A crescente expansão de atividades humanas sobre ambientes naturais tem intensificado as interações negativas entre comunidades rurais e onças-pintadas em toda a América Latina. Diante desse desafio, um estudo inovador — que contou com a participação de 30 autores de 22 instituições — analisou a eficácia de diferentes estratégias para evitar a predação de animais domésticos por onças-pintadas ao longo de toda a distribuição geográfica do felino, que vai do norte do México até o norte da Argentina.
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O levantamento inclui informações de 248 propriedades rurais de diferentes portes, desde pequenas propriedades familiares até grandes fazendas de pecuária extensiva.
A predação de animais domésticos é intensificada em regiões onde as onças perderam seu habitat natural e há menor disponibilidade de presas naturais para caçarem. Este cenário acaba aproximando as onças-pintadas de propriedades rurais e rebanhos de animais domésticos, aumentando o risco de predação e, consequentemente, o abate de onças por moradores locais.
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O abate de onças pode ser influenciado pela percepção de riscos à comunidade local, assim como por prejuízos econômicos gerados pelos animais domésticos predados.
“As percepções, atitudes e ações em relação às onças-pintadas podem variar bastante entre os países onde ocorrem, devido a diferenças nas políticas públicas e contextos locais. Estudar também as dimensões humanas do conflito e coexistência com as onças-pintadas é crucial para entender esses fatores e, com isso, apoiar abordagens mais eficazes que aliem conservação e justiça social”, ressaltou Wezddy Del Toro-Orozco, coautora do estudo, e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia do Instituto Mamirauá.
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Impactos da perda de habitat da onça-pintada e necessidade de estratégias preventivas

A perda e fragmentação de habitat, em conjunto com menor disponibilidade de presas naturais e a caça retaliatória, podem levar à extinção local das onças, que no total já perderam mais de 50% de seu habitat natural. O estudo, no entanto, demonstra que é possível reverter esse cenário através de uma combinação de métodos preventivos, tecnologia e engajamento comunitário.
Utilizando dados provenientes de 11 países, incluindo ecossistemas tão diversos quanto o deserto de Sonora, no México, e as florestas alagadas da Reserva Mamirauá, no Amazonas, o estudo determinou que todas as regiões obtiveram sucesso ao utilizar diferentes estratégias anti-predação.
Em alguns casos, a combinação de cercas elétricas, manejo mais adequado dos animais domésticos e proibição da caça de animais silvestres resultou em 100% de redução na predação por onças-pintadas, efetivamente reduzindo a zero o número de animais domésticos predados. Além disso, em 88% dos casos analisados, os benefícios econômicos oriundos das estratégias anti-predação excederam os investimentos necessários para sua implementação.
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Soluções adaptadas às realidades locais
Para regiões de difícil acesso e rebanhos pequenos, como a Reserva Mamirauá, a pesquisa sugere que melhorar o manejo dos animais domésticos e promover atividades de educação com comunidades locais são a melhor maneira de reduzir a predação por onças. O estudo pontua também que esse processo deve ser colaborativo, alinhando as intervenções propostas às práticas locais, aumentando a relevância da estratégia e promovendo a coexistência entre as comunidades e onças-pintadas.

“É importante lembrar que o trabalho interdisciplinar, a colaboração e as abordagens participativas com as populações locais não são apenas necessárias e justas — são fundamentais se quisermos alcançar uma conservação verdadeiramente equitativa. É fundamental integrar saberes tradicionais e científicos, e o objetivo deve ser sempre a coprodução de soluções de conservação que beneficiem tanto os felinos quanto as pessoas, promovendo um futuro em que a coexistência entre humanos e felinos possa prosperar”, enfatizou Wezddy Del Toro-Orozco.
Segundo Wezddy Del Toro-Orozco, “o estudo é um esforço inédito em escala continental sobre práticas de manejo que buscam promover a coexistência entre humanos e onças”. Sobre a relevância da pesquisa, ela destaca, “diante dos fatos recentes envolvendo o trágico ataque fatal de uma onça a um ser humano, o discurso público vem sendo dominado por narrativas de medo, retaliação e remoção, o que pode ter consequências graves para a conservação das onças e de outros grandes carnívoros”.
“Nesse contexto, nosso artigo é extremamente pertinente por oferecer alternativas baseadas em ciência, testadas em campo, que ajudam a prevenir conflitos e proteger tanto as pessoas quanto os animais”, acrescenta a pesquisadora.
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Coexistência como caminho viável e necessário
O estudo ressalta que não existe uma solução única, mas sim um conjunto de abordagens que devem ser adaptadas a cada contexto local para diminuir os riscos de predação de onças a animais domésticos. O que todas têm em comum, porém, é a capacidade de transformar um cenário de conflito em uma oportunidade de coexistência.
Com a implementação dessas estratégias, já é possível observar resultados positivos em diversas regiões, provando que comunidades humanas e grandes predadores podem, sim, compartilhar o mesmo território de forma harmoniosa.
*Com informações do Instituto Mamirauá. Texto escrito por Miguel Monteiro
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