A violência contra as mulheres tornou-se corriqueira. No entanto, não podemos nos acostumar a isso, achando que é comum e que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”.
Inicialmente quero me desculpar com os leitores desta coluna por ter passado duas semanas sem publicar nenhum artigo. O motivo é justificável: tirei alguns dias para descansar com a família e recarregar as baterias para o segundo semestre. Nada como alguns dias no meio da floresta amazônica, curtindo a natureza, praticamente isolado da civilização e sem notícias.
No entanto, das poucas vezes que tive acesso aos noticiários, tive a triste constatação de que a violência contra as mulheres não tira férias nem descansa. A notícia que mais vi foi a da violência praticada pelo DJ Ivis contra sua ex-esposa, Pâmella Holanda. Ela divulgou vídeos que comprovam as várias agressões físicas praticadas pelo DJ Ivis. Cenas deploráveis; agressões covardes.
A violência contra as mulheres tornou-se corriqueira. No entanto, não podemos nos acostumar a isso, achando que é comum e que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Não se meter e ser conivente com a violência e com os desfechos que essas violências podem provocar: mortes e lesões graves ou gravíssimas, isso sem contar os traumas psicológicos.
Nesses últimos dias intensificou-se campanhas de conscientização visando combater a violência contra a mulher. Dentre essas campanhas podemos destacar a “Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”, que incentiva a marcação de um “X” vermelho na palma da mão da mulher vítima de violência, como forma rápida e discreta de denúncia contra um agressor.
Não é a primeira vez que abordamos este tema nesta coluna. Em 04 de maio deste ano escrevemos um artigo intitulado “Violência doméstica contra a mulher: A vítima não é culpada“. Nessa ocasião mencionamos os altos índices de violência doméstica contra a mulher na região norte do Brasil. Ocorre que precisamos ser repetitivos, insistentes e enfáticos no combate a violência contra a mulher. E não apenas a violência doméstica, mas todo e qualquer tipo de violência contra a mulher, pois, lamentavelmente, as mulheres fazem parte de um grupo vulnerável, vítimas constantes de homens covardes e machistas, que acham que as mulheres não passam de seres inferiores, que não tem os mesmos direitos dos homens e existem para satisfazer suas necessidades.
Felizmente, por mais que a violência seja uma constante e ocorram em quantidade elevada, nota-se uma sensível mudança. A sociedade, aos poucos, está mudando e a violência contra a mulher está sendo combatida e recriminada. Isso se deve à mudança de postura das mulheres, que estão cada vez mais combativas e empoderadas. Já não toleram mais essa condição de submissão e vitimização. As mulheres se uniram, e juntas são fortes. Viva a sororidade[i].
As mulheres são maioria que são tratadas como minorias. Isto precisa mudar, e está mudando, pois as mulheres são a maioria da população brasileira, maioria no ensino superior, maioria no eleitorado e forte participação no mercado consumidor.
As mulheres podem decidir as eleições, a ocupação do mercado de trabalho especializado futuro e quais produtos serão mais consumidos. Esse poder é capaz de provocar as mudanças necessárias para combater a violência contra as mulheres. Elas podem votar apenas naqueles candidatos e candidatas que se comprometam com as políticas públicas de combate à violência doméstica e só comparem de empresas que valorizem as mulheres, combatendo o assédio nos locais de trabalho e dando as mesmas oportunidades de trabalho e salário dadas aos homens.
O mercado, e a sociedade em geral, já tem notado essa força e poder e aos poucos estão CANCELANDO os agressores de mulheres.
Estamos vivendo a cultura do cancelamento. Mas o que é isso, esse tal de “cancelamento”? Constantemente ouvimos e vemos a expressão: “fulano foi cancelado”. Expressão muito comum nas redes sociais.
A cultura do cancelamento está diretamente relacionada a um processo de desconstrução de práticas e costumes antigos, os quais anteriormente eram normalizados na sociedade, tais como racismo, machismo, homofobia, xenofobia, etc. Não é que esses comportamentos não sejam mais tolerados pela sociedade – lamentavelmente ainda estamos longe de atingir esse nível de evolução social – porém, não são mais tolerados por parte do corpo social, e esse parcela da sociedade tem forte influência, fazendo com que esses comportamentos inadequados e desprezíveis sejam passíveis de punições. A punição do cancelamento não é uma sanção penal, pois não está prevista em nossa legislação, mas mostra-se, por vezes, mais eficiente que aquelas, pois mexe no bolso e no convívio social dos agressores. É quase uma sentença de morte para aqueles que vivem nas/das redes sociais.
Podemos citar alguns exemplos:
- Karol Conká, rapper de 34 anos, é alvo de críticas nas redes sociais por seus comentários xenofóbicos e abuso psicológico contra seu colega de confinamento no BBB, Lucas;
- MC Gui, que praticou bullying virtual com uma garotinha na Disney;
- Nego do Borel, acusado de transfobia por responder o comentário de Luisa Marilac – travesti famosa na internet pelo vídeo “bons drinques” – chamando-a de “homem”. O mais recente caso envolvendo o cantor foi publicado nas redes por Duda Reis, sua ex-noiva.
- Victor Chaves, cantor e compósitos da dupla sertaneja “Victor e Léo”. A imagem de Victor ficou muito negativa quando foi denunciado por sua ex-esposa de ter praticado agressão contra ela.
E agora, soma-se a esse grupo de cancelados, o DJ Ivis, que, em razão da revelação das agressões, perdeu contrato com a gravadora Sony e com a produtora Vybbe, tendo, ainda, canceladas parcerias com músicos. Os prejuízos financeiros e profissionais são incalculáveis. Sua carreira pode estar acabada.
A Lei Maria da Penha veio para combater a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ele tem representado um forte mecanismo de defesa, mas não tem sido, ainda, suficiente para mudar esse cenário de violência contra as mulheres. Quem sabe esse novo “mecanismo”, o da “cultura do cancelamento”, somado aos mecanismos da Lei Maria da Penha, ajudem a acabar com a cultura da violência contra as mulheres.
DJ Ivis e outros agressores de mulheres:
[1] Sororidade significa união de mulheres, proteção, apoio mútuo em casos de violência de gênero.
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.