Educadora cria ‘bicicloteca’ itinerante em comunidade rural de município acreano

Maria da Conceição criou a Bicicloteca Itinerante do Caquetá com o objetivo de levar até crianças e jovens livros para incentivar o hábito da leitura.

“Parte do que eu sou, acho que um pedação bem grande, é resultado dos livros que li”. É com esse pensamento que a educadora Maria da Conceição, mais conhecida como Ceiça, segue na missão de fazer crianças e jovens se apaixonarem pela leitura e planta uma semente do bem na comunidade onde mora.

Apaixonada por livros, ela faz da literatura uma arma potente para se aproximar dos jovens e mudar a realidade deles em uma pequena escola rural de Porto Acre, no interior do Estado.

O projeto mais recente faz com que os livros cheguem por meio de pedaladas de alunos que fazem parte do clube de leitura que ela implantou na Escola Estadual Rural de Ensino Fundamental e Médio União e Progresso na cidade que tem menos de 20 mil habitantes.

Foto: Maria da Conceição/Arquivo pessoal

 A Bicicloteca Itinerante do Caquetá leva até crianças e jovens livros. É um delivery de leitura, que foi idealizado por Ceiça e o amigo Renaxon Oliveira, que, ao ver o trabalho que ela já desenvolvia na comunidade, indicou que ela submetesse a ideia na Lei Aldir Blanc.

“Trabalho na biblioteca da escola, onde tenho o clube de leitura, então eu leio o livro primeiro, indico a eles e tento sempre acertar o livro certo para a pessoa certa e isso tem dado muito certo há sete anos que estou à frente desse projeto e tem sido um sucesso”, conta.

A instituição atende alunos de 12 até 18 anos, que podem ter acesso ao clube já na escola, porém, a educadora percebeu que os alunos que ingressavam de outras instituições não chegavam com o hábito da leitura.

“A gente percebia que não tinha o hábito de ler e aí algo precisava ser feito para que pudéssemos incentivar esses alunos. Então, conversando com meu amigo Renaxon, ele deu a ideia. Na pandemia, comecei a levar livros em sacolas higienizadas e colocava na cerca para os alunos lerem, porque diziam para mim por mensagem que não aguentavam mais WhatsApp. Então, pegava minha bicicleta de cestinha e levava os livros em sacolas higienizadas e eu precisava de um alcance maior”,

relembra.

Foi então que o amigo a incentivou a participar da seleção para a Lei Aldir Blanc, com recurso de R$ 20 mil. Os dois pensaram qual a melhor forma de construir uma biblioteca itinerante dentro daquele orçamento. Depois de algumas ideias, os dois chegaram ao consenso de que uma bicicloteca era a melhor forma de fazer a ideia sair do papel.

Foto: Maria da Conceição/Arquivo pessoal

No projeto, Ceiça não pediu nada para ela, que é executora do projeto, tudo foi destinado à construção dessa biblioteca itinerante, que faz sucesso e diferença na comunidade.

“Fiz tudo no último dia de inscrição. Pensei em fazer a estrutura de ferro, mas ficaria muito pesada para a bicicleta, então pesquisei um material é de muito boa qualidade e leve. Com isso, foi o dinheiro todo e aí precisei fazer campanha com os amigos mais conhecidos, amigos dos amigos, para conseguir os livros. Acho que ainda usei uns 10% para comprar os livros e algumas despesas ainda tirei do meu bolso”, conta.

A ideia é fazer com que os livros cheguem até as crianças que um dia serão alunas escola União e Progresso. Atualmente, cerca de 600 alunos estudam na instituição e cerca de 50 participam do clube, que incentiva não só a leitura, mas também rodas de conversas sobre o que leem.

“A melhor forma de se ensinar algo é passando aos outros. Eles leem os livros mais infantis e levam a bicicleta para ramais, chácaras e duas vilas, deixando e buscando livros para essas crianças toda semana, é assim que funciona.”

Paixão e voluntarismo

Todo esse trabalho feito por Ceiça é voluntário. Com a leitura, ela se torna mais do que educadora, mas sim uma amiga íntima dos jovens, que se sentem à vontade para desabafar e falar sobre muitas questões. Segundo ela, a biblioteca da escola é um verdadeiro divã.

Assim, ela desenvolveu o método de traçar o perfil daquele aluno e identificar que tipo de livro ele gostaria. Ela trabalha pela manhã na biblioteca da escola e à noite coordena a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Porém, em dias alternados também vai para a biblioteca pela parte da tarde recrutar mais leitores e faz disso uma missão para mudar vida. Nestes anos, ela coleciona histórias impossíveis de conseguir relatar até mesmo em centenas de páginas.

É difícil tentar quantificar ou mensurar todo o impacto desse trabalho na vida desses jovens. Educadora há quase três décadas, ela está na escola há oito anos e segue fazendo sua parte para tornar o mundo em sua volta melhor.

“Quase sempre empresto o livro certo para a pessoa certa, pelos depoimentos a gente tem ideia do impacto da leitura nessa comunidade. Quando eles gostam muito de um livro que , eu vou em Rio Branco compro outro livro igual. Entendo que, se você não cuidar de transformar o mundo em seu entorno, você tem uma passagem insignificante pela vida. Do jeito que os livros impactaram a mim, aos meus sobrinhos e aos meus dois filhos, de maneira muito profunda, acredito e estou vendo, ouvindo e percebendo aqui na comunidade como temos impactado a vida desses jovens”, resume.

E em seu perfil nas redes sociais, ela aceita e pede doação de livros, principalmente infanto-juvenis, para que o projeto possa cada vez mais alcançar mais pessoas.

Foto: Maria da Conceição/Arquivo pessoal

“O livro mudou minha vida”

A experiência do clube da leitura, que faz com que os jovens sejam multiplicadores da paixão pelos livros, faz com que eles mudem a percepção. Além de incentivar o hábito, também faz com que alunos mudem a postura diante de muitas situações.

Não é só ler é uma mudança comportamental que o alunos leva para o resto da vida e quem diz isso são justamente aqueles que puderem viver esse projeto. O impacto de Ceiça na educação da comunidade é gigante.

Hoje com 18 anos, Jaíne Alanis diz que a leitura é um mundo particular que foi apresentada à ela pela educadora. Da Vila Caquetá, através de milagres de páginas, ela pôde conhecer muita coisa.

“Desde pequena eu já gostava de ler, mas tive um interesse maior quando conheci a Ceiça, que me apresentou o mundo dos livros, que hoje em dia é meu mundo também e, como sempre digo, meu refúgio da realidade. O livro sempre esteve presente na minha vida, então não consigo viver sem ele. Muitas vezes, prefiro estar lendo um livro do que mexendo no celular. Até falei isso pra Ceiça e ela disse que foi uma das coisas maravilhosas que já ouviu de ver um jovem. O livro proporciona muitas coisas pra gente, como viajar, conhecer lugares, o livro é tudo de bom”,

conta Jaíne.

Para Sophia Lima, de 14 anos, que atualmente cursa o ensino médio no Ifac, em Rio Branco, o sentimento é o mesmo. Diferente de Jaíne, ela conta que não era muito ligada aos livros, uma realidade que Ceiça fez questão de mudar.

“Tive a oportunidade fazer meu oitavo ano na Vila Caquetá e, pra mim, aquele foi o melhor período da minha vida, tanto em aspecto estudantil como em aspecto pessoal. Eu não era uma pessoa ligada a livros, ler não era o meu forte, eu realmente não gostava até conhecer a Ceiça. Agradeço ao meu eu do passado por ter participado do clube da leitura, porque vivi as melhores experiências da minha vida. Toda vez que a gente terminava de ler um livro a gente fazia uma reunião para falar e, graças a isso, melhorei muito minha oratória e timidez porque era um desafio para mim falar na frente de tantas pessoas. Sem contar que livro é um suporte, porque toda vez que estou triste ou entediada eu posso viajar e conhecer vários lugares, várias pessoas e várias histórias sem sair do lugar. Também melhorei minha escrita e passei a escrever poemas. Fico muito feliz em saber que nesse projeto que a Ceiça desenvolveu muitos jovens podem ter a chance que tive”, destaca.

Para Thaís Cananéia, que hoje estuda na escola militar, o projeto a fez perder a timidez e melhorar a postura social. Inclusive, ela foi uma das alunos que já pedalou para levar livros a crianças da comunidade.

“Pedalei a bicicleta da leitura e acho muito importante, porque as crianças desde muito cedo começam a gostar de ler e criar o hábito da leitura . Era uma pessoa bem tímida, menos comunicativa e daquelas bem antissociais, mas, a partir dos livros, aprendi a ser comunicativa e a partir deles passei a entender a vida de outra forma. Melhorei na leitura, nas minhas notas e melhorei minha vida. Os livros mudaram a minha vida e com certeza para melhor”, finaliza.


*Por Tácita Muniz, do g1 Acre

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