Um pirarucu fêmea de 2,44 metros de comprimento, pesando 114 quilos, surpreendeu até mesmo os pescadores mais experientes quando saiu da água, no manejo deste ano, na Amazônia. Representantes da alta gastronomia carioca também se impressionaram com a espécie e viram nela um alto potencial culinário, que pode ser levado para as cozinhas do Rio de Janeiro.
A renomada chef de cozinha carioca Teresa Corção, dona do restaurante O Navegador e fundadora do Instituto Maniva, e Sérgio Abdon, consultor do Sindicato Patronal de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), visitaram a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, no Amazonas, entre os dias 24 e 26 de novembro, para conhecer o projeto do manejo sustentável de pirarucu, assessorado pelo Instituto Mamirauá e feito por comunidades ribeirinhas locais.
“É uma carne muito tenra, apesar de ser firme, e é muito suave, com um sabor muito delicado”, revela Teresa. “O peixe tem muito potencial gastronômico. Não só de ser comido fresco, mas também defumado, curado, como ceviche. Eu imaginei muitos processamentos possíveis e acho que outros chefs também vão ter ideias interessantes”.
A intenção da carioca de levar o pirarucu manejado da Amazônia ao mercado gastronômico do Rio de Janeiro está alinhada aos ideais do Instituto Maniva, do qual é fundadora. A organização reúne ‘ecochefs’ de renome da cidade em prol do movimento ‘Slow Food’, que propõe uma relação mais humana e sustentável entre restaurantes, consumidores e produtores de alimentos. Em uma inversão da lógica ‘fast food’, a ideia é valorizar uma alimentação prazerosa e de qualidade, que respeite a saúde do consumidor, o meio ambiente e as pessoas que trabalham para produzir a comida.
Para viabilizar o projeto, o Maniva se aliou ao SindRio, representado por Sérgio Abdon, que vê na proposta uma possibilidade de estreitar a relação do sindicato com os restaurantes. “Uma das nossas funções é oferecer aos associados produtos e serviços diferenciados. E entendemos que o pirarucu é um super produto, muito diferenciado”, explica Sérgio.
Para Sérgio, o trabalho com o pirarucu de manejo é uma excelente forma de vincular o SindRio ao conceito de sustentabilidade, relação fundamental para qualquer marca atualmente. “O que a gente vai fazer é subir dois degraus: o pirarucu é um produto que além de não agredir a natureza, gera renda para as comunidades ribeirinhas”, complementa.
O projeto
Inicialmente, a ideia é, ainda em 2018 e no começo do ano que vem, levar o pirarucu manejado a chefs de renome do Rio de Janeiro e começar a sensibilizar a classe em relação ao produto. “Para que eles experimentem, inventem receitas e façam uma análise. Com base nessas análises, teremos uma ideia de como o peixe pode ser utilizado e qual é o seu grau de aceitação”, conta Sérgio Abdon. Em seguida, o SindRio pretende promover palestras sobre o manejo e oficinas que ensinem o preparo do peixe.
Em agosto, o pirarucu manejado será lançado no Rio Gastronomia, o maior evento de gastronomia do país, que anualmente reúne cerca de 50.000 pessoas. “A intenção é promover a experimentação do pirarucu pelo público final. Nós teremos, dentro do evento, um quiosque vendendo só pratos de pirarucu e uma barraca na feira de produtores”, revela o representante do SindRio.
Outra iniciativa será o Festival do Pirarucu, planejado para acontecer no Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara, o CADEG, mercado municipal do Rio de Janeiro. O projeto é de realizá-lo entre os meses de setembro e outubro. “Um evento mais voltado para o público da Zona Norte, que frequenta o mercado. Tentaremos o máximo possível fazer um lançamento que seja abrangente”.
O manejo sustentável de pirarucu na Amazônia
Mesmo já tendo constado na lista de espécies brasileiras ameaçadas de extinção (e ainda constar em algumas regiões), o maior peixe de escamas de água doce do mundo é hoje abundante nas reservas onde o manejo passou a ser implementado. Sua carne é muito apreciada em restaurantes do Amazonas. A recuperação do pirarucu e seu sucesso como produto alimentício é fruto de ações como as do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Desde os anos 90, o programa utiliza pesquisas científicas para elaborar estratégias de conservação para o animal, ao mesmo tempo que gera renda para as comunidades em unidades de conservação. Para tanto, uma cota de abate segura para a manutenção da espécie é determinada a cada ano, estabelecida por contagens minuciosas realizadas a partir do conhecimento tradicional dos próprios ribeirinhos.
Além de gerar renda para as comunidades, o trabalho envolve os moradores na conservação da biodiversidade. Os pescadores passam a fiscalizar o ambiente contra pescadores ilegais para proteger aquele recurso.
Havia cinco anos que os pescadores do Acordo de Pesca do Setor São José não realizavam o manejo no Lago Branco, Reserva Amanã, onde Sérgio e Teresa estavam para observar o processo, por isso o tamanho avantajado dos peixes. O abate obedece a regras rígidas: não pode ocorrer entre 1 de dezembro e 31 de maio, período de reprodução da espécie, e deixa de fora os animais mais jovens, com menos de 1,5 metro de comprimento.
O jacarerana é amplamente encontrado ao longo da bacia amazônica, incluindo o baixo Tocantins, o alto Orinoco, a costa do Amapá, no Brasil, e áreas da Guiana Francesa.