Foto: Reprodução/UFPA
Clara Martins Pandolfo: química, ambientalista, professora e pesquisadora, foi a segunda mulher a receber o título honorífico de Professora Emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA) e uma das maiores conhecedoras dos problemas ambientais amazônicos, uma cientista que uniu a teoria à prática, atuando decisivamente em questões ligadas ao planejamento do desenvolvimento da região.
Seu pioneirismo no uso de satélite para mapear áreas degradadas por fazendeiros e madeiros e as medidas adotadas, inicialmente na SPVEA, depois na Sudam, para conter o mau uso da terra lhe valeram o epíteto de “a dona da selva”, como os opositores a chamavam. Era não apenas uma ironia, mas também o reconhecimento da sociedade à importância do trabalho que realizou em defesa da Amazônia.
Clara nasceu em 12 de junho de 1912, exatamente no ano em que a economia da borracha entrou em crise na Amazônia, quando o mercado internacional se voltou à borracha produzida em seringais plantados pelos ingleses na Malásia e no Ceilão. A crise se estendeu por décadas e afetou os negócios do pai, o comerciante Albano Augusto Martins, proprietário da Casa Albano, que viria a se tornar uma das mais tradicionais casas comerciais de Belém.
Ressentindo-se financeiramente com a crise e as despesas da educação dos filhos, os pais apoiaram a caçula de cinco irmãos, quando, concluído o ensino secundário, em 1926, aos 14 anos de idade, decidiu cursar Química Industrial em uma escola recém-fundada em Belém, a Escola de Química do Pará, então sob responsabilidade da Associação Comercial (ACP), que oferecia ensino gratuito. Por ser de menor idade, a adolescente foi admitida como aluna ouvinte, mas, graças ao seu bom desempenho, no ano seguinte, tornou-se aluna regular. Para Sérgio Pandolfo, filho e biógrafo de Clara, a escolha da mãe foi menos por vocação e mais por contingência financeira.
A escola era dirigida pelo naturalista francês Paul Le Coint, diretor do Museu Comercial da ACP. Os professores eram igualmente franceses, trazidos da Sorbonne, o que tornava o francês a língua dominante em sala. Clara Martins, ainda sem o sobrenome Pandolfo que receberia do marido Rocco Rafael Pandolfo, venceu a dificuldade linguística e se tornou a primeira mulher formada em Química, na Amazônia, algo que diz muito da sua personalidade nada afeita a seguir o papel de submissão feminina na sociedade das primeiras décadas do século XX.
Essa característica pode ser medida também por sua efetiva participação na campanha feminista de defesa do direito ao voto das mulheres, liderada por Bertha Lutz no início da década de 1830, no Brasil. Durante todos os quatro anos de curso, Clara se destacou como estagiária de Paul Le Coint. Em 14 de setembro de 1929, graduou-se. Tinha somente 17 anos quando apresentou a tese Contribuição ao estudo químico de plantas medicinais da Amazônia, logo publicada na única edição do Boletim daquela escola.
Mesmo com o fechamento da Escola de Química do Pará, em 1930, por Getúlio Vargas, Sérgio Pandolfo conta que sua mãe manteve a colaboração com o naturalista francês em pesquisas tecnológicas e análises de matérias-primas regionais. Segundo ele, essa fase teve profunda influência na formação técnico-científica da mãe, “levando-a a adquirir o gosto pelo estudo dos recursos naturais da Amazônia, a que dedicou, desde então, a maior parte de seus esforços no desempenho profissional”. Em 1931, ela tornou-se servidora pública estadual, ao trabalhar como química dos Laboratórios de Bromatologia e de Hipodermia da Diretoria de Saúde Pública do Pará, tornou-se assistente química e, depois, diretora do Laboratório de Biologia da Santa Casa de Misericórdia.

Voz em defesa da Amazônia
Sobre Clara Pandolfo, o jornalista Lúcio Flávio Pinto disse: “A química foi a base científica para voos mais altos e amplos da sua inteligência”. Primeiro, na antiga Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953, a convite do superintendente Artur Cesar Ferreira Reis, depois, na Sudam, em que foi diretora-geral do Departamento de Recursos Naturais, cargo que exerceu até a aposentadoria compulsória, em 1990.
Em relação à atuação, disse o jornalista: “Ao longo de 40 anos a voz da doutora Clara se manteve firme, respeitada e temida. Ela não devia sua posição a nenhum pistolão. Podia exigir que a convencessem através de argumentos. Se não, defenderia sua própria posição”. Lúcio cita, como exemplo, a posição contrária de Clara Pandolfo à disposição do superintendente Elias Sefer de fazer aprovar três projetos agropecuários no Acre, por estarem localizados em área de floresta densa, o que contrariava resolução da própria Sudam.
Durante mais de 25 anos, ela trabalhou como docente dos ensinos secundário e superior, tendo sido professora de vários colégios de Belém, da Escola de Enfermagem e da Escola de Química da UFPA, da qual se aposentou como professora titular. Para além da atividade em sala de aula e laboratórios, Clara Pandolfo teve intensa participação em palestras, seminários e congressos no Brasil e no exterior, e foi autora de uma extensa bibliografia relatando suas pesquisas sobre a Amazônia, região da qual foi uma das maiores conhecedoras.
Em reconhecimento a este trabalho técnico e científico desenvolvido em defesa da Amazônia e do uso sustentável de seus recursos naturais durante mais de seis décadas, a UFPA concedeu à Clara Martins Pandolfo o título honorífico de Professora Emérita, em sessão do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa realizada em 2 de janeiro de 1989, conforme Resolução nº 1.713, assinada pelo reitor, à época, José Seixas Lourenço.
*Com informações da UFPA