Imagem de Aleksandr Gusev por Pixabay
Sustentáveis, com maior conforto térmico e baixa emissão de carbono. Assim são as bioconstruções, construções que envolvem total ou parcialmente algum bioproduto da natureza, especialmente aqueles que são resistentes e não degradam com tanta facilidade.
Esse foi o tema do workshop ‘Desenvolvimento sustentável de materiais de construção de base biológica no Brasil’, uma iniciativa da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) em parceria com a Universidade de Surrey, da Inglaterra.
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De 1° a 3 de julho, cerca de 40 pesquisadores britânicos e brasileiros se reuniram para discutir o que há de mais novo em estudos sobre construções sustentáveis, em especial o bambu e as palmeiras amazônicas.
“Nós trouxemos pesquisadores internacionais renomados que trabalham com o bambu e mostramos a nossa realidade, com as palmeiras e a madeira”, diz a professora Lina Bufalino, coordenadora do evento pela Ufra.
A professora explica que também há uma ampla disponibilidade de bambu no Brasil todo, incluindo bambu nativo da Amazônia.
“Ele é um material que cresce rápido e é muito versátil para fazer bioconstruções. É possível fazer pontes, prédios, vários tipos de construções sustentáveis. É muito utilizado na China. Aqui na Amazônia é uma temática que começou a se discutir recentemente e ainda precisa ser testada e estudada”, diz.
O primeiro dia do workshop (dia 1°) foi realizado no auditório do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e foi dedicado à apresentação de pesquisas, como a do professor Holmer Savastano Jr, da Universidade de São Paulo (Usp) e que palestrou sobre o uso do bambu na melhoria da infraestrutura das cidades.
“A gente sabe que uma fração importante da população ainda vive em condições que não são consideradas minimamente aceitáveis em termos de habitação e infraestrutura, em sistemas tanto urbanos quanto rurais. Às vésperas da Cop-30, isso é muito emblemático, porque nos traz temas que podem enriquecer ainda mais essa discussão. A infraestrutura é algo que afeta diretamente a população e que também está relacionada com questões sanitárias, saúde, bem estar, condições de trabalho. Tudo está relacionado e deve ser pensado em conjunto, respeitando os valores, a forma de viver e de construir que já se utiliza aqui, valorizando a biodiversidade, os materiais disponíveis e as técnicas que já existem na região”, diz.
Outro palestrante foi o professor Dan Bompa, da Universidade de Surrey. Ele falou sobre o potencial do bambu como um material que pode ser usado em diferentes condições climáticas e destacou a importância de mais pesquisas sobre o tema, e de se colocar o bambu como um material importante a ser estudado.
“Em 2024, o bambu foi um dos principais tópicos de discussão da Cop daquele ano, e estava na agenda principal, logo, é um dos materiais com alto potencial de sustentabilidade em todas as áreas. Mas não podemos implementar o bambu em grandes estruturas a menos que façamos pesquisas e possamos validar e entender como ele funciona diante de condições diversas, como calor, chuva, temperaturas secas e até mesmo sob temperaturas congelantes. Por isso a pesquisa é muito importante. E colocar pesquisadores do Brasil, muito experientes aqui, mais os do Reino Unido, com outro tipo de conhecimento, é um excelente passo para tornar o material mais popular em qualquer discussão”, disse.
Bambu nativo
No segundo dia, as atividades ocorreram nos laboratórios da Ufra e herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi, em que foram apresentados vários exemplares de bambu nativo. Segundo a pesquisadora Leila Cristina Meneghetti Valverdes, da USP e uma das palestrantes do evento, na Amazônia existem espécies de bambu muito resistentes. Uma vara pode chegar a 30 metros de altura e diâmetros da ordem de 15cm, um potencial que teria bastante uso nas construções ribeirinhas, além de ser sustentável.
“O bambu cresce muito rápido e funciona como um sequestrador de carbono, ou seja, ele tá crescendo e consumindo esse Co2 que tá na natureza e por isso é um produto com propriedades mecânicas muito parecidas com a da madeira. Comparado com aço e concreto, o bambu é um material muito sustentável, inclusive com uma pegada de carbono negativa, ou seja, tudo o que ele sequestra enquanto ele tá crescendo é suficiente para que quando a gente construa, ele ainda tenha uma pegada negativa, diferente de outros materiais”, explica.
Açaí e Miriti
O encerramento do evento ocorreu com uma visita ao Combu, onde os participantes puderam conhecer o que os ribeirinhos já realizam com bioconstruções e com soluções que já são utilizadas há anos pelos povos da Amazônia.
“Além da madeira para a construção de residências, a realidade na Amazônia é de utilização de palmeiras, com uso de folhas para fazer telhados de casas, por exemplo, além do tronco e fibra do açaí”, diz.

A novidade está nas pesquisas que vão além dessas utilizações, como a mistura de caroço do açaí com cimento. “É possível misturar a fibra do açaí com o concreto, ou seja, dar novas propriedades que esse cimento não teria sozinho. A bioconstrução pode ser pura ou pode vir a partir dessa mistura de materiais convencionais”, diz.
Uma alternativa para esse resíduo que é descartado em toda a região amazônica. “Eu já desenvolvi aqui no laboratório uma microssílica de resíduo do açaí, que é como se fosse um mineral que pode ser misturado com cimento e ajudar a dar aquela “liga”, ajuda na “pega” do cimento”, explica Lina Bufalino.
Outra palmeira com potencial na bioconstrução é o Miriti. “Nós queremos mostrar esse biomaterial para utilização em construções leves. Apesar de ser muito utilizado para artesanato, é uma palmeira com várias outras utilidades, como isolamento térmico e acústico, por exemplo”, diz a pesquisadora.
Pesquisas na Ufra
Na Ufra já são desenvolvidas pesquisas com o caroço do açaí e outros bioprodutos, entre eles o AmazonCel, primeiro laboratório dedicado à produção de celulose 100% oriundos de matéria prima da região amazônica. Outra iniciativa é o AmazonChar, grupo de pesquisa que estuda o aproveitamento de recursos e resíduos de biomassas da Amazônia, para aplicação como bionenergia e biocarvões.
Agora, o objetivo da pesquisa é incluir a bioconstrução como uma terceira vertente dos estudos desenvolvidos na universidade, o AmazonMate. “Aqui nós já estudamos profundamente a fibra do açaí. No evento também vamos mostrar esse resíduo e o que fazemos como ele, discutindo possibilidades de avançar para fazer outras coisas também, como as bioconstruções”, diz.
Segundo a pesquisadora, as bioconstruções são uma alternativa importante para comunidades remotas, que já vivem junto a esses produtos e também um enfrentamento diante da crise climática. “A alvenaria é o material mais utilizado para construção, mas pouco se fala sobre a emissão de carbono que é gerado com essas construções. Os biomateriais são uma alternativa a isso”, diz.
*Com informações da Ufra