O rápido avanço da destruição florestal na Amazônia e no mundo está criando condições para o surgimento de futuras pandemias de acordo com especialistas.
A ciência tem confirmado que quanto mais florestas forem perdidas, mais destruições serão ocasionadas, não só para o planeta, mas para o ser humano. Não é só o clima, o oxigênio ou a água que estão em perigo. Agora, está em jogo também a saúde dos seres humanos.
Cientistas alertam que a próxima epidemia poderá ter origem na Amazônia brasileira se as florestas continuarem sofrendo altos índices de desmatamento. Umas das formas pela qual o desmatamento leva à emergência de novas doenças é por meio do fogo, através de incêndios.
Após as queimadas na floresta, o habitat alterado em geral, oferece menos alimento, levando animais a procurar comida em comunidades humanas vizinhas, criando vetores de bactérias, vírus e parasitas zoonóticos (transmissíveis de um animal a um ser humano).
Um exemplo disso, foi o que aconteceu em 1997, quando árvores das florestas tropicais da Indonésia, deixaram de produzir frutos devido às nuvens de fumaça causadas pelas queimadas de uma área imensa, forçando assim, morcegos frugívoros (animais que se alimentam de frutos sem danificar a semente) a voarem para outros locais em busca de alimento, levando consigo uma doença mortal.
Logo que os morcegos se assentaram nas árvores de pomares malaios, os porcos que habitavam na região começaram a adoecer. Presume-se que depois de comerem frutas já mordidas pelos morcegos. Até 1999, no total, 265 pessoas haviam desenvolvido uma grave inflamação cerebral, 105 delas vindo a óbito.
Foi a primeira manifestação conhecida do vírus Nipah em humanos, que desde lá, causou uma série de surtos recorrentes em todo o sudeste asiático. Ela é apenas uma dentre tantas doenças infecciosas que, antes confinadas à vida selvagem, agora se alastram para áreas que estão sendo rapidamente desmatadas.
Nas últimas duas décadas, cada vez mais evidências científicas sugerem que o desmatamento, ao dar início a uma imensa cadeia de acontecimentos, cria condições para que se espalhe entre os humanos uma grande quantidade de vírus mortais, como os vírus Nipah e Lassa, e os parasitas causadores da malária de da doença de Lyme.
Com as amplas queimadas que ainda continuam nas florestas tropicais da região amazônica, assim como em partes da África e do sudeste asiático, especialistas expressam preocupação quanto à saúde de quem vive às margens do desmatamento. Eles também temem que as florestas do nosso planeta deem origem à próxima pandemia.
“Já é algo bem estabelecido que o desmatamento pode ser um grande fator de transmissão de doenças infecciosas”, diz Andy MacDonald, ecologista especializado em doenças do Instituto de Geociências da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. “Trata-se de um jogo numérico: quanto mais degradarmos e retirarmos os habitats florestais, mais expostos estaremos a situações de epidemias infecciosas”, avisa.
Logo, uma das principais causas dessa transferência de doenças é a destruição do habitat, sobretudo nas florestas tropicais. “Vertebrados silvestres, especialmente roedores, morcegos e primatas, abrigam patógenos que são novos para o sistema imunológico humano. Se desmatarmos seu habitat e nos colocarmos em contato próximo com eles, podemos aumentar o risco de haver uma contaminação, introduzindo um novo patógeno”, afirma Andy.
Perda de biodiversidade
A perda de biodiversidade – em grande parte conectada ao desmatamento – também aumenta o risco de transmissão de doenças. Uma floresta com diversidade de espécies nos protege, pois um ambiente em equilíbrio cria uma espécie de escudo que evita a proliferação de agentes causadores de doenças em humanos, por exemplo, os mosquitos.
Ao interferir nas florestas, um desequilíbrio é criado e a capacidade da biodiversidade de proteger a saúde humana é reduzida. No Brasil, pesquisadores fazem uma conexão direta entre o avanço do desmatamento e o aumento de incidência de malária em regiões desmatadas.
Um estudo realizado na Amazônia mostrou que o aumento da perda de floresta em 4% das áreas recém desmatadas de um município provocou uma elevação de 50% dos casos de malária. Isso ocorre porque conforme a destruição avança sobre as áreas verdes, as clareiras abertas acabam sendo um ambiente ideal para a proliferação do mosquito transmissor da doença.
Em uma complexa análise de imagens de satélite e dados sanitários publicada recentemente no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, Andy MacDonald, em conjunto com Erin Mordecai, da Universidade de Stanford (EUA), relatou um impacto significativo na transmissão de malária, causado pelo desmatamento em toda a bacia amazônica, alinhado ao previsto em pesquisa anterior.
Entre 2003 e 2015, os pesquisadores estimaram que, em média, um aumento na perda florestal de 10% ao ano tenha causado um aumento de 3% nos casos de malária. Por exemplo, em um ano do estudo, o desmatamento de uma área florestal de 1,6 mil km² — o equivalente a quase 300 mil campos de futebol — teve relação com um aumento de 10 mil casos de malária.
Esse efeito foi ainda mais acentuado no interior da floresta, onde ainda restam trechos florestais intactos, proporcionando o habitat úmido na borda da mata que os mosquitos apreciam. Com as contínuas queimadas na Amazônia, esses resultados são um mau presságio. Os dados mais recentes, anunciados nesta semana, revelam que já se destruiu uma área equivalente a 12 vezes o tamanho da cidade de Nova York.
De acordo com informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia foi de 11.088 km² entre agosto de 2019 e julho de 2020. Foi um aumento de 9,5% em relação 2018/2019. Essa é a maior área, desde 2008, quando o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) apontou 12.911 km² desmatados.
O que significa que o planeta também está perdendo biodiversidade, ou seja, reduzindo espécies de animais e plantas que vivem ali, e perdendo também a capacidade de proteger os seres humanos do desequilíbrio que essa destruição pode provocar.