Imagens datadas de 1894 à 1943 são do arquivo pessoal do doutor, colecionador e professor da UFRR, Maurício Zouein.
“Procuro nas imagens fotográficas compreender as relações sociais, políticas, econômicas e culturais transformadas em narrativas visuais”. Esta citação está presente no livro ‘A ideia de civilização nas imagens da Amazônia‘, do doutor em história social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRR), Maurício Zouein.
Ele, que também é colecionador, abriu seu acervo de fotografias ao Grupo Rede Amazônica e cedeu imagens raras datadas entre 1894 a 1943 – do século 19 ao início do 20 – , que mostravam o cotidiano no Estado, para celebrar os 34 anos de Roraima, comemorado em 5 de outubro.
As relíquias cedidas mostram indígenas dançando, cartões postais, um mapa e até um dos primeiros áudios gravados no território que hoje compreende o estado (ouça abaixo). Parte desse material com fotografias antigas da Amazônia foi retratado na obra lançada em 2022, com parte da coleção pessoal de Zouein. Ele também é professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Nas fotografias, ele explica que em sua maioria eram propagandas e publicidades para atrair investidores europeus à Amazônia. Os interesses nunca eram nas pessoas, explica o pesquisador.
“Os governos locais começaram a usar as fotografias para mostrar os lugares. Os governos começaram a entender a importância das fotografias para fazer propaganda da sua proposta de civilização, da sua proposta de progresso para o lugar. Foram produzidos álbuns grandes e espalhafatosos para seduzir investidores aqui para a Amazônia”,
explica.
1894 – 1904
Roraima completa 34 anos como Estado em 2022, dividindo o aniversário com a Constituição Federal de 1988. Mas sua história é bem anterior a isso. Em 1894, o fotografo alemão George Huebner visitou o território do Estado para fotografar os costumes da Amazônia. Algumas dessas fotografias se transformaram em cartões postais enviados em 1904.
Zouein tem uma vasta coleção de postais antigos tirados não só em Roraima como em toda a região amazônica. Ele explica que a intenção dessas fotografias enviadas por correio eram de mostrar o “exótico para explorar a imagem da pessoa fotografada”.
George Huebner veio para procurar orquídeas nas comunidades indígenas. Ele começou então a produzir postais. É importante destacar que esses cartões foram postados em 1904, mas as fotos foram tiradas em 1894. Ele era um pioneiro da documentação fotográfica”, explica o professor.
O pesquisador disponibilizou dois desses postais que mostram imagens de indígenas da povo Macuxi. Em um deles, três crianças nuas com o olhar sério e em outro um indígena com armas artesanais em cima de uma pele de onça. Ambas fotografias datadas de 1894.
Mauricio explica que, embora tenham sido datadas de antes, os postais foram enviados em 1904 por dois fatores curiosos: “Muitas coisas colaboravam para esses postais demorarem para ser enviados, como na época do império ser proibido que outras pessoas, além da própria coroa, enviar postais e também por que naquela época o sistema de cobrança era diferente. Quem pagava não era quem comprava e pagava, mas sim quem recebia. Tinha muita gente sacana que mandava um envelope em branco só para cobrar de quem recebia. O pessoal quando via o correio chegando, quando não tinha dinheiro, se escondia”.
O professor também disponibilizou imagens de Huebner datadas de 1904, que mostram a expedição do governador Constantino Nery a Roraima acompanhado do fotógrafo. Duas delas mostram Boa Vista e outra mostra a expedição passando por onde hoje é o munícipio de Caracaraí, Sul do Estado.
1911
Theodor Koch-Grünberg é outro fotografo alemão que veio até Roraima em 1911. Notório pelas suas viagens e pelas etnografias de grupos indígenas, foi também um dos pioneiros no uso de recursos cinematográficos e fonográficos em pesquisas de campo.
As fotografias de Koch-Grünberg mostram os costumes dos indígenas Macuxi, Wapichana e Taurepang. Uma delas disponibilizadas pelo professor, mostra indígenas Taurepang dançando o Parixara (dança tradicional indígena) em frente ao Monte Roraima, maior monte plano do mundo, localizado na fronteira de Roraima com Venezuela e Guiana.
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“Em 1911 veio Theodor Koch-Grünberg. Ele era um alemão que escreveu em um dos livros que ele publicou o conto indígena daqui de Roraima do Macunaima, usado por Mario de Andrade como inspiração para escrever o Macunaíma”, conta o professor.
Koch-Grünberg também levou para Roraima formas arcaicas de captações fonográficas. Em contato com a sobrinha neta do fotógrafo direto da Alemanha, o professor conseguiu faixas gravadas pelo fotógrafo de indígenas dançando o Parixara. “A sobrinha neta dele foi quem me mandou direto da Alemanha essas faixas captadas por ele aqui em Roraima. Além disso, mandou 11 fotografias originais, inclusive um filme feito por Koch-Grunberg feito aqui no Estado. Foi gravado em em cilindro de cerâmica”, conta.
O professor explica ainda que o governo evitava fotografar pessoas sorrindo. Era de maior interesse de quem produzia as fotografias mostrar pessoas tristes:
“Durante a minha pesquisa eu não vi uma fotografia de pessoas sorrindo. Todas elas eram pessoas tristes, cabisbaixas ou em trabalho manual e subalterno. O motivo era que não era de interesse dos governos locais mostrar as pessoas felizes, para que isso comprovasse que os investidores deveriam levar a civilização até eles. Para dar um ar de ‘pobres, estão coitados, precisando de ajuda’ e faziam esse tipo de imagem sobre o povo negro, índio ou qualquer outro trabalhador comum”.
Maurício conta que uma das imagens obtidas por ele durante as pesquisas e fornecidas à reportagem arrancaram suas lágrimas por um motivo: um singelo sorriso de três mulheres indígenas Macuxis e Wapichanas.
“Quando eu vi essa fotografia, eu fiquei muito emocionado. Foi o registro mais antigo que eu vi de alguém da Amazônia sorrindo. E você fica pensando na confiança que essas pessoas tiveram em relação ao fotógrafo, o grau de intimidade para elas poderem sorrir. Imagina a relação”,
comentou Zouein.
Década de 1940
Em Boa Vista, na década de 1940, a capital como é conhecida hoje estava começando a ganhar forma. Maurício mostrou três fotos de seu acervo – de autor desconhecido – que mostram diferentes pontos da cidade durante a década.
Em uma dessas imagens, aparece o que antes era o aeroporto da capital roraimense na década. O lugar compreende onde hoje é o Palácio da Cultura Nenê Macaggi até a sede da Rede Amazônica no Estado.
Outra imagem mostra a avenida Jaime Brasil, no Centro da cidade. É possível ver a Casa da Cultura – hoje abandonada – e o local onde se encontra o Centro Comercial do Caxambú atualmente.
A ideia de civilização nas imagens da Amazônia 1865 – 1908
A obra ‘A ideia de civilização nas imagens da Amazônia 1865 – 1908’ foi lançada em 2022 pela editora Telha e mostra uma parte da coleção de fotos de Maurício Zouein para entender o contexto histórico e social da Amazônia no período descrito.
Foram utilizados fotografias, cartões-postais e álbuns oficiais do Amazonas e Pará entre os anos de 1865 e 1908 para observar o papel das populações indígenas e negras na ideia de civilização proposta por parte destes governos, e analisadas 3.573 imagens, das quais 139 foram selecionadas.
Entre as relíquias publicadas no livro, estão o cartão postal mais antigo que se tem registro no Brasil, parte do acervo do professor. A obra está disponível no site da Editora Telha e na Amazon.
*Com informações de matéria produzida por Caíque Rodrigues, do g1 Roraima