ou assadeiras e cuias com pedestal, além de lâminas feitas de material da pedra lascada. Ao todo, 30 novos artefatos líticos foram encontrados durante a exploração do sítio.

Vestígios ósseos encontrados. Foto: Reprodução

“Ainda não é possível saber de vestígios da arqueologia, mas é sabido que essa região do braço do Rio Negro e Solimões era densamente ocupado por uma série de etnias, e uma dessas etnias era exatamente os manaós. Não estou dizendo que lá eram os manaós, mas talvez fossem seus ancestrais”, comentou Carlos Augusto da Silva.

Perdas e estimativas

Cerca de 70% dos objetos encontrados no local pela primeira vez em 2001, foram destruídos pela ação da chuva até 2004. A destruição do material ósseo é talvez a maior perda relacionada à destruição do sítio e eliminou qualquer possibilidade de datação do local. Sendo assim, a idade do sítio só pode ser estimada através da identificação dos restos cerâmicos.

A presença de diferentes cerâmicas indica que os sítios Nova Cidade e Nova Cidade II foram ocupados por pelo menos três vezes: a ocupação mais antiga ocorreu no sítio Nova Cidade II, entre os séculos IV e VIII DC, o que é atestado por datas para cerâmicas da fase Manacapuru obtidas em Manaus e adjacências. 

De acordo com as pesquisas, a ocupação com maior visibilidade arqueológica, associada ao cemitério da fase Paredão no sítio Nova Cidade I, ocorreu entre os séculos VIII e X DC. É provável que o cemitério tenha se formado ao longo de algumas décadas ou séculos, e que, portanto, essa tenha sido uma ocupação de longa duração. A última ocupação, associada à fase Guarita no sítio Nova Cidade I, ocorreu entre os séculos IX e XVI DC.

Foto: Reprodução

As três ocupações identificadas no sítio Nova Cidade e nos sítios próximos se estendem até o período da chegada dos europeus. Os materiais cerâmicos coletados estão associados às fases Manacapuru e Paredão, da tradição Borda Incisa, e à fase Guarita da Tradição Policrômica.

Segundo o Professor, ainda é possível encontrar  nos dias atuais fragmentos desses objetos, apesar de grande parte ter sido destruída com o tempo e a ocupação. Uma das consequências que podem vir a surgir são o aparecimento de valas e crateras que se formam no ambiente, chamadas de voçorocas.

Saiba mais: Conheça o “fenômeno” das Voçorocas; as crateras que se formam na região urbana de Manaus.

Assim, ainda podem vir a superfície novos pedaços e fragmentos no local, “a medida que for retirando a cobertura vegetal e as águas pluviais forem cavando o solo” que é arenoso e argiloso, como explica o professor.

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