Na semana em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, não podemos fugir do tema violência contra a mulher, machismo e cultura do estupro.
Na semana em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, não podemos fugir do tema violência contra a mulher, machismo e cultura do estupro. Nesta coluna já escrevemos sobre esses temas, nos artigos:
Violência doméstica contra a mulher: A vítima não é culpada;
O “cancelamento” dos agressores de mulheres; e
As policiais femininas e o assédio sexual nas instituições militares.
Infelizmente teremos que falar sobre esse tipo de violência muitas vezes.
Um estudo realizado pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, concluiu que a maioria das mulheres brasileiras (86%) percebe um aumento na violência cometida contra pessoas do sexo feminino durante o último ano. A conclusão é da pesquisa de opinião “Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher — 2021”.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou nesta segunda-feira (7), véspera do Dia Internacional da Mulher, que o número de estupros contra mulheres aumentou 3,7% em 2021 em relação a 2020. Foram 56.098 casos no ano passado, ou um crime a cada dez minutos¹. A Unicef, por sua vez, informa que a cada 20 minutos, uma menina de até 14 anos é estuprada no Brasil. Considerando apenas o estado de Rondônia, 14 mulheres foram mortas violentamente nos dois primeiros meses de 2022.
Somos um país violento que mata e estupra muitas mulheres e meninas. Isso precisa parar. As mulheres não podem continuar sendo vistas como um pedaço de carne para serem consumidas pelos homens, para satisfazerem os seus desejos mais primitivos e selvagens. Ver as mulheres dessa forma é objetificá-las, ou seja, vê-las apenas como um objeto. Dalila Belmiro em um excelente trabalho publicado com outros autores em 2015, intitulado “Empoderamento ou Objetificação: Um estudo da imagem feminina construída pelas campanhas publicitárias das marcas de cerveja Devassa e Itaipava” ensina que:
“A objetificação, termo cunhado no início dos anos 70, consiste em analisar um indivíduo a nível de objeto, sem considerar seu emocional ou psicológico”.²
Objetos sexuais são vibradores, consolos, bonecas infláveis, ou seja, brinquedos sexuais que podem ser encontrados em sex shops. Mulheres não são objetos, são seres humanos. Parece absurdo, mas foi preciso afirmar isso em uma lei, apenas para lembrar os homens de algo tão obvio. O art. 2º da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha):
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Em que mundo estamos vivendo, onde é preciso uma lei para lembrar que as mulheres são seres humanos detentoras de direitos fundamentais? A resposta é simples: no mesmo lugar onde se precisa afirmar que a terra não é plana; as vacinas salvam vidas; não urine no chão; não jogue papel no vaso sanitário; e dê descarga após usar o vaso sanitário. Ainda somos uma civilização atrasada com muito ainda a evoluir. A luta das mulheres ainda será longa.
A objetificação da mulher traz vários problemas, tais como: a cultura do estupro, o padrão de beleza e a desqualificação da mulher. Infelizmente, algumas mulheres se auto objetificam, ou seja, comportam-se como objetos sexuais. Mas por que isso acontece? Iana Lima explica:
“Quando lembramos que parte da cultura patriarcal compreende a satisfação sexual que a mulher precisa dar ao homem, o impacto disso no comportamento de muitas mulheres é de se empenhar em tornar seus corpos sexualmente atraentes para os homens em detrimento de suas próprias expectativas. Enxergar seu próprio corpo e o corpo de outras mulheres como objetos de satisfação do desejo sexual masculino é parte do processo de auto objetificação”³.
Essas mulheres que se auto objetificam prejudicam a si própria e as outras mulheres, pois ajudam a propagar essa cultura distorcida e machista. Obviamente que muitas mulheres fazem isso inconscientemente, levadas por uma educação machista e por uma propaganda que cria um estereótipo das mulheres, de que precisam ser bonitas, “gostosas”, sensuais e atraentes. Ignoram que elas também têm suas expectativas, desejos, ambições, sonhos e sentimentos.
Esse tipo de conduta que estereotipa as mulheres deve ser combatida. A Lei Maria da Penha, em seu Art. 8º, inc. II, estabelece que “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar“.
Esta semana, em meio à guerra na Ucrânia, onde está acontecendo uma tragédia humanitária, um Deputado Estadual de São Paulo, Arthur do Val, conhecido pela alcunha de “Mamãe Falei”, foi para a Ucrânia, sob o pretexto de realizar ajuda humanitária, e falou o que não devia, ofendendo as mulheres ucranianas. Pelo que tudo indica, a viagem dele estava mais para turismo sexual do que ajuda humanitária.
Nos áudios, que circulam nas redes sociais desde a noite de sexta-feira, dia 4 de março, o Dep. Arthur do Val, fez declarações machistas e misóginas sobre as mulheres ucranianas:
“São fáceis, porque elas são pobres. E aqui minha carta do Instagram, cheia de inscritos, funciona demais. Não peguei ninguém, mas eu colei em duas ‘minas’, em dois grupos de ‘mina’. É inacreditável a facilidade. Essas ‘minas’ em São Paulo você dá bom dia e ela ia cuspir na sua cara e aqui são super simpáticas”.
O deputado estadual também comparou a fila de refugiadas à fila de uma balada:
“Acabei de cruzar a fronteira a pé aqui, da Ucrânia com a Eslováquia. Eu juro, nunca na minha vida vi nada parecido em termos de ‘mina’ bonita. A fila das refugiadas, irmão. Imagina uma fila de sei lá, de 200 metros ou mais, só deusa. Sem noção, inacreditável, é um bagulho fora de série. Se pegar a fila da melhor balada do Brasil, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila de refugiados aqui”.
As falas do Deputado causaram enorme indignação, pois olhou para as mulheres nas filas de refugiadas e viu apenas sua beleza física, viu-as como objetos sexuais, esquecendo-se que ali havia mulheres casadas que abandonaram seus maridos que ficaram para lutar na guerra; mães que tentavam a todo custo salvar suas vidas e de seus filhos; filhas e irmãs que se separavam de suas famílias; todas desesperadas, angustiadas, sofrendo pelos reflexos da guerra, e com medo do futuro incerto. Ele não viu nada disso, não teve sensibilidade e nem sentimento de empatia. A única coisa que ele viu foi carne fresca. Mostrou-se, ainda, interessado em fazer turismo sexual em outra época, para se aproveitar das mulheres pobres da Ucrânia.
O nobre deputado agora sofre as consequências de suas palavras desprezíveis e repugnantes, está ameaçado de perder o mandato. Não há mais espaço para esse tipo de conduta. As mulheres precisam ser respeitadas e tratadas com dignidade.
Segundo Belmiro, et al, citando HOROCHOVSKI, a objetificação da mulher, no entanto, tem como resposta um movimento chamado empoderamento, que é sinônimo de autonomia, na medida em que se refere à capacidade de os indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de ação alternativos em múltiplas esferas política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo, trata-se de um atributo, mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas.
Viva 8 de março, Dia Internacional das Mulheres. Que todas sejam mais respeitadas, menos objetivadas e mais empoderadas.
² https://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-1863-1.pdf
³ https://www.politize.com.br/o-que-e-objetificacao-da-mulher/
Sobre o autor
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista