Foto: Zoológico FollyFarm
Por Luciana Frazão
Na natureza, crescer não é só uma questão de tempo. Para muitos animais, a transição da infância para a vida adulta envolve transformações visuais e comportamentais marcantes, muitas vezes tão drásticas que o filhote mal se parece com a forma final.
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Na Amazônia, onde a diversidade é imensa e os desafios de sobrevivência começam cedo, essas mudanças são fundamentais para que cada espécie encontre seu lugar na floresta.
Anta (Tapirus terrestris): do camuflado ao discreto
Os filhotes de anta nascem com o corpo coberto por listras e pintinhas brancas sobre um fundo marrom-escuro, como um “pijama” cheio de estilo. Essa pelagem tem uma função importante: servir de camuflagem entre sombras e folhas, ajudando os pequenos a se esconderem de predadores. Por volta dos seis meses de idade, o padrão juvenil começa a desaparecer e dá lugar à coloração acinzentada e uniforme dos adultos.
Além de mudanças visuais, o comportamento desses animais também evolui — a anta jovem começa a explorar o ambiente sozinha e a se alimentar com mais autonomia. O filhote acompanha a mãe durante 18 meses a dois anos, quando finalmente está pronta para deixar definitivamente a infância para trás e seguir sua vida como adulta discreta e solitária da floresta.

Rã-paradoxo (Pseudis paradoxa): o filhote gigante que vira um adulto “baixotinho”
Na maioria dos vertebrados, esperamos que os filhotes cresçam até se tornarem adultos maiores. Mas a rã-paradoxo faz exatamente o contrário! Encontrada em áreas alagadas e margens de lagos amazônicos, essa espécie chama a atenção pelo tamanho impressionante de seus girinos, que podem ultrapassar os 25 centímetros de comprimento.
Já os adultos, depois da metamorfose, medem cerca de 6 a 7 centímetros. Essa redução está associada a uma mudança de estilo de vida: os girinos vivem na água e precisam de velocidade e alcance, enquanto os adultos são mais discretos e vivem entre vegetação aquática. Apesar do tamanho reduzido, os animais adultos estão prontos para garantir a próxima geração de “gigantes temporários”.

Boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis): da infância cinzenta ao rosa encantado
Ícone da Amazônia e estrela de muitas lendas, o boto-cor-de-rosa também passa por mudanças visuais curiosas ao longo da vida. Os filhotes nascem com coloração cinza-escura, uniforme e opaca, que serve como uma forma de camuflagem natural nos rios turvos da floresta. Essa tonalidade discreta ajuda os jovens a se protegerem de predadores, enquanto ainda estão sob os cuidados da mãe. À medida que crescem, principalmente os machos, a coloração do corpo começa a se modificar, e o rosa vai se tornando mais evidente.
A tonalidade rosada desses animais pode ter origem em múltiplos fatores: dilatação dos vasos sanguíneos próximos à pele (especialmente durante comportamentos sociais ou esforço físico), espessura da pele, atrito com o fundo dos rios e, claro, predisposição genética. Os botos atingem a maturidade sexual por volta 9 anos de idade e tamanho entre 1,80 e 2m (no caso da fêmeas). As fêmeas geralmente permanecem mais acinzentadas, enquanto os machos mais velhos e dominantes podem exibir um rosa intenso, quase fluorescente.

Gavião-real (Harpia harpyja): penas brancas de bebê, garras de adulto
Nascida com penas brancas, expressão dócil e corpo desajeitado, o gavião-real, maior ave de rapina das Américas, esconde sob sua aparência angelical o futuro de um poderoso predador. Durante os primeiros 10 meses de vida, os filhotes são alimentados e protegidos pelos pais, mesmo depois de começarem a voar. Com o passar dos meses, as penas brancas são substituídas por plumagem acinzentada e preta, e o olhar se torna mais penetrante e predador.
As garras, que já nascem afiadas, ganham força e tamanho proporcional à caça. Apesar de começarem a voar cedo, as harpias só se tornam sexualmente maduras entre 4 e 5 anos de idade. Até lá, têm muito a aprender com os pais, e tempo de sobra para desenvolver as habilidades que as colocarão no topo da cadeia alimentar da floresta.

Na Amazônia, cada fase da vida revela uma nova versão dos animais que a habitam. Das pintinhas camufladas da anta ao rosa vibrante do boto, passando por metamorfoses surpreendentes e mudanças de comportamento, crescer na floresta é um processo cheio de estratégia, adaptação e beleza.
Observar essas transformações nos lembra que a natureza é dinâmica e criativa em cada detalhe do desenvolvimento animal. E assim, de filhotes a adultos, a biodiversidade amazônica segue nos encantando, sempre cheia de surpresas. Espero que tenham gostado do texto dessa semana!
Abraços de sucuri pra vocês, e até o próximo encontro com mais animais incríveis da nossa Amazônia!
Sobre a autora
Luciana Frazão é pesquisadora na Universidade de Coimbra (Portugal), onde atua em estudos relacionados as Reservas da Biosfera da UNESCO, doutora em Biodiversidade e Conservação (Universidade Federal do Amazonas) e mestre em zoologia (Universidade Federal do Pará).
*O conteúdo é de responsabilidade da colunista
