Produtos são oferecidos pela Cooperativa Agroextrativista Ashaninka do Rio Amônia (Ayõpare) para reforçar a alternativa de uma renda sustentável e também como forma de propagar o conhecimento do povo indígena.
Mais do que um adereço, o artesanato indígena é uma peça carregada de significados, ancestralidade e história. É assim que o povo Ashaninka define seu artesanato, que agora está exposto em uma vitrine virtual. É que os indígenas lançaram recentemente a loja virtual Ayõpare, que possibilita venda de artesanatos, objetos de decoração e roupa, tudo feito pelas mãos dos indígenas.
O projeto, segundo a Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa), nasceu da vontade de se tornar independente e reforçar ainda mais a cultura ashaninka, conhecida pela sua arte e luta pela liberdade. Cerca de 800 pessoas vivem na terra indígena, que fica no rio Amônia, município de Marechal Thaumaturgo, no interior do Estado.
A Terra Indígena Kampa do Rio Amônia foi demarcada e homologada em 1992 e abrange 87.205 hectares. Ela faz fronteira com o Peru, com a Reserva Extrativista do Alto Juruá e com a Terra Indígena Arara do Rio Amônia, todos no município de Marechal Thaumaturgo.
São cerca de 2,5 mil ashaninkas que vivem em cinco terras indígenas demarcadas e homologadas no estado. Conhecidos pela organização, a iniciativa de criar um site partiu em comum acordo entre as lideranças indígenas e a comunidade.
O site foi criado por meio da Cooperativa Agroextrativista Ashaninka do Rio Amônia (Ayõpare), que existe desde 1980 como uma alternativa econômica à exploração predatória de madeira, quando muitos indígenas passavam a ser contratados para esse trabalho.
A presidente da cooperativa, Dora Piyãko, diz que a venda do artesanato surge para reforçar a alternativa de uma renda sustentável e também como forma de propagar o conhecimento do povo Ashaninka.
O site, além do artesanato, também vai ser o local de venda das sementes para reflorestamento que a associação coleta, também com o apoio do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre (PDSA) II.
“A cooperativa foi um meio de a gente sair da mão dos brancos, porque antes a gente trabalhava para os patrões. O artesanato é muito importante para nós, porque é nossa cultura, nossa força. No artesanato a gente trabalha, tem o nosso mundo espiritual, as nossas medicinas sagradas, tudo vem do artesanato”,
diz Dora.
O nome da loja Ayõpare vem justamente do sistema que os indígenas usam, que é o de troca. Eles apostam na venda dessas peças, porque o comprador leva mais do que um simples acessório, mas participa ativamente da preservação da floresta e também conhece mais sobre os indígenas e sua sabedoria.
“Tudo que usamos é muito sagrado, a tinta é sagrada, a argila é sagrada e há momentos que não podemos mexer nesses produtos. Para mim e para o nosso povo, vender isso hoje e ver até outros povos usando o que fazemos é muito forte. Pra quem sabe o significado dessa roupa, os desenhos, os materiais que a gente usa no tecido, sabe que é um trabalho sagrado. Dentro da cooperativa, os artesanatos são feitos de forma tradicional, manual, desde o tempo dos antigos”
explica.
É esse o diferencial do artesanato indígena. Cada peça vem carregada de simbologia e mensagens espirituais. Além de tudo, é a extensão da identidade desse povo – uma forma de fortalecer a tradição, além de garantir a independência econômica deles.
“A cooperativa ganhou esse nome porque nosso povo sempre trabalhou em troca com outros povos. Muitas pessoas compram porque querem usar e sabem a importância do artesanato, perguntam muito os significados dos artesanatos, a importância pro povo, e focam muito na nossa cultura”, pontua a presidente.
Já com o uso do urucum, ela diz que é a forma de expressar o que a pessoa é. Através dos símbolos, esse povo sabe se uma mulher é solteira, casada, ou seja, é usada como uma forma de identidade.
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Ter agora todo esse material e essas informações em um site, para Dora, é a forma de expandir conhecimento e, paralelo a isso, conseguir manter uma renda sustentável para a aldeia, já que os produtos são feitos por indígenas e todo o valor arrecadado por eles volta para essa comunidade.
“Agora o mundo inteiro vai conhecer nossa arte, de qual povo pertence, porque muita gente está usando as artes e não sabe os significados, não sabe de onde veio e de que povo veio. Muitas pessoas agora vão saber da importância, porque vamos ter como falar, explicar o que é isso para nós”, finaliza.
Tudo tem um significado
Francisco Piyãko, liderança do povo Ashaninka, explica que, apesar de a venda se dar por meio de cooperativa – um formato tradicional – há muito a essência da cultura ashaninka: a troca.
“A cooperativa era um instrumento formal dentro da cultura do branco, mas também se aproximava daquilo que a gente queria: ter liberdade e o poder de trabalhar produtos que fossem definidos e escolhidos por nós mesmos. A cooperativa veio com essa função de tirar a gente dos patrões, dos comércios locais e se mostrou eficiente para nós. Deixamos de trabalhar com madeira, de produzir carne de caça, tudo aquilo que o comércio pedia a gente deixou de fazer, fomos colocar no mercado aquilo que vinha da nossa própria vontade, então o artesanato foi um produto bem importante que a gente conseguiu trabalhar, valorizando, agregando valor”, destaca.
O objetivo também é explorar produtos naturais respeitando os limites da floresta e, nada melhor do que os protetores dela para conhecê-la. Francisco Piyãko diz que hoje o desafio é conseguir manter a economia da comunidade atrelada a ações de preservação ambiental.
“Daqui alguns anos você vai ter produtos da floresta, vão ser essências, óleos, coisas de valor agregado, tanto do ponto de vista ambiental, como cultural. Esse é o nosso desafio; fazer com que nossa floresta produza condições de conviver aqui trabalhando a manutenção dela que a gente faz, sem faltar aquilo que a gente precisa de fora e ter isso como moeda de troca também”, comenta.
A ideia de fazer o site é justamente fazer com que esse trabalho chegue ao maior número de pessoas, de acordo com a liderança. “Quando estamos divulgando, mostrando, muita gente vai querer conhecer nosso artesanato, então é mais gente que começa a se interessar e querer entender. O artesanato não é só uma peça de fazer e vender, ela significa muito e tem um público que quer isso, quer conhecer, quer ter na sua casa uma coleção de artes diferentes e que quer comprar, ter contato com a gente, por isso procuramos colocar no nosso artesanato uma mensagem, não tem nada que seja feito aqui que não tenha um significado”, enfatiza.
Por isso, a exigência é que o site, além de trazer produtos, revelasse também a história do povo indígena e seus significados. Falando em simbologias, essa autonomia também representa muito à comunidade. Para Dora, conseguir negociar seus próprios produtos é libertação.
“Me sinto feliz, mais segura, vendo que meu povo está em um espaço. Ver o dia a dia como sempre fizeram, hoje tem a liberdade deles de ficar na comunidade, fazer seus artesanatos, troca. Ver meu povo tranquilo é muito importante,” finaliza.
Por Tácita Muniz, g1 Acre