A taxa de desmatamento na Amazônia brasileira cresceu 56,6% entre 2019 e 2021 em comparação com o triênio anterior, e mais da metade ocorreu em terras públicas
A grilagem, uma das principais causas do desmatamento da Amazônia, vem avançando a passos largos nos últimos anos e o principal instrumento que vem sendo utilizado para a apropriação ilegal de terras públicas é o uso fraudulento do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A taxa de desmatamento na Amazônia brasileira cresceu 56,6% entre 2019 e 2021 em comparação com o triênio anterior, e mais da metade ocorreu em terras públicas, nas chamadas florestas públicas não destinadas (FPNDs). De acordo com estudo do Amazônia 2030, que contou com a participação de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), mais de 100 mil imóveis rurais registrados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) apresentam sobreposição às FPNDs na Amazônia. São 16 milhões de hectares, uma área quase do tamanho do Uruguai.
O CAR é um registro público eletrônico dos imóveis rurais de todo o país, essencial para a regularização ambiental. Criado para aumentar o acesso às informações florestais, ele é um instrumento que pode contribuir para a fiscalização de práticas ilegais, incluindo o desmatamento. “O CAR é uma grande conquista do Código Florestal Brasileiro, mas infelizmente está sendo usado como ferramenta por grileiros”, diz Alcilene Cardoso, pesquisadora do IPAM e apresentadora da série.
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A caixinha de grilos dos dias atuais
Como o CAR é um documento autodeclaratório, as informações sobre a extensão e limites de uma determinada área são fornecidas pelo proprietário. A partir disso, é construído um mapa da área e o proprietário recebe um cadastro provisório, que é importante para que a pessoa possa seguir produzindo e tendo acesso a crédito financeiro. No entanto, muitos usam o título provisório para se apropriar de terras que não lhes pertencem. “Infelizmente o CAR vem sendo usado para dar uma legalidade ilusória. É a caixinha de grilos dos dias atuais”, diz Cardoso.
“Um técnico leva, em média, um dia para verificar uma propriedade. No entanto, existe uma defasagem entre a força de trabalho dos órgãos ambientais e o número de cadastros para analisar e validar. Até 2022, o único estado amazônico que já analisou mais de 5% dos CARs foi o Mato Grosso”, explica Cardoso. “Embora o CAR seja um instrumento de política pública, ele não é um instrumento de regularização fundiária”, ressalta.
Além do aumento do número de CARs fraudulentos no sistema, outro fato que ilustra o avanço da grilagem é que as áreas declaradas apresentam tamanhos cada vez maiores. O mesmo estudo mostra que cerca de 44% dos CARs sobrepostos às FPNDs apresentam um tamanho acima de 1500 hectares. “É um forte indício que a grilagem esteja ligada a ações de grupos capitalizados e organizados que buscam, cada vez mais, ocupar grandes frações de terra pública”, apontam os pesquisadores.
Soluções
O primeiro passo para acabar com o uso fraudulento do CAR para a grilagem de terras públicas é o cancelamento dos cadastros que sobrepõem as FPNDs. A proposta é amplamente apoiada por vários atores, inclusive o setor produtivo, como mostra relatório de recomendações para o fim do desmatamento na Amazônia da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Além disso, a pesquisadora propõe a criação de mecanismos que evitem o registro de CARs sobrepondo FPNDs. “Esses cadastros nem entrariam na base, eles deveriam ser imediatamente indeferidos. Se o grileiro não tem o CAR provisório, ele não acessa crédito financeiro”, diz.