Invisibilidade das pautas ribeirinhas nos discursos e debates políticos em tempo de eleição
Em tempo de eleição, as comunidades ribeirinhas são lembradas apenas no quesito voto e depois continuam sendo esquecidas e invisibilizadas. Nos planos de governo dos candidatos que disputam vagas para os cargos de governador de Estado, senador e deputados federais em Rondônia não constam propostas de interesse dos eleitores ribeirinhos.
É notável, nos discursos e debates políticos entre os candidatos, o quanto o espaço ribeirinho continua sendo excluído da agenda política. Os anos passam, as eleições terminam e as comunidades ribeirinhas continuam sendo desassistidas e conheça as pautas sociais que ficaram de fora dos planos de governo de muitos candidatos nessa eleição de 2022:
1ª Acesso à água potável: a falta de acesso à água potável em muitas das comunidades ribeirinhas evidencia o descaso e a contradição. O descaso por evidenciar uma realidade geográfica de exclusão social e da falta de governança em resolver tal problemática dessas populações mais vulneráveis. De outro lado, a contradição por estarmos na maior bacia hidrográfica do mundo e a população tradicional não tem acesso à água potável de qualidade. Com isso, convive com doenças ligadas à contaminação da água, sendo um quadro de violação de direitos humanos e sociais.
2ª Acessibilidade: as condições de acesso às comunidades ribeirinhas pertencentes ao município de Porto Velho são precárias, começando pela situação do Terminal Hidroviário do Cai N'água onde a Plataforma de acesso dos passageiros às embarcações vive mais em manutenção do que em funcionamento. Literalmente, as pessoas continuam caindo na água no dizer popular, fazendo jus a expressão "cainágua". Sem dúvida, é um desrespeito à dignidade da pessoa humana, sendo um processo altamente excludente.
3ª Mobilidade fluvial: esse tema precisa entrar na pauta política sobre a qualidade do transporte de passageiros e cargas na região, de modo especial a questão da segurança desse transporte coletivo e o acesso às linhas de crédito para a melhoria do transporte destinado à população ribeirinha. Por que o poder público se exime dessa discussão? Por que não se abre o debate junto à sociedade para discutir prevenção e causas de naufrágios na região amazônica?
4ª Coleta de resíduos sólidos: costumam ser lançados no rio Madeira, queimados e/ou enterrados devido à falta de coleta correta desses resíduos. Muitos rios da Amazônia são verdadeiros "lixões" a céu aberto. Há uma perpetuação de crimes ambientais na região, sendo um problema que impacta diretamente a qualidade de vida da população, além da contaminação dos rios, igarapés e lençóis freáticos.
5ª Pessoas com deficiência: não há um levantamento preciso quanto ao número de pessoas com deficiência no espaço ribeirinho e que necessitam de assistência, auxílios e especialmente acesso a programas de reabilitação para manterem suas qualidades de vida. Não há, por exemplo, um espaço destinado à reabilitação de pacientes e por conta da dificuldade de deslocamento, ainda mais com preços exorbitantes das passagens de barco, acabam ficando às margens das políticas públicas.
6ª Transporte escolar fluvial: a não resolução da oferta do transporte escolar fluvial na área ribeirinha, sendo um direito assegurado na Constituição Federal de 1988, tem contribuído para a evasão escolar e desinteresse dos alunos em relação à escola. Mesmo havendo atividades remotas não se igualam a aula presencial, o que contribui para o aumento da vulnerabilidade, baixa qualidade de ensino e migração de famílias para áreas periféricas dos grandes centros urbanos na região.
7ª Violência contra a mulher: a violência contra a mulher viola os direitos humanos e demanda uma resposta do Estado, da sociedade civil para o enfrentamento dessa pauta. E os traços dessa violência resultam na baixa autoestima das mulheres, as quais perdem a confiança nas pessoas próximas ou confiam exageradamente, além do medo, do pânico e da dependência financeira e afetiva. Que haja políticas públicas destinadas às mulheres ribeirinhas para que superem todas as condições adversas e sejam protagonistas do desenvolvimento de suas comunidades.
8ª Atividade garimpeira: movimenta a economia na cidade de Porto Velho, causa sérios impactos ambientais e sociais no modo de vida das comunidades ribeirinhas. Enquanto não se tem a oferta do transporte escolar fluvial muitos dos alunos se "aventuram" no garimpo em busca de ganho fácil, rápido, apesar dos desafios enfrentados como o perigo da própria atividade de extração do ouro, passar sono, lidar com temporal, sendo um trabalho árduo e degradante. E qualquer vacilo a vida pode ser ceifada. Além disso, a questão da navegação fica prejudicada com a intensidade dessa atividade, colaborando para o aparecimento das praias de arrôtos, bancos de areia, assoreamentos e desbarrancamentos das margens dos rios.
9ª Juventude Ribeirinha: muitos jovens residentes no espaço ribeirinho convivem com violências, drogas, alcoolismo, prostituição, depressão, bullying e suicídio. Que política pública vigente é destinada a essa população? Sem dúvida, o protagonismo da juventude passa por mudança de consciência social e acesso às políticas públicas de prevenção e empoderamento dessa juventude.
10ª Ensino profissionalizante: o espaço ribeirinho carece de ensino profissionalizante e acesso dos jovens ao ensino superior, os quais terminam o Ensino Médio e são forçados a migrar para os centros urbanos, na busca pela formação no ensino superior. Muitos desses jovens, por conta da falta de incentivo do poder público, acabam se dedicando à atividade garimpeira pela atratividade e necessidade de subsistência familiar.
11ª Investimentos em tecnologia: o acesso à internet ainda é limitado e não é totalmente acessível aos moradores, os quais necessitam fazer aquisições de pacotes mensais ou comprar uma senha no valor de R$ 5,00 para se conectar à internet por 24 horas. Está conectado às redes sociais exige paciência e recurso financeiro. Sabe-se que o acesso à informação é um direito dos cidadãos e a inclusão digital ainda é incipiente numa região que necessita se comunicar para fins de segurança, emergência, bem-estar e desenvolvimento das comunidades ribeirinhas.
Que esta experiência de reflexão em tempo de eleição possa ser divulgada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações ribeirinhas da Amazônia. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail:
Sobre a autora
Lucileyde Feitosa é professora, Pós-Doutora em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Pós-Doutora em Geografia pela Universidade do Minho/Portugal, Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista da Rádio CBN Amazônia/Porto Velho.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista
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