Sítio Arqueológico do Macurany: mais de 70 mil objetos já foram encontradas em comunidade amazonense

Descoberto pela primeira vez em 2012, o sítio arqueológico possui uma vasta coleção que remete a várias eras de ocupação da Amazônia.

A Comunidade do Macurany faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do Entorno e fica há 6 km do centro de Parintins, município do interior do Amazonas. É uma comunidade que não possui delimitação a respeito de seu espaço geográfico e pode ser acessada via terrestre e fluvial. Em 2009, houve a construção de 500 casas do Residencial Vila Cristina, concluído em 2013, onde hoje, aproximadamente 300 famílias moram. 

Ainda em 2013, ao lado deste conjunto habitacional, outro Residencial foi construído, o Parintins, com 890 unidades habitacionais a serem entregue às famílias que moram em área de risco na cidade amazonense.

Aparentemente, é uma comunidade amazônica comum, não é mesmo? Mas a história viva é palpável na rotina dos moradores da região, pois é possível encontrar objetos arqueológicos enquanto limpam seus quintais. Até uma simples chuva pode ajudar a trazer para a superfície fragmentos de cerâmica históricos.

Por conta disso, a área foi denominada de Sítio Arqueológico do Macurany.

Foto: Reprodução/’Relatório Final: Análise Laboratorial e Programa Integrado de Educação Patrimonial’

O Portal Amazônia procurou entender melhor como funciona a comunidade e sua relação com o sítio arqueológico. Em resposta, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) emitiu uma nota:

“O sítio se estende das margens da estrada do Macurany até as margens do Lago Macurany, com vegetação baixa, tipo gramíneas, com a presença de vários exemplares de castanheiras.

Em 2015, pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) relataram à Superintendência do IPHAN no Amazonas possíveis danos ao patrimônio arqueológico devido a atividades de extração de material argiloso. O Instituto procedeu a visita técnica ao local em agosto do mesmo ano, produzindo o primeiro documento técnico relativo ao sítio.

O sítio arqueológico Macurany foi devidamente cadastrado na base de dados do Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. Das informações do cadastro, tem-se que o sítio Macurany é a céu aberto, pré-colonial com dispersão de material cerâmico fragmentado em ampla superfície e recipientes cerâmicos indicativos de contexto funerários.

O acervo relacionado ao sítio Macurany é de 101 fragmentos cerâmicos, monocromáticos, em bom estado de preservação, sem deterioração.

Os materiais encontrados foram destinados ao Museu da Amazônia – MUSA, instituição de guarda habilitada para o acondicionamento técnico de artefatos arqueológicos.” 

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

O Portal Amazônia conversou com a professora doutora Clarice Bianchezzi, que estuda o sítio Macurany. Ela explicou que o sítio foi catalogado inicialmente em 2003, como ‘Sítio Parananema’ e realizada uma análise nova, em 2020, pela empresa de consultoria ambiental ‘Ambientare, Soluções Ambientais’ que contratou a Matis Arqueológica, para o trabalho de levantamento arqueológico que área de impacto de instalação da Linha de Transmissão (LT) 230 kV Oriximiná – Juruti – Parintins e Subestações (SE’s). O primeiro contato da professora com o sítio, no entanto, foi em 2015.

De acordo com Clarice, o local é situado no Lago Parananema e foi realizado um relatório pela empresa ‘Ambientare, Soluções Ambientais’, solicitado pela transmissora de energia, Parintins Amazonas. Quatro escavações foram feitas no local, em que encontraram 72.125 unidades cerâmicas pré-coloniais, além de vestígios líticos, metais e louças.

Além disso, foi exumado um recipiente em “excelentes condições”, quase inteiro, e valas de grandes profundidades. De acordo com o relatório, o sítio possui uma área de 107.229 m², considerado um sítio a céu aberto e além dos objetos, também é possível notar a presença da Terra Preta em um ambiente cercado por castanheiras.

Foto: Reprodução/’Relatório Final: Análise Laboratorial e Programa Integrado de Educação Patrimonial’

A pesquisadora informou que existem entre 12 e 16 valas que variam de tamanho e ficam próximas à beira do rio. Relatos de moradores da comunidade reportam que foram encontradas três urnas funerárias em vários momentos no passado, sendo uma delas com  material ósseo na região.

Por ter encontrado um vasto número de material arqueológico, supõe-se que a região tenha sido habitada por mais de um povo originário. 

Objetos encontrados

Apesar dos materiais não estarem em bom estado de conservação, foi possível identificar cerâmicas, urnas funerárias, potes, recipientes, conjuntos de xícaras, cápsulas de balas, garrafas e até mesmo moedas foram encontradas nas escavações realizadas pela empresa de energia.

Os vestígios arqueológicos foram encontrados em uma extensão de 5 km, às margens do lago. Alguns desses materiais, possuem características que remetem ao período entre o início e meados do século XX, enquanto que as cerâmicas produzidas em argila remetem a diferentes tradições indígenas, como a Marajoara e a Pocó.

Além de utensílios, objetos decorativos também foram encontrados na região, como o caso da presença de cinco materiais que remetem a características de animais como anfíbios, aves, morcegos ou macacos e dois que remetem a flores e botões de flores. A espessura desses materiais cerâmicos variam de 4 a 29 milímetros.

A presença de louças, como pratos, pires, malgas e asas de xícaras e garrafas de grês, utilizadas para transportar cerveja, comuns entre o século XVII até o final do século XIX, também foram descobertas.

Confira algumas imagens dos materiais:

O mistério das Valas

O que mais chama atenção na descoberta do sítio arqueológico é a presença de grandes valas que possivelmente seriam caminhos pré-coloniais que ligam ao lago Parananema.

Segundo Clarice, a presença desses caminhos são incomuns para a área do baixo Amazonas, que foram encontradas apenas em outro local também no lago de Parananema.

Um artigo realizado por Karliney Souza da Silva, orientado pela professora Clarice e cedido ao Portal Amazônia, cita as valas, da seguinte forma:

“As valas encontradas nas margens do lago do Parananema, na comunidade do Macurany são, aproximadamente, 12 valas distribuídas na área do sitio, segundo pesquisas realizados em outros sítios arqueológicos na Amazônia, são caminhos que foram usados durantes esses assentamentos, “como se fosse uma área de trânsito intenso, porém não existem caminhos atuais de passagem de pedestres e tampouco há na memória dos moradores atuais registro desse tipo de uso”. (MORAES; NEVES, 2012, p.139)”.

Trecho do Artigo ‘Sítio Arqueológico do Macurany: Da “Invisibilidade” à Espaço de Ações Educativas’ da autora Karliney Souza da Silva.

Foto: Clarice Bianchezzi / Cedida

A importância do Castanhal

Segundo a especialista, a região do sítio possui a presença de várias castanheiras às margens do sítio arqueológico. Uma parte delas foi cortada devido à construção dos conjuntos residenciais realizados entre 2009 e 2013.

O castanhal, como é chamado, apresenta um indicativo de que naquela área, assim como mandioca, açaí e outras plantas, as árvores foram plantadas devido a atividade humana.

Foto: Eduardo Góes Neves

As Coleções Domésticas

A pesquisadora e professora aponta que durante seus estudos na área, as coleções montadas pelos membros da comunidade foram de grande importância para suas análises. Um livreto intitulado ‘Fragmentos: Arqueologia, memórias e histórias de Parintins’ publicado em 2021, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e demais arqueólogos, ilustra as coleções que são montadas pelos ribeirinhos por Parintins e as comunidades próximas.

Clarice Bianchezzi destaca a coleção da dona Elionete de Oliveira Esteves: 921 artefatos arqueológicos coletados a cada temporada de seca do lago, na comunidade Macurany.

Assim como Elionete, outras pessoas das comunidades guardam o que encontram em suas residências e até mesmo em escolas municipais da região. É o caso da Escola Municipal Marcelino Henrique, que possui uma coleção arqueológica catalogada desde 2007 com 264 fragmentos e líticos, além das cerâmicas.

“Eles estão acostumados em encontrar os fragmentos, quando vão limpar os terrenos, ou até mesmo quando surge uma chuva, com o assoreamento, acaba surgindo os artefatos e eles acabam adicionando na coleção”,

contou Clarice.

Foto: Reprodução/Fapeam

Elaborado por Arnoud Batista, como parte do projeto desenvolvido vinculado ao Programa de Iniciação Científica e Tecnológica da Universidade do Estado do Amazonas(PAIC/UEA), edição 2021/2022, com bolsa de pesquisa da FAPEAM, o ‘MapArqPin’ é um mapa virtual e interativo que contém as localizações e descrições básicas de sítios arqueológicos do município de Parintins. Confira:

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 Referências

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