Manejo sustentável de jacarés gera renda para comunidades ribeirinhas na Amazônia

Criador da primeira estrutura flutuante de abate de jacarés licenciada no Brasil, o Instituto Mamirauá assessora seis comunidades no desenvolvimento da atividade.

Você já ouviu falar em manejo sustentável de jacarés? Aliando pesquisa e desenvolvimento, a atividade pode se tornar nos próximos anos uma estratégia inovadora de conservação da biodiversidade aliada à geração de renda para as populações ribeirinhas. O Instituto Mamirauá vem trabalhando desde 2000 junto às comunidades tradicionais para colocar o manejo de jacarés em prática, assunto que foi colocado em pauta durante Audiência Pública da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) no mês de junho.

Para quem ainda não conhece sobre o assunto, o manejo sustentável de recursos naturais é uma importante ferramenta de conservação. No caso dos jacarés da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, o sistema é norteado pela elaboração de protocolos de manejo em uma parceria entre as comunidades tradicionais e o Instituto Mamirauá. A partir da metodologia é estabelecida a cota sustentável de retirada de indivíduos (jacarés) da natureza, no período permitido e na faixa de tamanho para abate e comercialização.

O processo é rigoroso e anualmente, são monitorados os ninhos, e contados os indivíduos observados nas áreas de manejo. A cota é determinada considerando uma fração sustentável (não superior a 15 % do total de indivíduos contados), e os jacarés não devem ser capturados em suas áreas de reprodução, a fim de garantir que a sua população se mantenha saudável ao longo dos anos.

Coordenador do Programa de Manejo da Fauna do Instituto, o zootecnista Diogo de Lima Franco destaca que o propósito é fazer com que o projeto gere mudanças no sistema tradicional de gerenciamento do recurso, garantindo renda alternativa aos manejadores e paralelamente promovendo a conservação das espécies. Todos ganham, natureza e comunidades.

O projeto possui algumas similaridades com o manejo do pirarucu, um programa também conduzido pelo Instituto Mamirauá em parceria com as comunidades ribeirinhas e que, em 2024, completa 25 anos de implementação. O manejo do pirarucu na Amazônia se transformou em um grande caso de sucesso em geração de renda e conservação, afastando o risco de extinção da espécie.

Diogo explica que existem três formas de manejo: intensivo (quando o animal é criado em cativeiro); semi-intensivo (quando os ovos ou filhotes são coletados na natureza, mas o animal cresce em cativeiro); ou extensivo (quando os animais são retirados diretamente da natureza, de forma sustentável).

“Esse último é o que assessoramos junto às comunidades. Nosso papel é elaborar os planos de manejo e realizar ações que facilitem sua implementação. Atuamos principalmente no monitoramento dos jacarés e suas áreas de reprodução, em capacitações dos grupos manejadores quanto às boas práticas de vigilância, abate, beneficiamento e comercialização; nas análises sanitárias dos produtos gerados nos abates, nos estudos sobre processos de licenciamento e desenvolvimento de infraestrutura para abate e nas articulação e intermediação entre grupos manejadores e órgãos regulamentadores e fiscalizadores”, pontua.

De acordo com ele, o manejo extensivo – sistema que só pode ser realizado por comunidades tradicionais de Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), Reservas Extrativistas (RESEX) ou Florestas Nacionais (FLONA) – é uma possibilidade legal recente no Brasil, sendo apenas indiretamente permitido nos anos 2000, por meio do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

As regras específicas surgiram somente em 2011, por meio da legislação estadual do Amazonas (Resolução CEMAAM nº 008/2011 e IN SEPROR/CODESAV nº 001/2011) e, no ano seguinte, por legislação federal (IN ICMBio nº 28/2012).

Para poder realizar essa atividade, é preciso seguir os requisitos legais para elaboração de um plano de manejo, documento utilizado para avaliar a sustentabilidade da atividade e permitir a autorização das capturas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Além disso, os animais precisam ser abatidos em estabelecimentos licenciados pelos órgãos responsáveis para que a carne chegue ao consumidor final com garantias de qualidade sanitária.

Em 2018, foi licenciado e autorizado o funcionamento do abatedouro flutuante de jacaré desenvolvido pelo Instituto Mamirauá na comunidade rural Jarauá, no município de Uarini (distante 565 quilômetros de Manaus), na RDS Mamirauá. Diogo salienta que abates experimentais autorizados pelo Ibama foram realizados em 2004, 2006, 2008 e 2010. Estes pilotos serviram como base para a criação de legislação específica para o manejo de jacarés. Finalmente, em 2020, foi realizado um abate com plano de manejo e abatedouro licenciado próprio para jacarés, atendendo a todos os pontos da legislação estadual.

Renda Sustentável

Um sistema de uso sustentável pode ser uma boa ferramenta de desenvolvimento, segundo Diogo, já que em áreas do Amazonas como a RDS Mamirauá, a população costuma ser dependente de poucas opções de renda e uma atividade extra pode minimizar esses riscos nos aspectos financeiros e de segurança alimentar.

Da mesma forma, os critérios de sustentabilidade exigidos permitem que os jacarés possuam áreas de nidificação protegidas e continuem se reproduzindo e mantendo sua população estável. Atualmente, o Instituto Mamirauá assessora dois setores da RDS com maior potencial de manejo, Jarauá e Aranapu, que possuem seis comunidades beneficiadas com as atividades de desenvolvimento do manejo de jacarés.

O Instituto também é responsável pela primeira estrutura flutuante de abate de jacarés licenciada no Brasil, a Planta de Abate Remoto (Plantar). Segundo Diogo, a exemplo do manejo sustentável do pirarucu, o manejo de jacarés amazônicos – Melanosuchus niger (jacaré-açu) e Caiman crocodilus (jacaretinga) – pode se tornar uma alternativa viável de fonte de renda para as comunidades, promovendo a diversificação produtiva local associada à conservação dos jacarés e do ambiente onde vivem.

Diogo ressalta que, para isso, é fundamental a manutenção de um canal de comunicação eficiente entre entidades de assessoria técnica, grupos manejadores e órgãos públicos. 

“Isso porque pequenas falhas ou dificuldades de interpretação de normas, leis ou dados coletados podem gerar gargalos sérios no desenvolvimento da atividade. As partes interessadas estão empenhadas em fortalecer essas parcerias. O momento é bastante produtivo, do ponto de vista institucional. Momentos como o da Audiência Pública e de reuniões que participamos devem ser mais frequentes e contar com representantes engajados de cada uma das organizações envolvidas”.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

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