Estudo realizado por cientistas brasileiros e estrangeiros na Embrapa Amazônia Oriental (PA) relevou que nas áreas estudadas houve uma diferença de quase 80% no número de espécies que visitaram as flores da palmeira.
Estudo publicado na revista Agriculture, Ecosystems & Environment revela que em áreas de açaizais com pouca cobertura florestal nas proximidades, espécies de abelhas nativas sem ferrão (meliponíneos) estão desaparecendo. Os pesquisadores estudaram o efeito do desmatamento sobre características específicas das espécies, o que chamam de diversidade funcional, e constataram que as abelhas de menor tamanho foram as mais impactadas. A perda na diversidade de abelhas nativas da Amazônia tem um efeito negativo na polinização do açaizeiro, uma vez que esses animais são os principais polinizadores da palmeira.
Realizado por cientistas brasileiros e estrangeiros, o trabalho relevou que nas áreas estudadas, tanto com açaizeiros (Euterpe oleracea) de várzea (áreas inundadas) quanto em plantios de terra firme (áreas altas), houve uma diferença de quase 80% no número de espécies que visitaram as flores da palmeira. “Nós avaliamos áreas com pouca floresta ao redor do açaizal e áreas com muita floresta. Nas áreas com mais floresta encontramos até 14 espécies de abelhas sem ferrão que visitaram as flores do açaí. Já nas áreas sem cobertura florestal, encontramos apenas três espécies”, detalha o biólogo Alistair Campbell, pesquisador visitante em atuação na Embrapa Amazônia Oriental (PA), e principal autor do estudo.
Os cientistas avaliaram 18 áreas em quatro municípios paraenses que se destacam na produção de açaí: Barcarena, Abaetetuba, Acará e Belém (Região da Ilhas). Os locais de coleta de dados de campo envolveram açaizais naturais de várzea, submetidos ao manejo intensivo, e plantios em áreas não sujeitas a inundação (terra firme). Campbell conta que um total de 33 espécies de 16 gêneros de abelhas sem ferrão foram encontradas em inflorescências do açaizeiro. Os gêneros mais comuns encontrados pelos pesquisadores foram Trigona, Trigonisca, Partamona, Plebeia e Nannotrigona, que são as principais polinizadoras do açaizeiro.
Entre as abelhas encontradas, há algumas que têm maior sensibilidade à perda ou empobrecimento das áreas de vegetação natural, e, portanto, são mais afetadas, conforme apontou o estudo. “Consequentemente, se há perda de habitat, o grupo mais sensível de abelhas vai desaparecer daquele local, e isso pode afetar negativamente a polinização do açaizeiro, uma vez que quanto maior a diversidade de polinizadores, melhor e mais eficiente é a polinização e a produção de frutos”, afirma a bióloga Márcia Maués, pesquisadora da Embrapa e uma das autoras do trabalho (na foto ao lado, com o pesquisador Alistair Campbell).
Estudo anterior mostrou que mais de 90% da polinização do açaí é realizada por abelhas nativas da Região Amazônica. “E essas abelhas dependem das áreas de vegetação natural, então a produção do açaí é dependente das nossas florestas que proveem os polinizadores e resguardam o serviço ecossistêmico de polinização”, destaca a cientista.
Ser diferente é natural
Para estudar os efeitos da mudança de uso na terra nas comunidades de abelhas sem ferrão e nos serviços de polinização do açaí, os pesquisadores utilizaram a abordagem de traço funcional. Isso significa que em vez de considerar igualmente todas as espécies, o grupo olhou traços específicos que as diferenciam umas das outras, como o tamanho, a dieta alimentar, onde fazem seus ninhos e outros. Isso é o que chamam de diversidade funcional e que está presente na natureza.
A diversidade funcional é o conjunto de características específicas de cada espécie que determinam sua sobrevivência e os serviços ecológicos que desempenham.
“Coletamos dados sobre seis características funcionais de abelhas sem ferrão que podem influenciar sua resposta à mudança na paisagem e no papel como polinizadores”, explica Campbell. Os traços, ou características analisadas, foram o tamanho do corpo, cor do tegumento, hábito do ninho, tamanho da colônia, comportamento de forrageamento e amplitude da dieta.
Cada traço tem relação com a estratégia de vida da abelha, como explica o cientista. Por exemplo, as maiores conseguem voar mais longe; aquelas que fazem ninho em oco de árvores, precisam de floresta; e se a dieta é ampla ou restrita, áreas degradadas têm menos diversidade de plantas e consequentemente menos opção de alimentos.
“Como os traços funcionais são frequentemente compartilhados por algumas ou muitas espécies, o uso de uma abordagem dessa natureza pode nos mostrar os papéis ecológicos de várias espécies que compartilham um traço funcional e fazer previsões de como algumas espécies são impactadas pela mudança na paisagem e no uso da terra”, afirma a bióloga Elinor Lichtenberg, professora assistente da University of North Texas (Estados Unidos), primeira autora do estudo.
A cientista explica ainda que o cálculo da diversidade de espécies é baseado no número de espécies. Já a diversidade funcional é calculada com base nos valores das diferentes características das espécies. “Quando se trabalha só com a riqueza ou diversidade de espécies, a gente não considera as diferenças funcionais entre elas. Mas o que define o valor de cada espécie são os seus traços, as suas características. É isso que tentamos fazer nesse estudo, focar nos atributos de cada espécie”, acrescenta Campbell.
Esforço internacional
O trabalho reuniu cientistas da Embrapa Amazônia Oriental, Embrapa Meio Ambiente (SP), University of North Texas, Universidade de Lisboa, Instituto Tecnológico Vale, Universidade Federal do Pará, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal de Goiás.
Desaparecimento das menores
Verificou-se que a característica que mais teve impacto com o desmatamento foi o tamanho da espécie e que as menores foram as mais afetadas. “Isso porque elas têm mais dificuldade em dispersar, têm menor autonomia de voo. Estou falando em abelhas bem pequenas, menores que um mosquito”, exemplifica.
O pesquisador explica que as abelhas encontradas nas áreas de açaí foram divididas em três tamanhos de acordo com a distância intertegular, que é o corpo das abelhas: pequenas, médias e grandes, com variação entre 0,7 e 2,6 milímetros. Os dois extremos de resultados revelam que há uma diferença de 79% entre a quantidade de abelhas nas áreas com alta cobertura florestal (14 espécies) em relação às áreas com pouca ou sem cobertura (três espécies), e que as abelhas pequenas desapareceram das áreas desmatadas. “Espécies do gênero Trigonisca são basicamente restritas a áreas conservadas”, acrescenta.
Outro dado importante revelado pelo estudo é que o desmatamento teve um efeito forte na composição dos grupos de abelhas sem ferrão em determinadas regiões, porque houve perda das populações de espécies pequenas. “Além de perder em número de espécies, estamos perdendo um tipo de abelha específica, que não consegue manter suas colônias e desparece, restando apenas as de maior tamanho na região”, alerta Campbell.
– Trabalho registrou uma diferença de quase 80% a mais no número de espécies que visitaram as flores dos açaizeiros próximos a florestas.
– Abelhas de menor tamanho foram as mais impactadas com o desmatamento. Em algumas regiões desmatadas, houve perda de populações de espécies pequenas.
– Cientistas analisaram características específicas das espécies como o tamanho, a dieta, a formação de ninhos e outras, em abordagem conhecida como traço funcional.
– Importantes polinizadoras do açaí, as abelhas nativas dependem da vegetação natural para sobreviver. Por isso, trabalho conclui que a conservação de florestas é o fator-chave na manutenção da diversidade funcional.
Embrapa Amazônia Oriental